Acórdão nº 0837/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A…, com os sinais dos autos, veio interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido a fls. 180 e segs., que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo recorrente da sentença do Mmo juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, por sua vez, julgara improcedente a presente acção administrativa comum que o recorrente instaurara contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, pedindo a sua condenação «…a requerer a submissão do autor a junta médica da Caixa Geral de Aposentações, para apreciação da incapacidade de que aquele ficou a padecer em virtude do acidente em serviço de que foi vítima, ou se assim não se entender, a condenação do réu a requerer a submissão do autor a junta médica para avaliar a recidiva e estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente em serviço e aquela recidiva e, sendo reconhecido qualquer dos direitos alternativos ao autor, deve a ré ser condenada a cumprir o mesmo em prazo não superior a 30 dias, sob pena de condenação em sanção pecuniária compulsória, sendo o seu montante, por cada dia de atraso, correspondente a 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor.» Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1- Aquando do acidente o sinistrado foi declarado curado sem desvalorização, mas o seu estado veio a agravar-se; para a verificação deste novo estado, não pode socorrer-se do incidente da revisão, mas da acção de incapacidade – cf. Carlos Alegre “ Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª Edição, pág. 130 – uma vez que não chegou a ser submetido a Junta Médica que estabelecesse o grau de IPP.

2- Neste contexto, não tem qualquer aplicação o artº24º do DL 503/99, pois o sinistrado não foi presente a qualquer Junta Médica aquando da alta.

3- O recorrente, aquando da alta clínica apenas sabia que foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo, não sendo expectável que soubesse se das sequelas decorrentes do acidente em serviço e respectiva intervenção cirúrgica havia ou não resultado uma incapacidade permanente, já que tal conhecimento é do foro científico, portanto da exclusiva competência médica.

4- Pelo que foi violado o artº20º nº6 do DL 503/99. SEM PRESCINDIR, 5- Se se entender que não se trata da fixação de incapacidade, terá então de tratar-se de uma recidiva.

6- O artº24º do DL 503/99 e o artº 25º, nº2 da Lei 100/99 que prevêem um prazo de 10 anos não têm subjacente qualquer fundamento racional e contrariam em absoluto o disposto no artº 59º, nº1, al.f) da Constituição da República Portuguesa.

7- Não é constitucionalmente aceitável, que o direito infraconstitucional venha fragilizar a posição jurídica do sinistrado em acidente de trabalho, inviabilizando a obtenção do ressarcimento justo e adequado por danos futuros que – causalmente ligados ao sinistro – sejam supervenientes em relação à data fixada na norma legal.

8- Com este fundamento, o TC pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade, por violação do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artº59º, nº1 alínea f) da CRP, a norma do nº2 da Base XXII da Lei 2127 de 31 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão para a revisão da pensão…com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas – Acórdãos do Tribunal Constitucional nº147/2006, proc.402/05 e 59/2007, proc. 728/06.

9- Apesar da situação destes autos não ser coincidente com os casos apreciados e decidido pelo Tribunal Constitucional, o certo é que os argumentos invocados se devem estender a outras situações ou casos, designadamente à situação tratada nos presentes autos – Ac. RP de 19.11.2007, proc. nº 0714810, in www.dgsi.pt.

10- Não obstante aqueles acórdãos do TC versarem sobre situações em que tenha havido revisão da pensão nos últimos 10 anos, o acórdão da RP, lançando mão dos mesmos argumentos, declarou inconstitucional o prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da mesma com agravamento superveniente das lesões sofridas.

11- Mutadis mutandis, serve o mesmo argumento para o artº24º do referido DL 503/99, que fixa um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados da alta clínica, com fundamento em agravamento superveniente da lesão sofrida.

12- Ora, se por um lado se considerar que o caso dos presentes autos é de fixação de incapacidade, não pode lançar-se mão do artº24º do DL 503/99.

13- Se, por outro lado, se considerar, que se trata de recidiva, é indiferente o grau de incapacidade fixado, ainda que de zero por cento, uma vez que a incapacidade zero por cento é susceptível de modificação como qualquer grau outro grau.

14- Por ser perfeitamente possível em termos clínicos configurar situações de agravamento ou melhoria das lesões após o decurso do referido prazo de 10 amos, e ao não se admitir, nesses casos, a revisão, coarcta-se e diminui-se de forma grave e significativa a possibilidade de adequar o estado clínico do respectivo titular ao direito que lhe assiste, violando-se um direito constitucionalmente consagrado.

