Acórdão nº 0453/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A… e B…, com os sinais dos autos, interpõem recurso do acórdão do TCA Sul proferido em 19.02.2009, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do Mmo. Juiz do TAC de Lisboa que julgou procedente a presente intimação para a prestação de informações, consulta de processo ou passagem de certidões, deduzida por C…, jornalista que exerce funções no jornal “…” e intimou o Ministério das Finanças e Administração Pública e os ora requerentes, a facultar o acesso daquele aos documentos que possuam ou detenham, respeitantes à alienação de imóveis do Estado, anteriormente tutelados pelo Ministério da Justiça, nos anos fiscais de 2005, 2006 e 2007, fixando o prazo de cumprimento dessa decisão em 10 dias.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1ª. O acórdão, ora sob recurso, versa sobre três questões que assumem uma importância fundamental e transcendem o perímetro do caso concreto, carecendo ainda de apropriada densificação jurídica, servindo a intervenção orientadora desse Supremo Tribunal para uma melhor definição dos parâmetros regulatórios de actuação das empresas públicas.

  1. Tais questões assumem uma clara relevância social e jurídica, tendo em conta, por um lado, o leque de empresas que serão abrangidas pela orientação jurisprudencial que vier a ser adoptada por esse Supremo Tribunal e, por outro, o facto de os jornalistas invocarem frequentemente o direito à informação para acederem, indiscriminadamente, a todos os documentos detidos pelas empresas públicas.

  2. A interpretação que o acórdão recorrido faz do artº4º da LADA, no sentido de que todos os cidadãos do Estado têm um direito de acesso limitado aos documentos detidos por empresas públicas, está eivada, não apenas de ilegalidade ( por violação, entre outros, do artº3º, nº2 a) da própria LADA), mas também de inconstitucionalidade material ( por violação dos artº18º e 62º da CRP).

  3. No presente recurso está, pois, em causa uma questão de direito particularmente complexa, devendo esse Supremo Tribunal interpretar e compatibilizar as disposições da Lei nº46/2007, de 24 de Agosto (LADA), com as disposições do Regime Jurídico do Sector Empresarial do Estado (RSEE), aprovado pelo DL 558/99, de 17 de Dezembro, com alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 300/2007, de 23 de Agosto e com as disposições da Constituição da República Portuguesa.

  4. Sempre que se trate de empresas públicas que operam no mercado em concorrência o RSEE confere-lhes a margem de autonomia de gestão necessária para participarem no mercado, em pé de igualdade com as empresas privadas, não estando essas empresas sujeitas a formas estritas de controlo administrativo que entravam a sua liberdade de actuação.

  5. Não devem, pois, estas empresas estar submetidas, em termos gerais, à LADA, sendo obrigadas a facultar ao público todos os documentos relativos ao exercício da sua actividade comercial – como o não estão as suas concorrentes.

    7º: A actual versão da LADA ( da Lei nº47/2007) alargou o seu âmbito de aplicação aos órgãos das empresas públicas, apesar de – declaradamente – ter o propósito de transpor para a ordem jurídica interna, a Directiva 2003/98/Ce, de 17 de Novembro.

  6. Esta Directiva, porém, não se aplica às empresas públicas ( cf. seu considerando 10), a menos que tais empresas integrem a categoria de organismos de direito público, pelo que às empresas públicas que, como as Recorrentes, actuam no mercado em condições de igualdade com as demais empresas do sector privado, não se pode entender aplicável a Directiva.

  7. Os órgãos jurisdicionais nacionais têm a obrigação de interpretação do direito interno, em conformidade com o texto e finalidade da Directiva, nos termos dos Tratados e demais legislação comunitária.

  8. O acórdão recorrido deveria ter interpretado o artº4º, nº1, d) da LADA à luz da Directiva em causa e, nessa medida, decidir que as disposições da LADA só seriam aplicáveis aos órgãos de empresas públicas criadas especificamente para satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter comercial ou industrial – e, por isso, não seria aplicável às recorrentes.

  9. Por outro lado, o certo é que a própria LADA exclui do seu âmbito de aplicação objectivo, “ os documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa ( artº3º, nº2 a)), sendo que as Recorrentes não prosseguem qualquer fim público, actuando como qualquer outra empresa comercial do sector privado, procurando obter o melhor preço possível pela alienação dos imóveis que têm em carteira e tendo como escopo a obtenção do lucro.

  10. . A alienação dos imóveis detidos pelas Recorrentes é, pois, regulada apenas, como qualquer outra empresa do sector privado, pelo direito ( artº7º, nº1 do RSSE), pelo que se lhes não aplicam – naturalmente – os princípios da transparência e do arquivo aberto, pensados para entidades que exercem funções públicas e que estão dependentes do Orçamento Geral do Estado.

