Acórdão nº 0763/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: B… e mulher C…, residentes no lugar de Talhos, freguesia de Carreira, Barcelos, na qualidade de representantes legais da sua filha menor D…, intentaram acção comum com processo ordinário contra o Hospital de E…, pedindo a condenação deste a pagar à esta a quantia de 25 317€53, acrescida de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como nas custas e legais acréscimos, relegando-se para execução de sentença a liquidação dos danos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes de intervenções cirúrgicas e/ou outras a que a menor seja submetida para correcção ou para minorar os danos relativos às cicatrizes de que ainda padece.

Para tanto alegam que “os clínicos do réu na assistência e cuidados médicos que prestaram à menor D… actuaram de forma grosseiramente negligente e culposa” resultando, em consequência de tal comportamento, para aquela menor sequelas graves irreversíveis.

Contestou o Hospital E… por excepção (alegando a prescrição de qualquer direito indemnizatório) e por impugnação, terminando por pedir a absolvição do pedido.

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 26/2/2009 foi a acção julgada parcialmente procedente e condenado “o R. Hospital de E… a pagar à A. D… a quantia de € 20.317,53, acrescida de juros à taxa legal de 7% desde 15-03-2002 até 30-04-2003 e desde esta data à taxa legal de 4% até integral pagamento, condenando-se ainda o R. a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de outras intervenções cirúrgicas e/ou outras a que a mesma seja submetida para correcção ou minorar os danos relativos às cicatrizes de que ainda padece, absolvendo-o do demais peticionado”.

Por não se conformar com esta decisão da mesma interpôs o presente recurso jurisdicional o ora recorrente Hospital de E…, formulando nas alegações as seguintes conclusões: “1ª- A acção deverá ser julgada totalmente improcedente; 2ª- Estamos perante um caso de eventual responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Hospital recorrente.

  1. - A responsabilidade civil contratual das pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública é regulada e disciplinada pelo DL n.° 48.051 de 21.11.1967, sendo o seu princípio geral o enunciado no seu artigo 2°.

  2. - Acresce que o artigo 483° do Código Civil, assim como aquele e ainda o artigo 6° do DL 48.051 estabelecem os requisitos para que se verifique a obrigação de indemnizar, o que não é o caso dos autos.

  3. - Não sendo ainda de esquecer que o artigo 563° do Código Civil preceitua que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

  4. - O Hospital de E…, na data dos factos, como ainda hoje, é um Hospital inserido no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e com valências e competências definidas.

  5. - Ao contrário dos chamados Hospitais Centrais, pertencendo a uma categoria intermédia, só tem algumas valências e designadamente carecia de Serviço de Cuidados Intensivos, tendo na data como Hospital de referência o Hospital de …, para onde eram transferidos os doentes em situações especiais ou por ausência de meios ou recursos humanos ou materiais.

  6. - Ora, a medicina é uma actividade complexa e a obrigação que impende sobre o médico é uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado.

  7. - No caso em concreto e atentas as regras do ónus da prova (artigos 341° e 342° do Código Civil), cabia à Autora alegar e provar que, perante as circunstâncias concretas do caso, o Hospital e os seus médicos e auxiliares podiam e deviam ter actuado de modo diferente.

  8. - Na verdade, cabia à autora alegar e provar que, perante o nível de apetrechamento humano e material do Hospital o diagnóstico e os tratamentos não foram correctos e adequados.

  9. - É que, não sendo a medicina uma ciência exacta e apresentando-se o diagnóstico como uma simples hipótese, só uma ignorância indesculpável ou o esquecimento das mais elementares regras profissionais, que se revelassem de modo evidente, poderiam determinar a responsabilização do médico por erro de diagnóstico.

  10. - Finalmente, o facto que actua como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias anormais ou extraordinárias (Ac. STA de 17.06.1997, Proc. 38.856; Ac. Rel. Lisboa 04.07.1973, BMJ 229 - 231 e 232).

  11. - Como decorre da ficha clínica da urgência do dia 15 de Março de 1999, foram realizados à D… todos os exames que o seu quadro clínico aconselhava, num desempenho de boa prática da medicina - doc. n° 1 junto com a contestação.

