Acórdão nº 01062/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório O A…, com melhor identificação nos autos, vem interpor recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do Acórdão do TCA Norte, de 13.8.09, que, negando provimento ao recurso jurisdicional por si deduzido, manteve a decisão do TAF de Braga, de 9.3.09, que julgara procedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pela ora Recorrida “B…, ACE”, e, em consequência, anulara o procedimento concursal relativo à formação do Contrato de Empreitada de Demolições, Fundações, Estruturas e Rendes Enterradas, Cobertura, Fachadas e Caixilharias Exteriores do A... .

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões: 1ª Nos termos do disposto no n.° 1 do art. 150.° do CPTA, a admissibilidade do recurso de revista depende de um juízo a levar a cabo por esse Venerando Tribunal onde este conclua (i) que está em causa uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de uma importância fundamental ou (ii) que urge promover uma melhor aplicação do direito.

  1. Ora, a resolução da questão ora em litígio reveste uma importância fundamental, pois: (i) ultrapassa as esferas jurídicas das partes; (ii) não foi, ainda, alvo de jurisprudência elucidativa sobre a interpretação das normas e princípios cuja aplicabilidade suscita e, (iii) envolve interesses comunitários ou sociais de relevo.

  2. Em primeiro lugar, a resolução do litígio trazido aos presentes autos ultrapassa a esfera jurídica das partes porquanto suscita uma série de questões que não são isoladas ou limitadas à situação jurídica do Recorrente e desta situação em concreto.

  3. Pelo contrário, pela sua natureza, as questões que aqui se suscitam, evidenciadas e desenvolvidas no Ponto II. aa) supra (para onde se remete), relevam para um número mais ou menos alargado de situações já constituídas, ou a constituir previsivelmente, em que o Estado Português conceda análogos privilégios de imunidade jurisdicional, de acordo com as práticas correntes na comunidade internacional.

  4. Em segundo lugar, as questões trazidas a juízo não foram ainda alvo de decisões jurisprudenciais que permitam aferir uma linha decisória unânime ou, sequer, tendencial e a doutrina nacional emanada sobre tais matérias é extremamente escassa e fragmentária.

  5. Todavia, a questão da imunidade jurisdicional das organizações internacionais encontra-se intrinsecamente ligada à definição do âmbito e limites da competência internacional dos nossos tribunais, matéria cuja clarificação se revela de óbvia importância.

  6. Acresce que tem sido frequente a admissão de recursos de revista tendo por objecto a própria definição do alcance da jurisdição administrativa ou das regras da contratação pública, pelo que, para ser tido por admissível o presente recurso sempre bastaria, por conseguinte, o facto de nestes autos estar igualmente em causa a definição dos limites e alcance da competência dos tribunais administrativos e a definição da natureza da remissão operada pelo Recorrido para as normas de contratação pública vigentes à data do início do procedimento tendente à contratação da empreitada para a construção do Laboratório.

  7. A tudo o que se expôs acresce ainda que a resolução das questões jurídicas aqui em causa não se traduz num exercício meramente teórico ou académico, cuja resolução competiria, em primeira linha, à doutrina, antes assume uma efectiva repercussão para as partes envolvidas, embora com fortes probabilidades de aplicabilidade em situações futuras.

  8. Em terceiro lugar, a resolução da questão em litígio envolve interesses comunitários ou sociais de relevo, considerada a natureza do Recorrente e as actividades inerentes à sua criação.

  9. Com efeito, o Recorrente foi criado pelos Estados português e espanhol, que visavam a criação de um pólo de investigação internacional de excelência, numa área de vanguarda científica e tecnológica, atraindo investigadores de referência, recrutados em todo o mundo.

  10. O projecto encabeçado pelo Recorrente obteve, pela natureza que reveste, um grande interesse por parte da União Europeia, apontando-o como um exemplo de boas práticas de cooperação internacional no quadro da implementação da Estratégia de Lisboa.

