Acórdão nº 0358/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | FERNANDA XAVIER |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A…, com os sinais dos autos, interpõe recurso da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a presente acção de responsabilidade civil extracontratual que a ora recorrente instaurou contra o MUNICÍPIO DE MIRA e absolveu o Réu do pedido.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. Eram duas as vertentes que compunham a causa de pedir – uma relativa à actuação de um Vereador (que era simultaneamente Vice Presidente da Câmara), outra à actuação da Câmara Municipal: i. à do Vereador do Pelouro, estando-se assim perante uma culpa do R. individualizada na pessoa daquele, porque prestou informação verbal à recorrente que o estabelecimento – objecto da prometida cessão de exploração por parte da empresa gerida pelo seu genro, esposa e cunhadas – estava licenciado, sendo assim apenas necessária a emissão de um horário de funcionamento; ii. À da CM, estando-se assim perante uma culpa organizacional ou do serviço, distanciada da pessoa nominal autora da falta assente na prestação de uma informação errónea, porque emitiu um horário do funcionamento para o estabelecimento sem cuidar de verificar que o mesmo não estava licenciado, não tendo ademais esclarecido devida e atempadamente a recorrente dessa falta de licenciamento.
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No que toca à primeira vertente assinalada, a recorrente compreende a decisão proferida a este respeito e, assim, o facto de a mesma não ter logrado provar sem dúvidas que o Vereador em causa transmitiu verbalmente aos sócios da recorrente a mencionada afirmação – o que, note-se bem, se afirma, irrelevantemente é certo (uma vez que, entre o mais, a culpa do sobredito funcionário apenas beneficiaria a Câmara, em termos de eventual exercício de direito de regresso, sendo espúria, em termos de quantum indemnizatório claro está, para a recorrente), apesar de duas testemunhas terem deposto que assim sucedeu e de o próprio Sr. Vereador, com claro interesse pessoal na questão ter (contraditoriamente) admitido como possível que, se tivesse sido interpelado pela recorrente sobre a existência da licença de utilização, poderia ter dito que, se existia um horário de funcionamento e até um apoio financeiro, era porque a discoteca preenchia todos os requisitos para funcionar… - cassete nº2, lado 6, rotações 1877 a 9999.
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No entanto, o que a recorrente não pode mesmo silenciar é a sua discordância quanto ao facto de se ter considerado que a conduta assumida pela Câmara Municipal de Mira não configura a existência de um funcionamento defeituoso dos seus serviços ou, utilizando a terminologia constante do artº7º, nº3 da actual lei de responsabilidade civil extracontratual, do seu funcionamento anormal.
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Na verdade, em sede de petição inicial, alegou a então A. ( a par com a sobredita informação verbal não provada) que a circunstância de lhe ter sido emitido um horário de funcionamento para o estabelecimento em causa – deferido, no mesmo dia, pelo punho do vereador responsável com competências delegadas em matéria relativa ao funcionamento das discotecas ( que, como se disse, era genro, marido e cunhado dos sócios gerentes da empresa que explorava esse estabelecimento objecto de contrato promessa de cessão de exploração) – sem ter atentado na circunstância de a licença de funcionamento para o mesmo já se encontrar caduca há 3 anos, conduziu a que se gerasse um sentimento de confiança na legalidade do sobredito estabelecimento e influenciou assim decisivamente a vontade de celebrar o contrato promessa, e o facto de não ter dado uma resposta cabal e atempada quanto à conhecida situação do espaço em apreço, não tendo encetado quaisquer diligências (como vistorias ou inspecções) tendentes a confirmá-la, antes tendo declarado genericamente que espaços havia que não estavam licenciados para depois autorizar a redução da lotação, o que culminou num primeiro momento com o encerramento parcial da empresa e, num segundo momento (quando o R. esclarece que efectivamente não existe qualquer licenciamento), com o encerramento total, configura uma deficiente organização do serviço de licenciamento de estabelecimentos comerciais com espaços de dança que, tendo provocado danos na esfera da recorrente, impõe a sua reparação.
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Considerou, contudo, o Digno Tribunal recorrido que, por um lado, não se provou que a ausência do aludido alvará de funcionamento tenha levado à redução da actividade comercial e, por outro, que não foi em função da informação escrita de 11 de Julho de 2001 (na qual se referia que a discoteca não estava licenciada) que a recorrente encerrou definitivamente o estabelecimento – porém, o que se conclui, com o devido respeito, que muito é, erroneamente.
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Em primeiro lugar, na medida em que a prova testemunhal produzida foi no sentido de asseverar que a ausência – rectius, a suspeita de ausência – do alvará de funcionamento implicou a redução da actividade comercial, tendo a sua confirmação posterior (em que se atesta a inexistência de licenciamento) levado ao encerramento, sendo que se soubesse do estado do estabelecimento não se teria celebrado qualquer contrato nem realizado despesas com o mesmo.
