Acórdão nº 0302/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A…, viúvo, empregado de escritório, B…, solteiro, vendedor e C…, solteiro, estudante, todos residentes na rua …, n.° …, …, …, Amadora, intentaram acção declarativa, com processo ordinário, contra o Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, pedindo a condenação deste no pagamento de indemnizações que os ressarcissem dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em resultado da morte de D…, mulher do Autor A… e mãe dos Autores B… e C…, as quais computaram em 22.603.980$00 para o A…, de 2.500.000$00 para o B… e de 3.340.000$00 para o C….

Em resumo, alegaram que a referida D… foi colhida por um comboio que circulava no sentido Sintra-Lisboa quando procedia à travessia da linha férrea na passagem para peões existente na estação de Santa Cruz de Benfica e que esse acidente, de que resultou a sua morte, foi provocado por a mesma, inesperadamente, se ter deparado com um muro que estava a ser construído pela Ré, sem a devida sinalização, no lado contrário àquele onde iniciara a travessia e que não pode transpor.

A REDE FERROVIÁRIA NACIONAL - REFER, EP - sucessora legal do Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa - contestou não só para impugnar a factualidade invocada pelos Autores, mas também para suscitar as seguintes excepções: (1) a incompetência absoluta do Tribunal, (2) a prescrição, por a acção ter sido proposta para além do prazo previsto no artigo 498.° do Código Civil e (3) a inexistência de comissão, por o acidente não se ter ficado a dever a qualquer conduta dos funcionários ou agentes da RÉ, pelo que só lhe poderia ser imputado a título de responsabilidade pelo risco, não existindo qualquer relação de comissão entre a contestante e o empreiteiro que construiu o muro.

Após a resposta, os Autores B… e C… apresentaram requerimento, subscrito pelo seu Advogado, a desistir do pedido (fls. 175).

No despacho saneador o Sr. Juiz a quo considerou que (1) a referida desistência não podia produzir efeitos, visto o Mandatário dos Autores não ter poderes para o efeito, pelo que os convidou a suprir essa irregularidade, (2) relegou para final o conhecimento da prescrição e (3) julgou improcedentes as restantes excepções (fls. 178 e seg.s).

Em requerimento posterior (fls. 213 e seg.s) a REFER arguiu a sua ilegitimidade e a preterição de litisconsórcio necessário e os Autores B… e C… vieram regularizar a sua desistência do pedido.

Por despacho de fls. 316 e seg.s a mencionada desistência foi declarada válida e eficaz e as indicadas excepções foram julgadas improcedentes.

A REFER interpôs recurso deste despacho, o qual foi admitido para subir com o primeiro recurso que houvesse de subir, nos próprios autos e com efeito devolutivo (fls. 332).

Nele foram formuladas as seguintes conclusões: 1. O presente recurso emerge do despacho que indeferiu as anteriormente suscitadas questões da ilegitimidade da Recorrente e violação do litisconsórcio necessário passivo.

  1. Em relação à questão da ilegitimidade da Recorrente, tendo a mesma apreciada no despacho saneador que transitou e não ocorrendo factos supervenientes não se poderá a mesma discutir na presente sede.

  2. O mesmo não se dirá em relação à questão da violação do litisconsórcio necessário passivo, anteriormente arguido.

  3. Na presente acção de indemnização com base em responsabilidade civil extracontratual os Autores demandaram o GNFL, a que sucedeu a Recorrente, por o considerarem responsável no acidente que vitimou D… – atropelamento por comboio quando tentava transpor um muro contíguo à linha férrea, muro esse que fazia parte de obras que se estavam a realizar.

  4. Consideraram ainda que a falta de sinalização das obras em que o muro se integrava e o fecho numa abertura do mesmo, estiveram na origem do acidente.

  5. Vindo levantada a questão da ausência do empreiteiro na presente acção, considerou a decisão recorrida que os factos em análise não dizem respeito directamente ao empreiteiro, mas sim à falta de previsibilidade no concurso ou caderno de encargos de condições de segurança.

  6. Porém, como resulta dos factos assentes em F e do documento 5, junto com a petição inicial, contrato formulado entre o GNFL e o empreiteiro, ficou acordado que o empreiteiro seria responsável por todos os acidentes acontecidos na obra e ainda responsável pelas perdas ou danos materiais ocasionados a terceiros em geral em consequência, da execução dos trabalhos ou da falta de segurança das obras.

  7. Resultando do contrato a responsabilização do empreiteiro por danos a terceiros, em consequência, das obras ou da falta de segurança delas, não se pode afirmar que a presente acção só indirectamente diga respeito ao mesmo.

  8. Assumindo o empreiteiro a responsabilidade pelos danos a terceiros relacionados com a falta de segurança das obras, não poderia deixar de ser parte, tendo assim sido violado o disposto no art.º 28.º/1 e 2 do CPC.

  9. Também se verifica violação de litisconsórcio necessário passivo, por não estar em juízo a CP – Caminhos de Ferro Portugueses.

