Acórdão nº 0484/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

B…, Lda., com sede na Rua …, nº…, Marinha Grande e C…, Lda., com sede na Rua …, nº…, Cacharias, interpuseram no TAF de Leiria processo cautelar contra A…, E.P.E. (doravante A…, EPE), na qualidade de entidade Requerida e Delegação de Pereira da Cruz Vermelha Portuguesa, Associação de Serviço e Socorro Voluntários de São Jorge e D…, Lda., na qualidade de contra-interessadas, pedindo a suspensão de eficácia do despacho de 17/5/2008 do Administrador Executivo do A…, EPE, ratificado por deliberação do Conselho de Administração de 29/5/08, proferido no âmbito do Concurso Público n.º 0001A08 do A…, EPE publicado por anúncio em 27/3/2008 e referente à adjudicação de serviços de transporte de doentes em ambulância, efectuada à primeira contra-interessada e, bem assim, a abstenção do A…, EPE de proceder à formalização contratual da adjudicação desses serviços.

Suscitada pela entidade requerida a excepção de incompetência do Tribunal, o TAF de Leiria, por sentença de 15/9/2008, declarou-se materialmente incompetente para conhecer da providência e absolveu a entidade requerida da instância. A fundamentar esta decisão, está o entendimento segundo o qual, por se tratar de uma EPE, o A… se regeria por normas de direito privado, não estando por isso o acto de adjudicação sujeito às regras do DL n.º 197/99 de 8 de Junho, nos termos do disposto no art. 2º alínea b) desse mesmo diploma.

Inconformada a B…, Lda. e C…, Lda. interpôs recurso jurisdicional para o TCA Sul que, por Acórdão de 5/3/2009, revogou a sentença de 1ª Instância e considerou o TAF de Leiria materialmente competente para conhecer dos pedidos formulados nos autos.

A Delegação de Pereira da Cruz Vermelha Portuguesa e o A…, EPE, pediram a admissão de revista daquele Acórdão, nos termos do artigo 150º n.º 1 do CPTA, a qual foi admitida por acórdão de 13/5/2009 (fls. 603 a 610).

Nas suas alegações formulou a recorrente Cruz Vermelha Portuguesa – Delegação de Pereira as seguintes conclusões: Sobre a incompetência do Tribunal em razão da matéria: 1 ª - Não se conforma a contra-interessada/Recorrente com o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo que concluiu pela revogação e substituição da decisão proferida, em 15 de Setembro de 2008, por outra que considere o TAF de Leiria competente em razão da matéria, para conhecer da acção.

  1. - Segundo o tribunal a quo está aqui em causa o conhecimento dos pedidos cautelares de intimação no A… E.P.E e a suspensão de eficácia do acto de adjudicação proferido pelo seu Conselho de Administração, que impeçam o fornecimento de transportes de doentes pelas contra-interessadas.

  2. - Por conseguinte, o Tribunal a quo considerou que tendo estes interesses uma natureza pública e sendo aplicável a legislação comunitária, a Directiva n.° 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31/03/2004, é competente o Tribunal da jurisdição administrativa; 4ª - Mais, de acordo com o Acórdão de 12/01/2009, “ a norma do n. °3 do art. 100.° do CPTA, interpretada em conjugação com a do art. 4.°, n.°1, alínea e) do novo ETAF, que remete para a jurisdição administrativa todas as questões relativas à validade de actos pré-contratuais inseridos num procedimento de direito público, reforça o entendimento de que se mantém a competência contenciosa dos tribunais administrativos em relação a actos pré-contratuais praticados por pessoas colectivas privadas, quando tais entidades se encontrem subordinadas à disciplina concorrencial de direito público”; 5ª - Salvo o devido respeito, a recorrente, tal como a douta decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, perfilha entendimento contrário e considera que o Tribunal a quo, salvo o devido respeito não fez uma correcta interpretação dos normativos acima citados, nem soube aplicar os devidos normativos abaixo referenciados.

  3. - É que, tal como o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a recorrente entende que no caso sub judice não consubstancia uma relação jurídico-administrativa, pois as Entidades Publicas Empresariais, tal como o A… EPE, regem-se pelo direito privado, estando sujeitas às regras gerais da concorrência nacionais e comunitárias, mas o foro competente para apreciar os litígios são os Tribunais Judiciais.

  4. - De facto, o A… EPE, por força do disposto no DL n° 93/2005, de 7 de Julho, foi transformado em Entidade Pública Empresarial, aplicando-lhe o regime constante do DL n.º 233/2005, de 29 de Dezembro e do DL n° 558/99, de 17 de Dezembro, cfr. o disposto no art. 5.°, n° 1 do diploma citado.

  5. - Pelo que e de acordo com o art. 7º do DL n° 558/99, de 17 de Dezembro, as Empresas Públicas regem-se pelo direito privado, “salvo no que estiver disposto no presente diploma e nos diplomas que tenham aprovado os respectivos estatutos”.

