Acórdão nº 01088/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) I. “A…”, identificada a fls. 2 dos autos, intentou no TAC do Porto, contra o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), cujas competências pertencem actualmente à “EP – ESTRADAS DE PORTUGAL – EPE”, acção declarativa de condenação para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, para ressarcimento dos prejuízos causados na sua actividade de transporte colectivo de passageiros, a que se dedica com intuito lucrativo, em consequência de uma decisão da Ré que impede os seus veículos pesados de passageiros de circularem na Ponte de Fão, pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe as quantias discriminadas na petição inicial.

Por sentença daquele Tribunal de 25.07.2008 (fls. 284 e segs.), foi a acção julgada improcedente por não provada.

É desta decisão que vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cuja alegação a recorrente formula as seguintes conclusões: 1- A presente acção insere-se na responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos lícitos (artigo 9º do DL 48051 de 27.11.67).

2- O Meritíssimo Juiz a quo entendeu, e bem, que se verificava, no caso em apreço, a prática por órgão ou agente da administração de acto que formal e substancialmente se confina nos limites do poder que legalmente dispõe, a produção de danos e o nexo causal entre a conduta e os danos.

3- Porém, entendeu, por sua vez, não se verificar que os danos adviessem de prejuízos especiais e anormais e que tais encargos ou prejuízos fossem impostos a um ou alguns dos particulares, na prossecução do interesse geral.

4- No caso em apreço, temos por assente que desde o dia 3 de Abril de 2001 que os veículos pesados de passageiros da recorrente que efectuam as referidas carreiras estão proibidos de fazer a travessia da ponte de Fão, pela EN 13 (al. I) da matéria assente), que as obras tiveram início em 1 de Março de 2006 (resposta ao item 23º da base instrutória - aditamento), que o prazo previsto para a realização das obras era de oito meses (resposta ao item 24º da base instrutória - aditamento).

5- Da análise atenta a toda a matéria dada como assente resulta que a recorrente não pode utilizar aquela ponte durante sessenta e sete meses.

6- O conceito de "anormal" deve ser entendido como aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos.

7- Entendemos que competia ao Estado tomar todas as diligências necessárias para que os transtornos, incomodidades e prejuízos que decorrem de qualquer intervenção numa infra-estrutura viária fossem razoáveis, não podendo, em nossa modesta opinião, "ultrapassar os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração." Ac. Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2002.

8- A inactividade por parte da recorrida durante cinquenta e nove meses, que fez com que a dita intervenção na ponte de Fão durasse 67 meses, ou seja, cerca de seis anos, em vez dos oito meses necessários à mesma, deve ser de facto considerado originador de prejuízos anormais.

9- Houve, em nossa modesta opinião, uma omissão por parte da recorrida do dever de diligência, no sentido de que podia e devia ter agido de outro modo para conseguir que as obras em questão fossem iniciadas e concluídas no próprio ano de 2001 e nunca no ano de 2006, omissão essa que dá lugar à obrigação de reparar os danos, quando independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido" (artigo 486º do Código Civil), o que ocorre no caso "sub judicio".

10- A recorrida não agiu como um "bom pai de família" já que se assim fosse nunca teria permitido que as obras a realizar se prolongassem por cerca de seis anos com todos os transtornos, incomodidades e prejuízos que pudessem daí advir para a recorrente.

11- Da matéria dada como assente, não resulta a prova de qualquer razão ou justificação para o atraso de cinquenta e nove meses para o início das obras.

12- No caso da Ponte Hintz Ribeiro, que o Meritíssimo Juiz a quo cita expressamente na sua douta sentença para sustentar o seu douto entendimento, cujo tabuleiro acabou por cair parcialmente devido ao desabamento de um dos seus pilares no dia 4 de Março de 2001, as obras de construção da nova ponte acabaram cerca de um ano após a sua queda, tendo a sua inauguração sido realizada em Maio de 2002, como é do conhecimento geral e pode ser consultado através da Internet.

13- Também na Ponte de Viana do Castelo (Ponte Eiffel) sobre o Rio Lima as obras foram iniciadas no dia previsto e concluídas na data programada (cerca de sete meses).

14- E essa Ponte apenas esteve encerrada pelo período durante o qual decorreram as obras.

15- As obras na Ponte de Viana revestiam-se de maior complexidade quer quando ao seu estudo e elaboração de projectos de arquitectura e engenharia, quer no tocante à sua execução propriamente dita por se tratar de reabilitação mas também de ampliação do seu tabuleiro superior e por estarmos perante uma Ponte com dois tabuleiros, um para circulação de veículos e pessoas e outro para circulação de comboios, cuja extensão será mais do dobro da Ponte de Fão.

