Acórdão nº 0851/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A Caixa Geral de Depósitos, S.A., recorre do acórdão proferido, em 15/7/2009, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no qual se negou provimento ao recurso jurisdicional que a mesma CGD interpusera da sentença do TAF de Almada, na qual, por sua vez, se julgara procedente a reclamação que a ora recorrida A… deduzira contra o despacho do chefe do Serviço de Finanças do Seixal 2, datado de 11/12/2007, no qual se determinou o prosseguimento da respectiva execução fiscal «com vista à cobrança do montante indicado pela Caixa Geral de Depósitos, ou seja, € 43.352,21 (sendo € 4.995,70 de capital e € 38.356,51 de juros de 84/12/08 a 07/03/06)».

1.2. A recorrente termina as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes: 1. A Recorrente celebrou com a aqui Recorrida (e seu marido à altura) um contrato de empréstimo para compra de habitação própria e permanente, sendo que, para garantia do capital mutuado, juros e respectivas despesas, foi constituída uma hipoteca sobre um bem imóvel.

  1. Na sequência de incumprimento do que fora contratado, a aqui Recorrente instaurou acção executiva para cobrança coerciva dos montantes em dívida.

  2. Dívida essa que é, em bom rigor, uma dívida civil.

  3. Tal acção executiva foi instaurada, em 10/04/1985, no foro fiscal/tributário, em conformidade com o que dispunha a legislação então em vigor.

  4. Em 23/04/1992, pelo normal prosseguimentos dos autos de execução, o bem imóvel hipotecado a favor da aqui Recorrente foi vendido judicialmente, na modalidade de propostas em carta fechada.

  5. Discute-se, agora, o modo de imputação dos valores recebidos pela Recorrente com a venda judicial de tal bem imóvel.

  6. O douto Acórdão do TCA Sul foi no sentido de confirmar a fundamentação e decisão do Tribunal Tributário de 1ª Instância: - isto é, de mandar aplicar o CPT e o CPPT não obstante se tratar de uma dívida não fiscal.

  7. A aqui Recorrente, entende que se deve mandar aplicar o regime civil, designadamente o previsto no art. 785° do CC.

  8. Ao ser aplicado o direito privado, substantivo, a execução tem que prosseguir os seus posteriores termos, já que se continuaram a vencer juros de mora diários sobre o capital em dívida, 10. E ao ser aplicado o direito público, adjectivo, a execução não tem mais por onde prosseguir, pois que, como o modo de imputação dos valores recebidos (depois de as custas processuais saírem precípuas) se faz logo a capital, estando a dívida de capital esvaziada de "conteúdo", nunca poderia a aqui Recorrente continuar a pedir juros moratórios - é que estes vencem-se, como se sabe, sobre o capital em dívida.

  9. Assim, interessa saber: a dívida emergente do contrato de mútuo celebrado entre Recorrente e Recorrida é de natureza pública ou privada? 12. O crédito da CGD é uma receita própria da Recorrente e que provém da fonte indicada no próprio título executivo: - ou seja, de um empréstimo bancário concedido pela Recorrente à Recorrida (e seu marido, à altura), onde foram estipulados juros remuneratórios e prestada uma garantia hipotecária sobre um bem imóvel.

  10. O crédito de que é detentora a aqui Recorrente emerge de uma fonte de direito privado (e não público).

  11. Por isso, a obrigação emergente de tal contrato é uma obrigação de direito privado.

  12. A execução movida pela Caixa Geral de Depósitos à aqui recorrida foi instaurada no foro fiscal, porquanto a lei em vigor na altura assim lho determinava (cfr. art. 61º.1 e 2 do Decreto-Lei nº 48953, de 5 de Abril de 1969).

  13. Entretanto, entrou em vigor o Decreto-Lei 287/93, de 20 de Agosto (DL 287/93).

  14. O art. 9º.5 do DL 287/93 estabeleceu que: "as execuções pendentes à data da entrada em vigor do presente diploma continuam a reger-se, até final, pelas regras de competência e de processo vigentes nessa data".

  15. O art. 9º.5 do DL 287/93 nada alterou quanto à natureza da obrigação de que resultou tal empréstimo.

  16. Após a entrada em vigor do DL 287/93, as dívidas à CGD não passaram a ser obrigações fiscais ou quaisquer outras obrigações de direito público.

  17. Antes da entrada em vigor deste diploma, as dívidas à CGD também nunca foram obrigações fiscais ou de direito público.

  18. Conclui, aliás, em caso análogo, um douto Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 18-11-1996, Recurso 23035, in Bol. do Min. da Just. 481, 2005) que o processo fiscal "é apenas um instrumento público que está ao serviço da realização do direito subjectivo, em nada alterando a natureza substantiva deste".

  19. Mais se acrescentou nesse douto Acórdão que, a propósito do art. 817° do CC, "Se mastigarmos as palavras, constatamos, pois, que esta disposição afirma que o credor tem o direito de exigir o cumprimento da obrigação incumprida e de executar o património do devedor não só nos termos declarados no Código Civil, como também nos termos declarados nas leis de processo".

