Acórdão nº 0686/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | JORGE LINO |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
1.1 “A…, Ldª” vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que, nestes autos de incidente de anulação de venda executiva, decidiu «julgar a presente acção improcedente».
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
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O Meritíssimo Juiz do tribunal a quo julgou improcedente a acção de anulação da venda realizada no processo de Execução Fiscal n.° 0353200401058576 e apensos que corre seus termos no Serviço de Finanças de Barcelos por considerar que “em nada foi a mesma (a recorrente) prejudicada ou lesada com o adiamento da venda, uma vez que não lhe precludiu o uso de qualquer poder ou faculdade que a mesma tivesse menção de se prevalece” e que “a omissão praticada pelo órgão da Administração Fiscal não teve qualquer relevo para o «exame ou decisão da causa»” e daí que não se verificando os pressupostos do artigo 201°, n° 1 do CPC e, consequentemente, do artigo 909.º, n.° 1, c) do mesmo código, inexiste qualquer fundamento legal para anular a venda.
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É pacífico, e a sentença recorrida confirma tacitamente esse entendimento, que o artigo 886°-A, n.° 4, do CPC, que determina a notificação do despacho que ordena a venda de um bem penhorado, ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, é de aplicação subsidiária à execução fiscal (como aliás a Jurisprudência tem consagrado no, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30/04/2008, Processo 0117/08, e no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008, Processo 0222/08, e ainda no recentíssimo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/04/2009, Processo 0805/08 (todos publicados in www.dgsi.pt).
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Efectivamente o art. 886°-A, n° 4, do CPC é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal, na parte em que impõe a notificação aos credores com garantia real do despacho que determina a modalidade de venda, fixa o valor base dos bens a vender (e eventual formação de lotes) bem como designa dia para a abertura de propostas em carta fechada no caso de ser esta a modalidade de venda adoptada.
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A Recorrente foi citada em 29 de Outubro de 2007, na qualidade de credora com garantia real, nos termos e para os efeitos previstos no art. 239.º do CPPT, em virtude de penhora efectuada pelo órgão de execução fiscal dos imóveis sobre os quais a Recorrente tinha registo de hipoteca a seu favor e na mesma citação, o órgão da Execução fiscal deu cumprimento ao estabelecido no n.° 4 do art. 886°-A do C.P.C., e, notificou a Recorrente da modalidade da venda fixada, do valor base dos vens a vender e ainda de que se encontrava designado para dia 18 de Dezembro de 2007 pelas 10 horas, a data para a abertura das propostas em carta fechada relativas à venda dos prédios penhorados.
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A Recorrente reclamou o seu crédito na execução fiscal e viu o ser crédito ser graduado em primeiro lugar, inclusive à frente aos créditos exequendos da Administração Fiscal.
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Por despacho de 12/03/2008, o órgão de execução fiscal revogou, por motivos alheios à Recorrente, o acto da designação da venda para 18/12/2007 e, subsequentemente em 16/04/2008, proferiu o mesmo órgão de execução fiscal novo despacho determinando a modalidade da venda, o valor base dos bens a vender e designando para o dia 15/05/2008, pelas 10 horas, a data para a abertura das propostas em carta fechada relativas à venda dos prédios penhorados.
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Este novo despacho não foi notificado à Recorrente na qualidade de credora reclamante com garantia real, nos termos subsidiariamente aplicáveis do art. 886°-A, n° 4, do CPC.
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Na nova data designada para abertura de propostas em carta fechada, a qual a recorrente só tomou conhecimento em 17 de Junho de 2008, apresentou-se pelo menos um proponente ao qual foram os bens adjudicados por um preço consideravelmente inferior ao do mercado.
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Não se tratou de um aditamento da venda, mas sim da repetição da tramitação dos actos de venda dos bens penhorados na sequência de revogação de despacho anterior.
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A notificação a que se refere o n.° 4 do art.° 886°-A do CPC deve incluir a indicação do dia, hora e local da venda e tem de repetir-se caso haja adiamento ou realização de segunda ou terceira praças.