16- Por sua vez, no caso da ponte de Entre os Rios a intervenção do Estado consistia na construção de uma nova ponte, de grandes dimensões (nada que se compare com a Ponte de Fão) com todas as etapas necessárias e demoradas para que tal aconteça.

17- Não podemos deixar de sublinhar que foi no caso que revestia de maior complexidade, e em consequência de maior demora, (a Ponte Entre os Rios) que o Estado conseguiu dar por concluído a obra de construção em treze meses após a sua queda.

18- Importa ainda referir que no caso da Ponte de Entre os Rios, e apesar do prazo relativamente curto para a construção da nova ponte, o ICCER celebrou com uma empresa de transporte público de passageiros que fazia a travessia da ponte caída um acordo de compensação financeira, como forma de minorar os prejuízos sofridos na sequência do colapso da mesma.

19- O mesmo sucedeu no caso do encerramento da Ponte de Viana do Castelo, onde a recorrida também assumiu a responsabilidade pelo pagamento dos sobrecustos (prejuízos), às empresas de transportes de passageiros que se serviam da Ponte encerrada.

20- Os sacrifícios suportados no caso em concreto pela recorrente não podem ser qualificados de pequenos sacrifícios, simples encargos sociais compensados por vantagens de outra ordem proporcionadas pela actuação da máquina estatal, como o afirma o Meritíssimo Juiz a quo.

21- Os prejuízos que a recorrente sofreu, pela sua gravidade, pela sua importância, pelo seu peso, ultrapassaram, em nossa modesta opinião, o carácter de um ónus natural decorrente da vida em sociedade, mesmo no âmbito de um Estado intervencionista como é o Estado moderno.

22- Deste modo, atenta a matéria de facto dada como provada e as considerações supra tecidas, entendemos que o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter dado como provada a existência de que os danos em causa advieram de prejuízos anormais.

23- A proibição de circulação na Ponte de Fão foi imposta em 3 de Abril de 2001, aos veículos pesados.

24- Logo foi um grupo restrito de pessoas (os detentores de veículos pesados) a ser afectado.

25- Mas mesmo que assim não seja entendido, ou seja, mesmo que se entenda que o grupo de detentores de veículos pesados não enquadra o conceito de "grupo restrito de pessoas", a verdade é que dentro do universo de utilizadores daquela "Ponte de Fão" a recorrente foi específica e especialmente afectada quando comparada com os demais.

26- Com efeito, a recorrente é uma empresa que se dedica ao transporte público colectivo de passageiros, através de concessões para as linhas (percursos) dados como assentes na douta sentença posta em crise.

27- Tais concessões são dadas, pela antiga Direcção-Geral de Transportes Terrestres (hoje IMTT – Instituto para a Mobilidade e Transportes Terrestres), por determinados períodos – por vários anos – no final dos quais poderão ou não ser renovadas.

28- Tais concessões, por se tratar de um serviço público de apoio às populações, impõem não só que os trajectos (os percursos, as linhas) aí definidos sejam cumpridos, como os horários e preços – cfr. art. 91º do Regulamento de Transportes em Automóveis aprovado pelo Decreto n° 37272/48, de 31 de Dezembro.

29- Não sendo realizados tais transportes (carreiras) naqueles percursos e pelos preços pré-definidos, são retiradas as concessões (licenças) aos concessionários.

30- Assim, a recorrente não só não podia deixar de efectuar aqueles percursos entre as diversas localidades dadas como assentes na douta sentença como não podia alterar os preços dos transportes, isto apesar de passar a ter sobrecustos com o encerramento da ponte.

31- Como, p. ex., não podia alterar o preço dos bilhetes no caso da subida dos combustíveis.

32- Ora, o mesmo não sucede com os restantes veículos pesados quer de passageiros quer de mercadorias não sujeitos a esses condicionalismos.

33- De facto, os transportadores destes últimos veículos (pesados de mercadorias ou passageiros) não sujeitos aos condicionalismos das concessões poderão fazer repercutir no preço quer dos bilhetes quer do transporte das mercadorias transportadas o acréscimo dos custos resultantes do percurso ser maior.

34- "A especialidade decorre da incidência desigual do prejuízo sobre um cidadão ou grupo de cidadãos, ou seja, por outras palavras: para que um prejuízo se possa ter por especial é necessário que se prove que um cidadão ou grupo de cidadãos tenham sido, através de um encargo público, colocado em situação desigual em relação à generalidade das pessoas. Assim, o sacrifício será especial na medida em que viola o princípio da igualdade, a que a Administração Pública está vinculada na sua actuação (cfr. art. 266º, n° 2 da CRP) Douta Sentença do TAF de Penafiel, de 8.5.08 - Proc. n°...

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