  11. Acresce que, no tocante à situação em concreto, a especificidade das normas e princípios aplicáveis, a delicadeza imposta ao tratamento das questões absorvidas pela análise de princípios gerais de Direito Internacional, como o conceito de imunidade das organizações internacionais, assim como a projecção de uma eventual decisão a uma múltipla eventualidade de situações, comprovam plenamente que, para além da demonstrada relevância jurídica inerente a uma futura decisão no âmbito do presente recurso, é séria e fundada a relevância social ou comunitária inerente à questão em apreço.

  12. Em suma, resolução da questão ora em litígio reveste uma importância fundamental, circunstância que por si só é bastante para determinar a admissibilidade do presente recurso.

  13. Mais: ainda que se entendesse não estar em causa a resolução de um litígio revestido de uma importância fundamental, o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se aduz, sempre se dirá que o presente recurso deve ser admitido por estar, in casu, preenchido o requisito da necessidade de este venerando Tribunal proceder a uma melhor aplicação do direito pois, na verdade, o douto Acórdão do Tribunal a quo esteve claramente mal ao aplicar as disposições jurídicas e os princípios que aplicou, caindo, salvo o muito respeito, num erro manifesto e grosseiro que deve impreterivelmente ser sanado.

    Com efeito, o Tribunal a quo errou em dois momentos distintos, a saber, quando entendeu inaplicável ao caso o Acordo de Sede e quando entendeu que o Recorrente operou uma remissão em sentido formal para o Decreto-Lei n.° 59/99.

  14. Em primeiro lugar, o Tribunal andou mal quando entendeu que a imunidade do ora Recorrente era insusceptível de invocação no caso por não estar em causa a discussão de matéria que “afronte deforma directa ou imediata o disposto naqueles arts. 5.º n.° 1, corpo e 3.° n.° 2 do Acordo de Sede”, uma vez que o lançamento do concurso para a construção das instalações do Recorrente correspondia a “uma actividade de gestão corrente, de natureza privada, isto é, não oficial, que não contende directamente com o cerne essencial da sua existência, a investigação (...)”, conforme se evidencia supra, para onde se remete.

  15. Com efeito, não se alcança como pôde o Tribunal a quo considerar que a construção do laboratório não contende directamente com o cerne essencial da sua existência, a investigação, sendo uma actividade de gestão privada quando, na realidade, a construção do edifício é tão essencial, relevante, determinante e indispensável, que a sua inexistência determinaria que o Recorrente não poderia prosseguir os seus fins.

  16. Em segundo lugar, o Tribunal a quo incorre num erro manifesto quando pressupõe, sem qualquer reflexão, que a remissão operada nos documentos do concurso para o Decreto-Lei n.° 59/99, de 2 de Junho corresponde uma remissão formal.

  17. Na realidade, no Ponto 21.1. do Programa da consulta promovida pelo Recorrente encontra-se precisamente prevista uma recepção material, como resulta com clareza do seu teor, já reproduzido.

  18. Tal significa que nunca é o Decreto-Lei n.° 59/99 qua tale que é aplicado, como nunca seria uma qualquer lei espanhola ou directiva ou qualquer outro acto para onde operasse uma remissão nestes termos. O que é recebido não é o acto, mas o conteúdo, que passa a valer para todos os efeitos como conteúdo do Programa - com a consequência, entre outras, de a revogação do Decreto-Lei n.° 59/99 em nada afectar a aplicação das soluções para que o Programa remete.

  19. Também por isto, também porque o Decreto-Lei n.° 59/99 nunca é aplicado qua tale ao processo de consulta - não há, repita-se, uma recepção formal - é que as relações jurídicas conexas nunca poderão ser qualificadas como relações jurídico-administrativas.

  20. Logo, atento o disposto no art. 212.°, n.° 3, da Constituição e nos arts. l.°, n.° 1, e 4.°, n.° 1, als. d) e...

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