  6. - Referindo o art. 18. ° que para o julgamento dos litígios respeitantes a actos praticados e a contratos celebrados no exercício dos poderes de autoridade a que se refere o art. 14.°, são as empresas públicas equiparadas a entidades administrativas e nos demais litígios, seguem-se as regras gerais de determinação da competência material dos Tribunais.

  7. - Cfr. o art. 23.° do DL n.°558/99, de 17 de Dezembro, aplica-se às Entidades Empresariais o disposto no mesmo.

  8. - E de acordo com o art. 13. ° do DL n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, “a aquisição de bens e serviços e a contratação de empreitadas pelos Hospitais EPE regem-se pelas normas de direito privado, sem prejuízo da aplicação do regime comunitário relativo à contratação pública “.

  9. - Ou seja, a aquisição de bens e serviços, quando praticados pelos Hospitais EPE, se rege pelas normas de direito privado, e não pelo direito público (administrativo) tal como entendeu o Tribunal a quo.

  10. - O acto referente à adjudicação de um concurso, também não consta no elenco do art. 14.° do DL n.º 558/99, de 17 de Dezembro, não podendo assim considerar que o mesmo resultasse do exercício de um poder ou prerrogativa de autoridade.

  11. - Por outro lado, e ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo e defendem as recorridas, ao processo concursal em causa não se aplica o DL n.º 197/99, de 8 de Julho.

  12. - Pois, de acordo com a alínea b) do art. 2.° do DL n.º 197/99, de 8 de Julho, ao concurso concursal aplica-se “aos organismos públicos dotados de personalidade jurídica, com ou sem autonomia financeira, que não revistam natureza, forma e designação de Empresa Pública”.

  13. - Ora, também o Acórdão 0980/05, de 17/01/2006, refere “as empresas públicas e as pessoas colectivas de natureza empresarial não são abrangidas no âmbito de aplicação pessoal das normas da contratação pública contidas no DL n.º 197/99, de 8 de Julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 97/52/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro, e estabelece o regime de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços, cfr. o art. 2.°, alínea b) do DL n.º 197/99, de 8 de Julho.

  14. - Igualmente o Acórdão 0266/05, de 5 de Abril de 2005 referiu que ao estabelecer que o art. 2. °, alínea b) do DL n.º 197/99, de 8 de Julho se aplica aos “organismos públicos, que não revistam natureza e designação de empresas públicas”, expressamente está a afastar a sua aplicação às empresas públicas.

  15. - Por conseguinte o A… EPE não é abrangido no âmbito de aplicação das normas da contratação pública vertidas no DL n.º 197/99, de 8 de Junho.

  16. - E estando em causa a aquisição de bens e serviços por parte dos Hospitais EPE, os actos praticados, nesse âmbito, são de natureza privada e não pública (administrativa), pelo que não compete aos Tribunais Administrativos dirimir tais conflitos.

  17. - Na verdade, nos termos do art. 1.0 do ETAF, aos Tribunais Administrativos compete administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídico-administrativas e fiscais, pelo que, não havendo neste caso concreto uma relação jurídico-administrativa, não tem competência o Tribunal Administrativo para dirimir tal conflito.

  18. - É que todos os pedidos formulados pelas Recorridos no requerimento inicial vêm na sequência do concurso realizado pelo A… EPE, e tem o mesmo efeito pretendido com a suspensão do acto de adjudicação.

  19. - Pelo que, está no âmbito de fiscalização do exercício de actividade de determinadas empresas e não no âmbito de uma relação jurídico-administrativa.

  20. - Pois a contratação dos serviços aqui em causa serão sempre de natureza privada e não pública, pelo que não serão os Tribunais Administrativos competentes para analisar a pretensão em causa.

  21. - Também, e de acordo com o art. 32.° da Portaria 1301-A/2002, de 28 de Setembro e art. 40 n.º 1, alínea 1) do ETAF, a violação das situações invocadas pelas recorridas no seu requerimento inicial caí no âmbito do ilícito contraordenacional, estando assim afastada da apreciação dos Tribunais Administrativos”.

O recorrente A…, EPE, termina as suas alegações da forma seguinte: “1. Considerando que a determinação da competência para conhecer dos conflitos emergentes da contratação pelos hospitais E.P.E. celebrada no quadro do art.13° do DL. n°233/2005 de 29 de Dezembro encerra relevância jurídica e social, sendo também a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.

  1. Pois que importa relevantemente à segurança do comércio jurídico e do prestígio das instituições e do Estado, saber com certeza, efectivamente, qual o domínio do contencioso, civil ou administrativo, aplicável nesta sede.

  2. Questão controversa, desde logo por força das decisões proferidas no processo em apreço, em sentido oposto.

  3. Que adere ao recurso interposto pela contra-interessada Cruz Vermelha Portuguesa, Delegação de Pereira”.

    Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do art°146°, n° 1 do CPTA, emitiu o seguinte parecer: “1.

    O presente recurso de revista vem interposto do acórdão do Tribunal Central Sul que concedeu provimento ao recurso jurisdicional...

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