  20. Por isso, mais não fez o legislador do Decreto-Lei nº 48953, de 5 de Abril de 1969, do que definir as regras do processo executivo fiscal como as indicadas para conhecerem "das acções de cumprimento coercivo das obrigações emergentes da concessão do crédito hipotecário da Caixa Geral de Depósitos".

  21. E o legislador do DL 287/93 mais não fez do que continuar a reservar o foro fiscal para as acções executivas pendentes à data da entrada em vigor de tal diploma.

  22. Assim, à execução que corre termos no foro fiscal, continuam a aplicar-se apenas as regras de competência e de processo, porque antes da entrada em vigor do DL 287/93 também só as regras de competência e de processo se lhe aplicavam.

  23. Por isso, não obstante a acção correr termos no foro fiscal, a obrigação que nasceu com a contratação de um empréstimo tem estatuto substantivo.

  24. Pelo que o modo e critério de imputação a observar é o que está previsto no art. 785º do CC e não as normas do CPT ou do CPPT.

  25. Nesse sentido já se debruçou, repetidamente, e sobre a mesma matéria o Supremo Tribunal Administrativo.

  26. Além do douto Acórdão do STA já aludido anteriormente, podem ler-se, a título exemplificativo, os seguintes arestos jurisprudenciais: - Ac. do STA de 26/02/1997, Proc. nº 18968: - "... Sendo esse crédito constituído por capital mutuado e por juros remuneratórios desse capital ... manda a lei (art. 785º do Cód. Civil) que, salvo acordo em contrário, os pagamentos comecem por se imputar nos juros e só depois no capital."; - Ac. do STA de 17/02/1999, Proc. nº 22018: - "...Por força do art. 785º do C.Civil ... na concorrência entre juros indemnizatórios e capital deverão ser pagos primeiramente aqueles e só depois este."; - Ac. do STA de 09/02/2000, Proc. nº 24491: - Idem; - Ac. do STA de 01/03/2000, Proc. nº 24545: - "A norma do nº 3 do art. 341º do C.P.T. deve ser interpretada por forma a não abranger as dívidas ... de que é credora a Caixa Geral de Depósitos. Nos casos de insuficiência da importância arrecadada em processo de execução fiscal para solver integralmente créditos da Caixa Geral de Depósitos, deverá fazer-se aplicação do preceituado no art. 785º do Código Civil"; - Ac. do STA de 17/05/2000, Proc. nº 24771: - "Nas execuções fiscais instauradas para cobrança de crédito ... da Caixa Geral de Depósitos, a quantia arrecadada, se insuficiente, deve imputar-se de acordo com o artigo 785° do Código Civil".

  27. Em suma, a Jurisprudência dominante vai no sentido de que se a natureza da obrigação em causa é de direito privado, a aplicação das verbas, que a aqui Recorrente recebeu como produto da venda da garantia hipotecária, tem de observar os termos da lei civil.

  28. Isto é, ao abrigo do que prevê o art. 785° do CC.

  29. Utilizando uma vez mais as palavras ínsitas no douto Acórdão de 18 de Novembro de 1998 da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Proc. nº 23035) "É seguro que os créditos que foram cobrados através deste processo de execução fiscal não têm natureza de contribuições, impostos ou rendimentos em dívida à Fazenda Pública".

  30. E "a solução tem necessariamente que ser obtida perante o estatuto substantivo da obrigação em causa, perante o regime prescrito na lei civil...".

  31. Entende, assim, a aqui Recorrente que o douto Acórdão recorrido foi violador do previsto no art. 785° do CC.

  32. Não pode aceitar-se que (citando o Acórdão de que se recorre) "se o processo idóneo para a cobrança coerciva da dívida é o C.P.T (ou o actual C.P.P.T.), será segundo as regras próprias deste compêndio normativo que deve ser processado o pagamento não obstante se tratar de uma dívida não fiscal".

  33. E muito menos que (citando o mesmo Acórdão) "As regras do pagamento voluntário nos tribunais comuns são as estabelecidas no art9 785° nº 1, do CC, mas, beneficiando a recorrente dos mecanismos do C.P.T./C.P.P.T., estes devem aplicar-se em bloco, não podendo a recorrente beneficiar das regras daquele art. 785° do CC...".

  34. Ao entender-se deste modo, estar-se-ia a assumir a hipótese de um Tribunal mandar aplicar regras de natureza adjectiva, processual, fiscal/tributária, de direito público, a matérias de natureza substantiva, civil e de direito privado.

    Termina pedindo que o acórdão recorrido seja revogado e, em consequência, substituído por outro que ordene a imputação dos valores recebidos pela Recorrente em observância do art. 785° do CC e o prosseguimento dos autos de execução fiscal para cobrança do remanescente debitório, designadamente através da venda judicial do bem imóvel penhorado nesses autos.

    1.3. Contra-alegando, a recorrida formulou as seguintes Conclusões:

    1. O Recurso interposto pela CGD do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul carece, em absoluto, de fundamento, na medida em que a Recorrente bem sabe que a decisão de extinguir a instância executiva e, consequentemente, proceder ao cancelamento da penhora sobre fracção autónoma propriedade da Recorrida, transitou em julgado.

    2. De facto, decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada pela procedência da...

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