Acórdão nº 01217/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | JORGE DE SOUSA |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 – A… requereu neste Supremo Tribunal Administrativo a adopção da providência cautelar de suspensão de eficácia do acórdão do Conselho Superior do Ministério Público, de 20-10-2009, que lhe aplicou a pena disciplinar de inactividade, que foi graduada em 18 meses, bem como do acto do Senhor Procurador-Geral Distrital do … que fixou a data do início da sua execução.
O Requerente defende, em suma, que estão verificados os requisitos para adopção da providência tanto ao abrigo da alínea a) como ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA e que os danos resultantes da recusa da providência são superiores aos que resultariam da sua concessão, que considera inexistentes.
O Conselho Superior do Ministério Público deduziu oposição em que apresentou as seguintes conclusões: 1. A aplicação da pena de "INACTIVIDADE" É UMA IMPOSIÇÃO LEGAL: é a pena que as normas dos artigos 182º, 183º, 170º e 176º, todos do EMP, mandam aplicar a infracção disciplinar grave, por prática de actos que consubstanciam uma conduta incompatível com o exercício da função de Magistrado do Ministério Público; 2. os prejuízos dela decorrentes são os próprios de uma pena disciplinar que implica o afastamento do exercício de funções e a perda do correspondente vencimento, prejuízos esses que não são irreversíveis ou de difícil reparação; 3. os efeitos do cumprimento de uma pena de "INACTIVIDADE" - afastamento do serviço e perda do vencimento - são essenciais à natureza lesiva e retributiva que ela encerra, são inerentes a ela; 4. a ausência de prejuízos irreversíveis e de difícil reparação merecedores da tutela do direito impõe o INDEFERIMENTO da providência requerida; 5. o acto suspendendo NÃO É NULO, nem padece de qualquer VÍCIO QUE POSSA DETERMINAR A SUA ANULAÇÃO; 6. o decretamento da providência requerida CAUSA PREJUÍZO NO INTERESSE PÚBLICO, reconhecido pela própria lei - artigo 50º, n.º 2, "a contrario" do CPTA - que o CSMP prossegue com o exercício da acção disciplinar materializado na aplicação de penas, cujos efeitos retributivos e preventivos reclamam estabilidade, rigor e firmeza, alcançáveis com uma pronta, pública e exemplar execução das sanções.
Sem vistos, vêm os autos à conferência para decisão 2 – São os seguintes os factos relevantes para a apreciação da providência cautelar:
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O Requerente é Procurador da República, exercendo funções no …, desde 24-4-2009; b) Entre 3-10-2000 e 24-4-2009, o Requerente exerceu funções no Círculo Judicial de … e no …, tendo-lhe sido atribuídas classificações de serviço de BOM COM DISTINÇÃO e MUITO BOM; c) Em 21-6-2006, o Requerente participou à Polícia Judiciária que detectara o desaparecimento do disco rígido do seu computador, bem como de diversos processos de inquérito que se encontravam no seu gabinete de trabalho nas Instalações do referido …; d) A Polícia Judiciária, arquivou o processo de inquérito instaurado para averiguar os factos referidos na alínea anterior, sem que tivessem sido recuperados o disco rígido e os processos de inquérito em causa; e) Nessa sequência, por despacho de 5-7-2006, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, Directora do … ordenou ao Requerente que procedesse à reforma dos processos desaparecidos; f) Por provimento n.º 1/2009, de 29-1-2009 da Senhora Procuradora-Geral Adjunta, Directora do …, e por determinação do Senhor Procurador-Geral Distrital do …, os processos na titularidade do Requerente transitaram na sua maior parte para outros Magistrados do Ministério Público; g) Por ofício datado de 16-2-2009, o Senhor Procurador-Geral Distrital do … deu conhecimento ao Senhor Vice-Procurador-Geral da República da existência de processos a cargo do Requerente em risco de prescrição, propondo a realização de inspecção extraordinária; h) Em 17-2-2009, o Senhor Vice-Procurador-Geral da República determinou a realização de inquérito com vista à averiguação da existência de irregularidades na prestação funcional do Requerente; i) Em 25-5-2009, por despacho do Senhor Vice-Procurador-Geral da República, o processo de inquérito foi convertido em processo disciplinar; j) No Relatório Final desse processo disciplinar, o Senhor Instrutor propôs que fosse aplicada ao Requerente a pena de transferência, por ter concluído que havia incorrido na prática de violação continuada do dever profissional de zelo, por – não ter prestado informação e ter incumprido a obrigação de movimentar e despachar, em tempo útil, o processo n.º …, cujo procedimento criminal estava em risco de prescrição; – não ter procedido às diligências de reforma dos processos desaparecidos do seu gabinete; – não ter despachado os processos dentro dos prazos legalmente previstos, cujos procedimentos criminais se encontravam em risco de prescrição k) A Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, em acórdão de 12-5-2009, entendeu que deveria ser efectuado diferente enquadramento dos factos apurados no processo disciplinar e que deveria ser aplicada a pena de inactividade por um período de dois anos, determinando a devolução dos autos ao Instrutor do processo para a realização de novas diligências, bem como para a apresentação de defesa pelo ora Requerente; l) O Requerente veio a exercer o direito de defesa em 17-6-2009, tendo requerido a junção ao processo disciplinar: dos despachos finais proferidos nos 38 inquéritos por cuja prescrição do procedimento havia sido responsabilizado; das comunicações efectuadas pelo … à Procuradoria-Geral da República relativamente à sua pendência, pelo menos desde Setembro de 2007; dos ofícios (desde 28.11.2005 a 25.05.2006) através dos quais lhe foi solicitada informação sobre o andamento do processo n.º …; e do ofício através do qual lhe foi concedido o prazo de 30 dias para a reforma dos processos.