  12. - Na verdade, resulta que a D… estava sem febre (36,2°), deu resultado negativo na palpação abdominal e não tinha dores, sendo certo ainda que lhe foram efectuados outros exames e observações apropriadas à sintomatologia que apresentava, pelo que, atentos os registos da sua ficha clínica do dia 15.03.1999, nenhum médico poderia concluir por um diagnóstico seguro de apendicite aguda.

  13. - Ora, a D… só voltou a este Hospital, passadas quase 48 horas (2 dias), o que revela alguma negligência dos seus pais, pois era menor, no acompanhamento da evolução do seu quadro clínico ou que este só se precipitou mesmo antes da segunda ida ao Hospital.

  14. - O processo infeccioso a que vulgarmente se chama a apendicite aguda é um processo infeccioso do apêndice que se desenvolve inicialmente sem grande sintomatologia, variando de doente para doente, em face das características de cada um e a capacidade de resistência imunológica.

  15. - Quando a D… se apresentou de novo no dia 17 de Março o seu quadro clínico era diferente daquele que se verificava no dia 15, pois já revelava febre (38,4º) dores abdominais e os exames efectuados revelavam, com precisão, a necessidade de efectuar a apendicectomia, que veio a ser realizada na tarde do mesmo dia 17 de Março.

  16. - Como decorre do respectivo relatório da cirurgia a intervenção decorreu com normalidade, foi-lhe realizada a apendicectomia, com lavagem peritoneal e drenagem abdominal, sendo-lhe administrados antibióticos desde logo, sendo certo que a transferência para o Hospital de …, no final do dia, se deveu unicamente ao facto de haver suspeita de choque séptico e este Hospital não dispor de Cuidados Intensivos.

  17. - Ora, está provado que o acto cirúrgico realizado no Hospital de E… foi bem realizado de acordo com as técnicas da medicina, pois, de outro modo no Hospital de … não teria havido uma espera de quase 48 horas para a segunda intervenção cirúrgica.

  18. - Sendo certo que a incisão / cicatriz que resulta da intervenção efectuada no Hospital de E… é somente a mais pequena, diagonal e a inferior, mais pequena, esta para colocação de dreno conforme técnica aconselhada.

  19. - Assim, as demais cicatrizes, as maiores, aliás reveladas na fotografia junta com a p.i., foram efectuadas na intervenção realizada no Hospital de …, sendo certo que, é da boa prática cirúrgica que a incisão da segunda intervenção possa ser feita no local da primeira.

  20. - Por outro lado, o dreno colocado na intervenção efectuada neste Hospital E… foi de forma correcta e no local adequado, pois o número de drenos não depende da vontade do doente ou do cirurgião mas de cada caso concreto.

  21. - Acresce que a Autora revela cicatriz queloide, que não é da responsabilidade deste Hospital E…, antes resulta, como se sabe, da capacidade de reacção de cada doente no processo de cicatrização, nada tendo a ver com a técnica operatória.

  22. - Acresce que a intervenção cirúrgica efectuada no Hospital E… foi efectuada para salvar a vida da Autora, pois é sabido que, caso não seja efectuada a apendicectomia, o doente caminha para um quadro clínico de infecção abdominal generalizada, que lhe causará necessariamente a morte, pois que as suas defesas imunológicas serão insuficientes para debelar o seu estado clínico agudo.

  23. - Assim, o tratamento prestado à Autora foi o adequado e conforme com a boa prática médica, aliás como decorre dos dados clínicos da doente. 26ª - Acresce que a apendicite aguda é sempre de difícil diagnóstico, com taxas de mortalidade até 5%, e de quase 30% a 40% de morbilidade, como resulta dos dados disponibilizados na época pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

  24. - Por outro lado, não se revela qualquer acto médico indevido, negligente ou com má execução técnica, pelo que a matéria alegada e levada aos quesitos 8°, 100 e 13° carecem de factos e contêm antes conclusões que só se podem extrair de factos cujo ónus de alegação e prova competia à Autora (artigos 341° e 342° C. Civil).

  25. - Acresce que não está alegado nem provado que a autora apresentasse um quadro clínico compatível com um processo inflamatório de apendicite...

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