Acórdão nº 68/18.3YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

AA, juíza ..., veio interpor recurso contencioso da deliberação, adotada pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 12 de junho de 2018, que considerou improcedente a reclamação apresentada e manteve uma prévia deliberação do Conselho Permanente que lhe atribuiu a classificação de "Suficiente".

Em apertada síntese, advoga que a deliberação impugnada padece do vício de falta de fundamentação, na medida em que não contém referência às taxas de resolução e de recuperação dos tribunais onde exerceu funções nos períodos anteriores ao exercício de atividade de que foi avaliada, às taxas de resolução e de recuperação dos tribunais com competência similar àqueles onde exerceu funções no período em questão e aos "valores de referência, alcançados na ponderação da generalidade dos tribunais semelhantes" e, bem assim, ao número de atrasos e à sua dimensão, ao número de "sentenças por apontamento" e à sua dimensão e às dilações de agendamento relativos a outros colegas.

Tal, a seu ver, impede a sindicância do juízo comparativo que se empreendeu na deliberação recorrida, sendo que um entendimento diverso das normas do Regulamento dos Serviços de Inspeção do Conselho Superior de Magistratura (doravante CSM) será desconforme ao direito à tutela jurisdicional efetiva.

Socorrendo-se de estatísticas disponibilizadas pelo secretariado da Presidência da Comarca onde exerce funções, mais sustenta que, apesar de desempenhar funções no tribunal de competência genérica que, por juiz, mais entradas regista nessa Comarca, é a magistrada que apresenta maior número de processos findos entre os juízes colocados em tribunais de similar competência dessa comarca, razão pela qual considera que o Conselho Superior da Magistratura errou na valoração que efetuou acerca da sua produtividade.

Em benefício dessa conclusão, argumenta ainda que tal apreciação é dissonante da apreciação vertida num antecedente processo disciplinar (o que, a seu ver, faria recair sobre a decisão recorrida um especial dever de fundamentação), segundo o qual a carga processual do Tribunal onde desempenha funções é excessiva e que a gestão processual de um tribunal de competência genérica com elevado número de entradas e de pendências é complexa não permitindo ganhos de escala, sendo que, tanto quanto sabe, os atrasos noutros tribunais não influíram na classificação de outros magistrados (o que, a seu ver, contende com o princípio da igualdade) e que os processos entrados nos demais juízos de competência genérica da Comarca não divergem significativamente das entradas no juízo em que exerce funções quanto à incidência de espécie processual.

Refere ainda que os atrasos constatados (que não devem ser sobrevalorizados) não traduzem uma análise global da sua prestação e figuram de forma descontextualizada, já que se omite que a recorrente optou por realizar diligências em detrimento da prolação atempada de decisões para evitar um aumento expressivo da pendência, olvidando-se também os concretos contextos em que se verificaram alguns dos atrasos em causa e a complexidade dos casos em que eles se registaram, a elevada taxa de confirmação das decisões proferidas, as exigências de estudo e de fundamentação em ações cíveis dirimidas no saneador e/ou não contestadas e a insuficiência do auxílio que lhe foi dispensado pelo Conselho Superior da Magistratura. Com base nesta argumentação, conclui pela existência de violação de lei e pela ocorrência de erro nos pressupostos de facto.

E conclui a sua petição nos seguintes termos: “1. Em primeiro lugar, o CSM limita-se a afirmar que o juízo avaliativo feito é relativo ou comparativo, mas nada se concretiza nem objetiva, ou, pelo menos, nada se externa a esse propósito, desconhecendo-se as taxas de resolução e recuperação dos tribunais onde a Recorrente exerceu funções, nos períodos anteriores a esse exercício, e dos tribunais com competência similar, nos períodos inspecionados (considerando entradas e pendências e tipo de processos entrados e decididos), bem como os "valores de referência, alcançados na ponderação da generalidade dos tribunais semelhantes" a que se refere o CSM.

  1. Só conhecendo esses dados de facto pode a Recorrente aferir se, efetivamente, o juízo avaliativo resultou de uma ponderação comparativa e concreta, se a ponderação efetuada está correta ou se padece de erro quanto aos pressupostos de facto ou de erro manifesto de apreciação, e, ainda, se o critério está ajustado à realidade da avaliada (comparação de idênticas circunstâncias), é racional e razoável e que não foram violados os princípios da igualdade, justiça, razoabilidade e imparcialidade (cfr. art. 2.°, ai. a) do RH).

  2. Nada se externando, desconhecendo-se em absoluto os pressupostos de facto que alicerçaram o juízo avaliativo (alegadamente comparativo e concreto), o mesmo torna-se perfeitamente insindicável, ou seja, a Recorrente não pode perceber o iter cognoscitivo-valorativo percorrido na decisão e é inequívoco que esta padece de falta de fundamentação - a qual tem que ser minuciosa, como este Alto STJ afirmou já em anteriores arestos.