m) Em 7-7-2009, o Requerente foi notificado da junção ao processo dos elementos probatórios referidos na alínea anterior; n) Em 11-8-2009, o Requerente requereu a emissão de certidão dos elementos probatórios referidos; o) A certidão foi recebida pelo Requerente em 11-9-2009; p) Por acórdão de 11-9-2009, a Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público aplicou ao Requerente a pena disciplinar de inactividade graduada em 18 meses; q) Em 29-9-2009, o Requerente reclamou do acórdão referido na alínea anterior para o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, nos termos que constam da cópia da reclamação a fls. 328-356, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, requereu a realização de diligências de prova testemunhal, invocando o art. 61.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Função Pública e justificando tal requerimento, «tendo em conta o que agora se alega no Acórdão de 11.09.2009, designadamente quanto ao conhecimento hierárquico das estatísticas»; r) Em 20-10-2009, o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público proferiu o acórdão cuja cópia consta de fls. 357-375, cujo teor se dá como reproduzido, em que desatendeu a reclamação e manteve o acórdão da Secção Disciplinar de 11-9-2009; s) Em 11-12-2009, o Requerente foi notificado nos seguintes termos (fls. 128): Por ordem do Senhor Procurador-Geral Distrital fica V. Ex.ª notificado do acórdão de 20 de Outubro de 2009 do Conselho Superior do Ministério Público, que a partir desta data se deve considerar na situação de inactividade, por 18 (dezoito) meses).
t) Em 14-12-2009, deu entrada neste Supremo Tribunal Administrativo o requerimento de providência cautelar que deu origem ao presente processo; u) Na sequência da recepção do duplicado do requerimento referido em e), o Senhor Procurador-Geral da República, no uso da competência delegada pela deliberação do Conselho Superior do Ministério Público n.º 246/2007, cujo extracto foi publicado no Diário da República, II Série, de 15-2-2007, página 4149, proferiu «resolução fundamentada», nos seguintes termos:RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA O Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) tomou conhecimento do pedido de suspensão de eficácia da deliberação do seu Plenário de 20 de Outubro de 2009 que confirmou a decisão da respectiva Secção Disciplinar de 11 de Setembro de 2009, a que aplicou ao Lic. A… a pena disciplinar de “INACTIVIDADE” PELO PERÍODO DE 18 (DEZOITO) MESES, acrescida das sanções acessórias que dela obrigatoriamente decorrem, nos termos do artigo 175°, n°s 1 e 3, aplicável “ex vi” artigo 176°, n° 1, ambos do Estatuto do Ministério Público (EMP), aprovado pela Lei n.º 47/86 de 15 de Outubro, na redacção Introduzida pela Lei nº 60/89 da 27 de Agosto.
Além disso, o Senhor Magistrado Requerente deduziu pedido de suspensão de eficácia «... da ordem do Sr. Procurador Geral Distrital, notificada ao Requerente em 11 de Dezembro de 2009, que fixa o termo inicial da execução da pena disciplinar aplicada ao Requerente para o dia 14 de Dezembro de 2009” — sic. Fls. 53 do requerimento em causa.
Entende o CSMP que esta ordem constitui um acto de execução, sem lesividade autónoma e, por isso, contenciosamente inimpugnável. Consequentemente, também não poderá ser objecto de providência cautelar.
No entanto, os efeitos a produzir pela presente RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA, que o CSMP apresenta ao abrigo da norma do artigo 128°, n.º 1 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) relativamente ao acto punitivo — bem como a decisão a proferir no âmbito da providência cautelar pendente — abrangem necessariamente os do(s) acto(s) que o executam.
Assim, o CSMP apresentaRESOLUÇÃO FUNDAMENTADAà qual se reporta o artigo 128° n.º 1 do CPTA, o que faz nos termos seguintes: Independentemente das razões de ilegalidade que o Lic. A… aponta à deliberação punitiva, que se contestarão em sede própria, a interposição da providência cautelar de suspensão de eficácia de tal deliberação implica para o CSMP a proibição de Iniciar ou prosseguir a respectiva execução, salvo se reconhecer que o diferimento do seu cumprimento é gravemente prejudicial...
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