Acórdão nº 030/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo B…, identificado aos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que, na acção ordinária de responsabilidade civil que intentou contra o Estado Português e os seus agentes C… e D…, identificadas nos autos, absolveu dos pedidos estas últimas e condenou o Estado a pagar-lhe a quantia de 5.000,00 Euros, acrescida dos respectivos juros de mora, a titulo de danos no patrimoniais, e no que se liquidar em execução de sentença, a título de danos patrimoniais, julgando-a, assim, parcialmente provada.

O recorrente formula as seguintes conclusões: 1) Vem o Recorrente recorrer da sentença do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, que absolveu as co-rés C…e D…., bem como no que concerne ao valor fixado pelo Tribunal a título de danos não patrimoniais.

2) O Tribunal considerou como facto o despacho ministerial de 21.12-1992 que concordou com a proposta de resolução do contrato de arrendamento rural celebrado entre o Estado e o recorrente, como resulta das al. AAA) e BBB), sendo que esse despacho foi anulado judicialmente.

3) O “Concordo” do despacho ministerial reporta-se à informação prestada pela co-ré C…, sobre a qual foi aposto o “concordo” da co-ré D…, cfr. al. YY) e ZZ).

4) No que concerne à ilicitude do acto, o Tribunal a quo, aquando da sua fundamentação sobre a responsabilidade do Réu Estado, considerou que o facto é ilícito.

5) Bem como considerou que existia uma acção ilícita e culposa por parte do Réu Estado.

6) E, por fim, que os danos causados ao ora Recorrente resultaram em termos de causa - efeito necessária e directamente do acto ilícito e culposo da Administração ao fazer cessar, por acto ilegal, o contrato de arrendamento que conduziu à produção destes danos.

7) O artigo 1.º do Dec. Lei n.º 48051 exige como requisito para que o Estado e demais pessoas públicas, respondam civilmente perante terceiros, por um lado, que os actos praticados sejam ilícitos e, por outro lado, que a actuação do Estado e demais pessoas públicas seja culposa.

8) No que concerne às co-rés, o Tribunal a quo considerou que as mesmas não tiveram uma actuação culposa, mas, meramente, negligente, pelo que em nessa sequência, absolveu as mesmas dos pedidos formulados.

9) Contudo, o Tribunal a quo, de uma forma muito simplista, conclui pela verificação de uma actuação meramente negligente, não analisando, de forma cuidada, as várias modalidades de dolo.

10) O dolo é a consciência e vontade de praticar certo facto típico, ou de empreender certa actividade típica.

11) A partir deste conceito de dolo, verifica-se que o dolo tem uma estrutura composta por dois elementos: 1) Elemento intelectual ou cognitivo, que se traduz no conhecer; 2) Elemento volitivo que se traduz no crer.

Quanto ao elemento volitivo - o querer - aqui distinguem-se basicamente três espécies de dolo (art. 14º I1, 2 e 3 CP): 1) Dolo directo de primeiro grau ou intenção; 2) Dolo directo de segundo grau ou dolo necessário; 3) Dolo eventual ou dolo condicionado ou condicional.

12) Uma pessoa pode querer um resultado, ou pode querer um facto típico, com maior ou menor intensidade.

13) Nas situações de dolo eventual, que é a forma mais ténue de intensidade da relação do querer do agente para com o facto por ele praticado, o agente representa, prevê como possível que da sua actuação possa ocorrer um determinado resultado lesivo, um determinado tipo crime. E actua conformando-se com a possibilidade dessa realização, actua conformando-se com a possibilidade de a sua actuação desencadear a ocorrência do facto típico por ele previsto, é o chamado dolo eventual (art. 14º/3 CP).

14) No caso dos autos e no que concerne actuação das co-rés, a própria sentença, ora em crise, refere que estamos perante uma negligência grosseira.

15) Salvo melhor opinião, a conduta das co-rés C… e D…, enquadra-se no chamado dolo eventual porquanto as mesmas sabiam que com a sua actuação podiam ocasionar um acto lesivo.

16) Que aconteceu! Tanto mais que o despacho ministerial, proferido no âmbito do das informações prestadas pelas co-rés, foi declarado nulo pelo Supremo Tribunal Administrativo.

17) A este propósito, refere a jurisprudência administrativa, quando defende que age culposamente “o autor do acto administrativo ilegal, no ponto em que podia ou devia conhecer as normas legais infringidas.” 18) Estamos, assim, perante um facto ilícito onde a culpa se dilui na ilicitude.

19) Ora, o artigo 22º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da responsabilidade patrimonial directa das entidades públicas por danos causados aos cidadãos.

20) O acto danoso in casu é a resolução do contrato de arrendamento rural, em primeiro lugar, com base no auto de notícia de uma contra-ordenação.