  10. Com efeito, e tendo em consideração o exarado em C dos factos assentes e o articulado em 33.º e 34.º da base instrutória, tais factos a provarem-se acarretam ou podem acarretar responsabilidade da CP pelo que, para que a decisão produza o seu efeito útil normal é indispensável a presença da CP.

  11. Tendo assim violado, também o disposto no art.º 28.º/1 e 2 do CPC, o que acarreta a legitimidade da Recorrente.

    Não foram apresentadas contra alegações relativamente a este recurso.

    Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença onde se declarou improcedente a invocada prescrição e, no tocante ao mérito, se julgou a acção improcedente e se absolveu a Ré do pedido, por ter sido entendido que o acidente não resultara de qualquer conduta dolosa ou mesmo negligente da Ré.

    Inconformado, o Autor agravou tendo concluído como se segue: 1. Não é verdade não existir acesso directo do cais para a linha.

  12. Efectivamente como consta nas declarações das testemunhas, … e … a sinistrada limitou-se a transpor o muro construído no âmbito das obras “sub judice” sem ter necessidade de saltar para a linha, através de um degrau aí colocado para esse efeito.

  13. Como de resto os utentes faziam para efectuar o atravessamento da linha, sem qualquer oposição da Ré ou do empreiteiro.

  14. Deste modo devem ser alteradas as respostas aos quesitos 40.° a 42.° e 50.º, como prescreve o art.º 712.°-1-a) e b) do CPCivil.

  15. Na realidade as obras “in casu” foram iniciadas de modo a que todos os utentes pudessem continuar a atravessar a linha no local onde existia a passadeira para peões (ii) dos factos provados).

  16. Por essa razão foi mantida uma abertura no muro do lado oposto àquele a que a sinistrada iniciou a travessia da linha (ff) dos factos provados).

  17. Na verdade, quer o empreiteiro que realizou as obras quer a R. nunca se opuseram ao atravessamento da linha pelos utentes da estação (pp) dos factos apurados).

  18. Como aliás o demonstrou o facto da placa com os dizeres “É favor não atravessar” que se vê na fotografia a fls. 48, ter sido ali colocada após a ocorrência do acidente (jj) dos factos provados).

  19. É portanto uma evidência e contrariamente ao pretendido na sentença agravada que a zona de embarque e desembarque dos utentes da estação se estendia à zona das obras, dado estas terem sido realizadas em local onde existia uma passadeira para peões, 10.

    Sem que o atravessamento da linha por esse local pelos utentes da estação tivesse sido proibido.

  20. Bem antes pelo contrário aquelas obras iniciaram-se de modo a permitir a continuação daquele atravessamento da linha, como se disse.

  21. Ou seja a R. criou nos utentes a convicção de que tal atravessamento era permitido apesar das obras.

  22. Assim era indispensável proibir o citado atravessamento para romper com a referida rotina dos utentes da estação.

  23. Deste modo é incoerente a afirmação que se lê na sentença sob recurso de que, nenhum dos utentes poderia desconhecer que a abertura “in casu” seria fechada a todo o momento em função do avanço das obras.

  24. Pelo que se não aplica ao caso dos autos o art. 27.° do Regulamento de Exploração e Policia dos Caminhos de Ferro.

  25. A R. ao não interditar a passagem dos peões pela passadeira quando as obras em questão foram iniciadas, tomou-se responsável pelo acidente “sub judice”, a título de culpa efectiva.

  26. De facto nenhuma culpa grave pode ser atribuída à sinistrada, configurando o seu comportamento o cumprimento normal de uma rotina que a R. lhe induziu por ter criado condições para os utentes continuarem a atravessar a linha apesar de nesse local se terem iniciado as obras dos autos.

  27. Na realidade a R. devia ter proibido a travessia da linha pelo local, quando fechou a aludida abertura deixada no muro para permitir tal travessia.

  28. Tal obrigação decorre ainda do facto de no local não estar colocada iluminação que permitisse descortinar com clareza o muro do lado oposto da linha (z) dos factos provados) 20.

    Por tal razão a sinistrada não viu o muro do outro lado da linha (aa) dos factos provados).

  29. De resto a prova provada de que a R. iniciou as obras como se o local não fosse frequentado por máquinas geradoras de perigos graves, como o são os comboios está bem patente no facto de não ter feito prever no caderno de encargos ou do concurso, a interdição de passagem de pessoas no local.

  30. Foi assim criada uma autêntica ratoeira humana de consequências trágicas.

  31. Pelo que o acidente “in casu” é da exclusiva culpa da R., como se referiu.

  32. A sentença agravada violou as disposições legais indicadas nas anteriores conclusões.

  33. Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença agravada ser revogada, e, em sua substituição ser proferida outra decisão que condene a R. no Pedido formulado nos Autos. Como é de absoluta Justiça.

    A REFER, S.A. contra alegou concluindo do seguinte modo: 1. O Recorrente, A…, vem apresentar recurso da sentença proferida em 1.ª instância pretendendo impugnar, além do mais, matéria de facto.

  34. Sucede, contudo, que não deu cumprimento ao...

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