15- A norma constante do nº1 do artº24º do DL 503/99 é, pois, inconstitucional, e como tal deve ser recusada a sua aplicação.

PEDIDO DE DECISÃO PREJUDICIAL AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 16- Em matéria de Direitos Sociais e Fundamentais dos Trabalhadores as legislações dos diversos países pertencentes à União Europeia diferem entre si, nomeadamente na questão do prazo preclusivo dos dez anos previsto no artº24º do DL 503/99 de 20 de Novembro, que, por ex. em Espanha, não existe – artº143º do Real Decreto Legislativo 1/94 de 20.06.

17- A Carta dos Direitos Fundamentais consagra o princípio do nível de protecção mais elevado ( artº53º) nos termos do qual será aplicável o regime jurídico que ofereça uma tutela mais intensa ao direito fundamental em causa.

18- O Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, pugna pela aproximação das legislações nacionais de cada Estado Membro e em especial em matéria de Direitos Sociais e Fundamentais dos Trabalhadores proclamados na Carta Comunitária de 1989.

19- Toda a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem sido no sentido do respeito pelos princípios da Equivalência e da Efectividade.

Assim, nos termos do artº234º CE, requer-se seja feito pedido de decisão prejudicial com o seguinte objecto: “É compatível com os Princípios do Direito Comunitário uma legislação nacional que prevê um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da alta, para a reapreciação do estado clínico com fundamento em recidiva, agravamento e recaída superveniente?” TERMOS EM QUE DEVE: - Ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que confira o direito ao recorrente de ser submetido a junta médica da caixa geral de aposentações para fixação da incapacidade reportada à data do acidente de trabalho de que foi vítima; - Se assim se não entender, deve ser reconhecido o direito ao recorrente a ser submetido a junta médica da caixa geral de aposentações para estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente e a recidiva já verificada clinicamente por médico competente, uma vez que o prazo de 10 anos estabelecido no artº24º da Lei em apreço, é violador de um direito consagrado constitucionalmente.

- Ser deferido o pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

*Contra-alegou o recorrido, CONCLUINDO assim: 1º. O recurso de revista previsto no artº150º do CPTA, é excepcional e uma vez que o Acórdão recorrido não violou lei substantiva ou processual e a questão controvertida não contende com interesses especialmente importantes, susceptíveis de justificar a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, nem a resposta à questão se apresenta particularmente complexa, nem o douto acórdão recorrido padece de erro grosseiro, pois decidiu no mesmo sentido da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, não estão reunidos os pressupostos para a sua admissão, devendo o mesmo ser rejeitado.

  1. A norma constante do artº24º, nº1 do Decreto Lei nº503/99, de 20 de Novembro, ao limitar ao prazo de dez anos, contados da alta, a possibilidade de o trabalhador requerer a submissão à junta médica considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, não padece de inconstitucionalidade assacada ao recorrente.

  2. Por isso, tendo o acidente de que o recorrente foi vítima ocorrido há mais de dez anos, aquela norma impede a recorrida de requerer a submissão do mesmo à junta médica da Caixa Geral de Aposentações, para apreciação da incapacidade de que ficou a padecer.

  3. E impede também a recorrida de determinar a submissão do recorrente à junta médica para estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente em serviço e o eventual agravamento da lesão então sofrida.

  4. No âmbito do artigo 34º do Tratado CE, o Tribunal de Justiça carece de competência para a questão suscitada pelo recorrente, pelo que não existe obrigatoriedade de reenvio para decisão prejudicial o requerido pelo recorrente.

    *Por acórdão deste STA, proferido a fls.244 e seg., foi a revista liminarmente admitida, nos termos do artº 150º, nº5 do CPTA, porquanto «(…) A circunstância de o efeito retirado da norma aplicada pelo Acórdão do TCA ser idêntico ao que foi já considerado inconstitucional em norma legal anterior, em apreciação do Tribunal Constitucional e sobretudo a possibilidade de novas aplicações da mesma norma; atenta a conveniência para a paz social e a certeza e previsibilidade do direito de se estabelecer um parâmetro de interpretação uniforme - sendo que as normas inconstitucionais devem ser desaplicadas por qualquer tribunal - é curial fazer intervir nesta situação o STA para a reapreciação de constitucionalidade ainda...

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