21) Esse auto de notícia não se consubstancia numa decisão final! 22) Até ser proferida decisão final do processo de contra-ordenação, vigorava o princípio de presunção de inocência do ora Recorrente.

23) Assim, cabia à co-ré C…, face ao auto de notícia, propor a sustação do procedimento até decisão final do processo de contra-ordenação.

24) Tendo sido proferido despacho de arquivamento, a co-ré C… não teria qualquer fundamento para propor a resolução do contrato de arrendamento.

25) Contrariamente à fundamentação do Tribunal a quo, e no que concerne ao segundo fundamento da proposta da co-ré C… - falta de apresentação de plano de exploração técnico ou económico do lote - a mesma tinha conhecimento - ou tinha de ter conhecimento, em face do exercício das suas funções - que ainda não tinha sido celebrado contrato de arrendamento.

26) E, que essa formalidade era uma exigência para a apresentação de plano de exploração junto do IFADAP.

27) Sem olvidar que sendo licenciada em Direito sabia perfeitamente que um auto de notícia não se traduz numa decisão final e que os factos aí contidos não se encontram, de todo em todo, provados.

28) Pelo que, até proferida decisão final, o Recorrente seria inocente! 29) E como tal, esse facto não poderia ser fundamento para a sua proposta de resolução! 30) Em consequência, e de acordo com o supra exposto a co-ré D… é, igualmente, responsável, quando apõe “Concordo” na referida proposta, influenciando, assim, a decisão ministerial! 31) Em suma, e tendo em conta as funções desempenhadas pelas mesmas, as co-rés actuaram com dolo, pelo menos a título eventual, quando propuseram a resolução do contrato de arrendamento rural, celebrado com o ora Recorrente! 32) E, como tal, devem ser consideradas responsáveis, civilmente e solidariamente, pelos prejuízos causados ao Recorrente, sendo, consequentemente, revogada a sentença, ora em crise, com as legais consequências, por violação do dever de diligência da Administração, o princípio da verdade, transparência e boa fé nas relações com os cidadãos e violação do disposto nos arts. 1°, 2º e 3º do Dec- Lei n.º 48051.

33) Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogar-se a sentença do Tribunal “a quo” e, em consequência, serem as co-rés consideradas responsáveis, civilmente e solidariamente, pelos prejuízos causados ao Recorrente, sendo, consequentemente, revogada a sentença, ora em crise, com as legais consequências, por violação do dever de diligência da Administração, o princípio da verdade transparência e boa fé nas relações com os cidadãos e violação do disposto nos arts 1°, 2º e 3º do Dec Lei n.º 48051.

34) Consequentemente, e de acordo com o supra exposto, o valor fixado pelo Tribunal a quo, é irrisório! 35) Porquanto, e considerando que estamos perante um acto doloso, e tendo em conta o tempo decorrido desde que o Recorrente se viu privado da exploração do lote, objecto dos presentes autos, a quantia de 5.000,00€, contrariamente ao fundamentado pelo Tribunal a quo, não se traduz num valor razoável.

36) Não ressarcindo, de todo em todo, os danos provocados pelo acto ilegal e culposo dos Réus C…, D… e Estado.

37) Pelo que, e considerando que as co-rés C… e D… actuaram com dolo, praticando um acto ilícito e culposo, que provocou danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, ao Recorrente, devem as mesmas serem igualmente condenadas, solidariamente, no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

38) Assim sendo, deve ser revogada a sentença, atribuindo-se ao Recorrente, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o valor peticionado na presente acção, ou seja, a quantia de 3.500.000$00 (17.457,92€), acrescido de juros de mora, condenando - se, quer o Réu Estado, quer as co-rés, a pagar, solidariamente, com as legais consequências.

Apenas o Estado Português apresentou contra alegações que conclui nos termos seguintes 1. O Recorrente veio recorrer da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, designadamente, no que concerne ao valor fixado pelo Tribunal a título de danos não patrimoniais; 2. Na perspectiva da recorrente, a decisão ora em recurso deve ser revogada, designadamente, por entender que a indemnização por danos não patrimoniais fixada pelo Tribunal recorrido, no montante de 5.000,00, é irrisória, não ressarcindo de todo em todo, os danos provocados pelo acto ilegal e culposo dos Réus; 3. Pretende o Recorrente que lhe seja atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais, o valor peticionado na acção, ou seja a quantia de 17 457,92 €, acrescido de juros de mora; 4. Ora, o referido valor não tem o mínimo de correspondência com o nível de vida da generalidade das pessoas no nosso país, e exorbita totalmente os valores médios que a nossa jurisprudência tem vindo a atribuir aos danos; 5. Prescreve o artigo 496º, n° 1 do Código Civil que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”; 6. E, como é sabido, o montante dos danos não patrimoniais, pela sua natureza, têm que ser valorados com base na equidade (artigo 496°, nº 3 do Código...

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