  11. . Finalmente, não está demonstrado que o interesse público seja melhor tutelado com a divulgação na imprensa dos contratos celebrados por empresas públicas, não tendo sido essa, pelo menos à primeira vista, a vontade do legislador ao consagrar o princípio da paridade entre empresas públicas concorrenciais e privadas ( cf. artº81º da CRP e artº8º do RSEE) e ao submetê-las ao regime do direito privado ( cf. artº7º do RSEE).

  12. A intervenção desse Supremo Tribunal, neste caso, servirá para corrigir uma orientação jurisprudencial que, a ser confirmada, traria enormes prejuízos para a actividade comercial, não só das Recorrentes, mas também da generalidade das empresas públicas.

    *Contra-alegou o recorrido, CONCLUINDO assim: A. Em primeiro lugar, o recurso de revista não é legalmente admissível, por não cumprir os requisitos enumerados no nº1 do artº150º do CPTA. Isto porque: B. As Recorrentes alegaram motivos distintos e em requerimentos diversos, como fundamento para a eventual admissibilidade do presente recurso de revista.

    C. No requerimento de interposição de recurso, alegaram as Recorrentes a violação de determinados dispositivos legais, que está em causa uma questão de importância fundamental, pela sua capacidade de expansão para além dos limites da situação singular, nomeadamente por ser uma questão que diz respeito à actuação de todas as empresas públicas, que actuem em concorrência de mercado e que é claramente necessária para uma melhor aplicação de direito, atenta a complexidade da questão jurídica enunciada e o facto da douta decisão recorrida padecer de manifesto entorse de julgamento.

    D. No requerimento com as alegações, as Recorrentes alegaram que importava saber se os documentos elaborados por empresas públicas no âmbito da sua actividade comercial são documentos administrativos, se todas as empresas públicas estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da LADA ou, se diversamente se impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais, uma interpretação conforme à Directiva 2003/98/CE e se as empresas públicas podem classificar documentos relativos ao exercício da sua actividade comercial, por entenderem que tais documentos contêm informação económica sensível que, se fosse objecto de divulgação ao público em geral, as lesaria em termos concorrencial; E. Estamos, assim perante diversas alegações quanto à admissão do recurso, quanto ao modo e local, para além de contraditórias.

    F. O Certo é que não é fundamento do recurso de revista, a violação da lei, nem com vista a uma melhor aplicação do direito, por entorse de julgamento e a questão fundamental é aferida pelo caso concreto e não por um juízo de prognose relativamente a futuras e hipotéticas aplicações a outras entidades; G. Os presentes autos tiveram início por causa de um pedido efectuado pelo Recorrido, jornalista, com vista ao acesso a documentos administrativos em posse das Recorrentes; H. Tal acesso vem previsto no nº2 do artº268º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que assegura o acesso dos cidadãos aos arquivos e registos administrativos; I. Por outro lado, o Estatuto dos Jornalistas (EJ), na alínea a) do nº1 do artº8º da Lei nº1/99, de 13 de Janeiro, confere o direito de acesso às fontes de informação pelos órgãos da Administração Pública e o seu nº2 considera que o interesse no acesso às fontes de informação é sempre considerado legítimo, para os termos e efeitos do previsto nos artº61º a 63º do CPA.

    J. Portugal é um Estado de Direito Democrático, que assenta em pilares como o pluralismo de expressão, no respeito e garantias de efectivação de direitos e liberdades fundamentais – artº2º da CRP; K. Ora, o direito de informar, de se informar e de ser informado, consta do elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais, são a liberdade de expressão e informação consagrado no artº37º da CRP.

    L. O acesso a documentos administrativos elaborados pelas empresas públicas, não está ferido de ilegalidade, porquanto é a própria LADA que o prevê no seu artº4º; M. E não existe violação do direito nos artº 18º e 62º da CRP, nem estamos perante inconstitucionalidade material, até por não serem aplicáveis ao caso concreto, no seu conjunto; N. A LADA prevê explicitamente o seu âmbito de aplicação e o que é entendido por documento administrativo, pelo que extravasar o seu âmbito e os seus conceitos é que é ilegal; O. A actual LADA transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 2003/98/CE, que ao contrário do que nela leu as Recorrentes, visa “ garantir condições justas, proporcionais e não discriminatórias na reutilização dessa informação (…) As politicas dos Estados Membros podem ir além das normas mínimas estabelecidas na presente directiva, permitindo assim uma reutilização mais alargada; P. E é aliás a própria Directiva que nas alíneas a) a c) do nº2 do artº 2º, considera as Recorrentes como organismo do sector público.

    Q. Os documentos que o Recorrido pretende...

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