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A omissão de notificação do segundo despacho que voltou a fixar a modalidade da venda, o valor base dos vens a vender e designando para o dia 15/05/2008 a data de abertura de propostas em carta fechada constitui uma nulidade, nos termos aplicáveis do disposto no art. 201.º do CPC, que tem manifesta e necessariamente relevância e influência na decisão do processo, que é a própria execução fiscal.
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Ao não lhe ser dado conhecimento da nova data designada para abertura de propostas, desde logo foi à recorrente coarctado o direito a estar presente nesse acto (como expressamente prevê a aliena a) do art. 253.º do CPPT).
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À Recorrente não foi, pelo mesmo motivo facultada possibilidade de se pronunciar sobre o valor da venda marcada para 15 de Maio de 2008, sendo que, querendo era uma faculdade que lhe assistia e não estava prejudicada pela citação anterior da primeira venda marcada dado que existiu repetição de um acto por revogação do anterior pela Administração Fiscal.
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Ficou vedada qualquer possibilidade para a Recorrente credora hipotecária impugnar ou reclamar da modalidade da venda e do valor do bem a vender, ou mesmo acompanhar a praça, evitar que ocorresse a degradação do preço da venda ou providenciar na defesa dos seus interesses no novo acto de venda.
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A prévia informação de que os bens penhorados iriam ser novamente postos à venda e a prática das formalidades exigidas poderia ter como consequências que a nova venda não fosse praticada, que o bem não fosse vendido à pessoa a quem foi e, sobretudo, pelo preço por que foi.
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Com efeito, vigora na generalidade dos processos judiciais o princípio da obrigatoriedade de notificação às partes de todos os despachos que lhes possam causar prejuízo, o que é corolário da proibição da indefesa que está ínsita no direito à tutela jurisdicional efectiva, reconhecido no art.° 20.º da CRP.
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Essa regra está mesmo expressamente formulada no art° 229.º do CPC (que é aplicável subsidiariamente à execução fiscal) em que se estabelece, além do mais que «devem também ser notificados, sem necessidade de ordem expressa, as sentenças e os despachos que a lei mande notificar e todos os que possam causar prejuízo às partes» e que «cumpre ainda secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação».
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Aliás, é perfeitamente compreensível esta obrigatoriedade à face do princípio da boa fé e da cooperação que deve ser observado nas relações entre todos os intervenientes processuais (art.s. 226.º e 226.º-A do CPC), que impõe, seguramente, que as partes tenham conhecimento de todos os actos que os possam prejudicar, a fim de poderem providenciar para defesa dos seus interesses, em sintonia com a imposição constitucional de notificação dos actos administrativos que se estabelece no n.° 3 do art° 268.º da CRP que, pelas mesmas razões, será aplicável a actos praticados em processos judiciais em que vigora um princípio geral de proibição da indefesa (art.° 20°, n.° 1, da CRP).
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Sendo a Recorrente credora com garantia real sobre os bens vendidos (e como credora graduada em primeiro lugar é a principal interessada) e não lhe tendo sido efectuada a notificação do segundo despacho que ordenou a venda por propostas em carta fechada e a nova data para abertura das propostas, ocorreram nulidades processuais susceptíveis de influenciar a decisão do processo, por o conhecimento da venda lhe permitir, além do mais, acautelar os seus direitos (o de estar presente no acto de abertura ou formular proposta de aquisição por exemplo) e impedir que a venda dos imóveis tivesse o despacho que teve.
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Por isso, a omissão da notificação do despacho à recorrente (ainda que se trate de um segundo despacho proferido na sequência de revogação do primeiro), teve influência no exame e decisão do processo, e não pode deixar de considerar-se uma nulidade processual (art. 201.º, n.° 1, do CPC), que afectou os actos que dela dependem, designadamente os relativos venda.
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A existência de tal nulidade processual é susceptível de afectar o acto da venda, e constitui uma causa de anulação desta, nos termos do referido n.° 1 do art. 201.° e da alínea c) do n.° 1 do art. 909.° do CPC, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 257.° do CPPT.
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Assim, a sentença recorrida violou, com erro de interpretação e de aplicação, todas as citadas disposições legais.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis que V. Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e, consequentemente, seja substituída por outra que julgue procedente o incidente de...
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