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Estando-se assim perante um erro na apreciação da prova que inquina o julgamento tecido a este respeito – cfr. declarações supra transcritas prestadas por, respectivamente, B… (cassete 1, lado A, rotações 0000 a lado B, rotações 1144) e C… ( cassete nº1, lado B, rotações 1145 a rotações 9999 e cassete nº 2, lado A, rotações 0000 a 1044).
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Dito de outro modo, o que inquina a sentença de erro de julgamento, os factos constantes dos pontos 4, 5 e 6 matéria controvertida não provada deveriam ter sido considerados como provados, tal como resulta dos depoimentos ante identificados.
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Depois e, sobretudo, porque mesmo que assim não sucedesse, resulta claro e evidente (recorrendo-se aos mais liminares parâmetros de bom senso, de experiência e de normalidade) que o facto de ser emitido um horário de funcionamento (e a autorização de redução de lotação) que pressupõe necessária e impreterivelmente a existência de licença de utilização – pelo responsável dos serviços é apto a gerar no administrado médio a convicção de que o estabelecimento que detém se encontra prostrado numa situação perfeitamente regular.
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Sendo perfeitamente razoável que quando se tenha dúvidas acerca da legalidade de um estabelecimento se reduza a actividade e, obtida a confirmação das suspeitas de ilegalidade, se encerre o mesmo – tudo como a recorrente fez em clara boa fé e, segundo cremos, sem que qualquer laivo de censurabilidade se lhe possa assacar.
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Por outro lado, em abono da justiça, não podemos deixar de referir que no âmbito da produção testemunhal foi sucessivamente afirmado que a recorrente, sobretudo pela intervenção de B…, se deslocou inúmeras vezes à autarquia para tentar esclarecer a situação da legalidade do funcionamento do estabelecimento (cfr. declarações prestadas por B…, cassete nº1, lado A, rotação 0000 a lado B, rotações 1144; C…, cassete nº1, lado B, rotações 1145 a rotações 9999 e cassete nº3, lado A, rotações 1971 a lado B rotações 2043). Chega-se mesmo a afirmar que foram dezenas as vezes que tal sucedeu.
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Concluindo-se isto mesmo para sublinhar que esta situação de desorganização estrutural e funcional dos serviços não se traduziu apenas na passagem de duas licenças ilegais…traduz-se a mesma também na incapacidade dos serviços (protagonizada colectivamente por funcionários, director de departamento e vereador) de prestarem informações correctas e precisas sobre a situação.
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Como é bom de ver, sendo inequívoco que um ente público deve actuar de acordo com padrões médios de funcionamento, escapa à normalidade das coisas atestar, mediante um horário de funcionamento, que o estabelecimento estava dotado de licença de utilização quando a mesma, como bem refere a Câmara, já se encontrava caduca há 3 anos.
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Assim como não se compreende, senão por uma errónea e deficiente organização dos serviços, que se conceda uma redução de lotação a um estabelecimento que, estando ilegal, não pode laborar – cfr. doc. nº 44 junto com a pi.
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Chegando-se inclusivamente ao limite de patrocinar uma festa no sobredito espaço – facto que não foi considerado provado pelo Digno Tribunal recorrido em claro erro de apreciação na prova (cfr. resposta ao quesito 9º), visto que, contrariamente ao que aí se refere, o símbolo aposto no folheto publicitário, contendo a menção de “ Vila de Mira”, é efectivamente o símbolo do Município de Mira – tal como, aliás, a testemunha D…, quando lhe foi exibido o folheto publicitário junto com a p.i. confirmou (cfr. cassete nº2, lado B, rotações 1877 a 9999), bastando, de resto, entrar no site deste Município para verificar isto mesmo.
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Sendo assim que também o facto constante do ponto 9 da matéria de facto dada como provada deveria ter sido dado como integralmente provado, com base no que se vem de concluir.
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Erros negligentes e danosos estes que poderiam ter sido evitados, entre o mais, se o serviço camarário estivesse correctamente organizado, cadastral e funcionalmente - o que certamente teria implicado o indeferimento do pedido de passagem do horário de funcionamento ou o seu deferimento condicionado à obtenção da licença de utilização (caso em que a recorrente teria logo conhecimento da ilegalidade do estabelecimento); ou a realização de uma inspecção ou vistoria, onde segura e previsivelmente se teria constatado a ausência de licenciamento e assim se teria colocado termo à situação de incerteza que a recorrente experimentava e que levou a diminuir a sua actividade a dois dias por semana e, posteriormente, a encerrar o estabelecimento, deixando de auferir os lucros normais que receberia se estivesse a trabalhar normalmente – por exemplo, quando a recorrente solicitou a redução da lotação ou, ainda exemplificativamente...
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