  3. Aliás, a falta de fundamentação é tanto mais evidente considerando que o art. 19.°, n.° 1 do RIJ prescreve um especial dever de fundamentação quanto às referências desfavoráveis tecidas no relatório de inspeção, e, por outro lado, existem, sobre o mesmo período temporal ou parte determinante dele, dois juízos diversos e contraditórios efetuados sobre a produtividade da Recorrente, ambos emanados pelo CSM, já que no âmbito do processo de inquérito n.° 2016/DQJI/IN/440 se conclui que a Recorrente teve bom desempenho em termos de produtividade (cfr. doc. 2 junto).

  4. Deste modo, a deliberação recorrida incorre em falta de fundamentação e violação de lei, concretamente dos arts. 152.° e 153.° do CPA e 16.°, n.° 1, al. c) e 19.°, n.

    0 1 do RIJ, vícios que impõem a respetiva anulação.

  5. Mais: uma interpretação dos arts. 13.°, n.° 3, 16.º3 n.° 1, al. c) e 19.°, n.°s 1 e 2 do RIJ em sentido diverso daquele que expomos, entendendo-se que os concretos dados ou pressupostos de facto em que se alicerça o juízo comparativo e concreto contido na avaliação não tenham que ser externados, padece de inconstitucionalidade por admitir decisões sem o mínimo de parâmetros objetivos que a possam explicitar e, assim, por admitir a arbitrariedade e a insindicabilidade da decisão, em violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetíva perante atos administrativos lesivos dos direitos e interesses da Recorrida e, portanto, em violação dos arts. 2.°, 13.°, 20.°, n.° 1, 266.°, n.° 2 e 268.°, n.° 4 da CRP e 6.°, n.° 1 da CEDH, a qual gera a nulidade da decisão (art. 161.°, n.° 2, al. d) do CPA).

  6. Depois e sem conceder, tendo em conta os dados estatísticos que se podem conhecer a este propósito (cfr. dados constantes do texto supra), o que deles resulta é que o desempenho da Recorrente ultrapassa o de todos os Colegas colocados em idênticas circunstâncias (juízos de competência genérica da mesma Comarca), na ordem das dezenas e mesmo das centenas de processos a mais findos, sendo que, por outro lado, o Juízo de Competência Genérica de ... é aquele que regista o maior número de entradas, ultrapassando quase todos os demais na ordem das centenas - cfr. doe. 3 junto.

  7. Assim, jamais a produtividade da Recorrente pode ser considerada baixa, como foi, juízo esse determinante para a classificação que lhe foi dada, quando a evidência é que a performance da Recorrente ultrapassou, mesmo francamente, a dos Colegas - o que só pode significar (é claro indício, para já é o que se pode alegar) que o CSM delibera em erro manifesto de apreciação em relação à carga processual a que a Recorrente esteve sujeita no período em avaliação e em relação à produtividade da mesma, logo, quanto à classificação atribuída.

  8. Neste mesmo sentido, para além do juízo tecido a esse propósito no referido processo de inquérito n.° 2016/DQJI/IN/440, propugna a própria organização judiciária: por um lado, antes da Recorrente tomar posse em ..., existiam aí dois juízes em efetividade de funções, sendo o tribunal de competência especializada, sendo que, à perda da "especialização", acresce o número de entradas crescente ao longo dos anos; 10. Por outro lado, determinantemente, em data recentíssima, veio a público o Anteprojeto de Portaria que, ao abrigo do disposto no n.° 6 do art 81.° da Lei n.° 62/2013, alterada e republicada pela Lei n.° 40-A/2016, prevê, precisamente, no seu art. 2.°, al. a), a agregação do Juízo de Competência Genérica de .... e do Juízo de Competência Genérica de ..., o que demonstra o inequívoco reconhecimento, pelo legislador, da inexistência de uma carga processual adequada ou a existência de um excesso de carga processual em ......

  9. Em suma, sem nunca conceder quanto à falta de fundamentação assacada, os dados de facto de que a Recorrente tem conhecimento (por serem públicos, não porque venham vertidos na decisão...) indiciam o erro manifesto de apreciação quanto à carga processual a que a Recorrente foi sujeita e em consequência, à respetiva produtividade, fatores determinantes da classificação atribuída.

  10. Por fim e se é esse o entendimento do CSM, concretize-se a decisão externando também o número de atrasos e a sua dimensão, o número de "sentenças por apontamento" e a sua dimensão, as dilações de agendamento e outros itens que hajam tido os Colegas de ..., de ..., de ..., de ... ou da ...... tudo de molde a tornar a decisão percetível e sindicável pela Recorrida, quanto aos juízos de comparação e de avaliação global que alegadamente nortearam a notação atribuída (falta de fundamentação).

  11. Sendo certo que, a este passo, a comparação relativa dos diversos fatores tidos em conta na...

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