Acórdão nº 016/19.3BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) veio intentar, ao abrigo do artigo 109.º e ss. do CPTA, a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo nela demandados [na sequência de convite da Relatora e após junção da p.i. corrigida] o Conselho de Ministros (CM) e o Ministério da Saúde (MS).

Com a presente intimação, o requerente pretende, em suma, que seja imposta ao Governo e ao MS, “na pessoa da sua titular”: a) “a conduta positiva de revogação respectivamente, do acto administrativo da Resolução de Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 e da Portaria n.º 48-A/2019 de 7 de Fevereiro”, ou, b) “a conduta negativa de se absterem de quaisquer actos de execução daqueles” (cfr. art. 4.º da p.i.).

Mais ainda, requer-se a condenação da Ministra da Saúde e, solidariamente, de todos os membros do Conselho de Ministros, a começar pelo Primeiro Ministro”: c) “na sanção compulsória por incumprimento por cada dia em que, após a intimação, tal se verifique, em montante a fixar pelo Senhor Juiz Conselheiro mas que, dada a relevância dos bens jurídicos violados, o elevado número de pessoas atingidas e a gravidade e elevado grau de intencionalidade da conduta, se entender dever ser fixada em montante não inferior a 10.000,00€ diários”.

Quanto ao seu objecto, “A presente intimação incide sobre dois actos administrativos”, genericamente identificados como a Resolução de Conselho de Ministros n.º 27-A/2019, de 07.02.19, e a Portaria n.º 48-A/2019, igualmente de 07.02.19. Pela primeira, o CM reconheceu “a necessidade de se proceder à requisição civil dos enfermeiros em situação de greve, decretada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) e pela Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE), até ao dia 28 de fevereiro de 2019” e autorizou “a Ministra da Saúde a efetivar, sob a forma de portaria, a requisição civil dos trabalhadores referidos no número anterior, faseadamente ou de uma só vez, consoante as necessidades o exijam”. Com a segunda, a Ministra da Saúde, prolongando o decidido na dita resolução, decretou a requisição civil com efeitos imediatos e estabeleceu os seus termos (cfr. artigo 4.º da p.i.).

O direito, cujo exercício em tempo útil se pretende proteger, é o direito à greve consagrado no artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), consubstanciando o mesmo um direito, liberdade e garantia (DLG) dos trabalhadores. A sua compressão deve-se a uma requisição civil alegadamente ilegal, em virtude de não se verificar o pressuposto que a justificaria – o incumprimento, por parte dos enfermeiros grevistas, dos serviços mínimos decretados no acórdão do Tribunal Arbitral.

Para sustentar a ilegalidade da requisição civil, motivo que subjaz aos pedidos (principal e subsidiário), o requerente argumenta sobretudo assim.

Além da questão da pretensa falta de fundamentação dos actos e da alegada violação da lei (arts. 1.º, n.

os 1 e 2, do DL n.º 637/74, de 20.11, e do art. 8.º, n.º 4, da Lei n.º 65/77, de 26.08) e dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da legalidade (art. 266.º da CRP), retenham-se, de forma sintética, estas outras causas de ilegalidade, na sua generalidade respeitantes à comprovação da “inveracidade do incumprimento dos serviços mínimos”: os moldes do decretamento dos serviços mínimos, demasiado extensos ou exagerados; a existência de “diversas situações em que existia tempo operatório e não foram realizadas cirurgias e outras em que, conhecendo-se de antemão que não havia espaço disponível e, consequentemente tempo operatório disponível, foram chamadas pessoas para realizar intervenções cirúrgicas, e assim se imputar aos enfermeiros dolosa e intencionalmente, o incumprimento de serviços mínimos” (artigo 60.º da p.i.); ilegal notificação dos enfermeiros pelo Conselho de Administração do Hospital de São João (artigos 62.º e 63.º da p.i.); no CHEDV houve uma operação que não se realizou porque “o cirurgião que ia operar este paciente, à tarde não tem horário de bloco (artigo 70.º da p.i.); no mesmo CHEDV “a greve dos enfermeiros veio permitir que se operasse mais do que num período em que não existia greve, pelo que os ditos serviços mínimos foram inequivocamente transformados em mais do que serviços máximos” (artigo 71.º da p.i.); ainda, “o bloco de ORL este Centro Hospitalar veio, em período de greve dos enfermeiros e na medida do decretamento dos serviços mínimos, operar doentes com prioridade normal; decisões tomadas pelos serviços, designadamente pelos Conselhos de Administração, a que os enfermeiros são alheios “e que tanto poderiam ocorrer em situação de greve, como numa situação em que não estivessem em greve” (artigo 89.º da p.i.); desrespeito por parte de Centro Hospitalar e Universitário do Porto, EPE, da fixação dos serviços mínimos estabelecidos no acórdão do Tribunal Arbitral que fixou os serviços mínimos (artigos 90.º a 93.º da p.i.); relativamente a “todos os Centros hospitalares”, “houve uma indicação do Ministério da Saúde para marcação de doentes prioritários, em todas as salas, não obstante se saber previamente que só tinham duas salas para operar” (artigo 94.º da p.i.); “em Viseu” ocorreram situações de coacção para a abertura de “mais salas” para realização de “cirurgias extras” (artigo 95.º da p.i.); no Centro Hospitalar de São João foram considerados prioritários doentes em relação aos quais já tinham sido há muito ultrapassados os tempos de espera definidos legalmente para doentes com prioridade normal (artigo 101.º da p.i.); no mesmo centro hospitalar: no dia 04.02, verificou-se a falta de comparência de médicos e doentes (artigo 103.º da p.i.); a convocação de enfermeiros de cirurgia infantil para cirurgias de ortopedia de adultos (artigo 107.º da p.i.); suficiência de enfermeiros não grevistas para assegurar o serviço nas salas com serviços mínimos (artigo 108.º da p.i.); atrasos nas cirurgias não imputáveis aos enfermeiros grevistas (artigos 110.º e 111.º da p.i.); em Janeiro, realização de abdominoplastias, liftings de coxas, liftings de braços quando havia lista de espera de doentes oncológicos e prioritários (artigo 120.º da p.i.); no centro materno-infantil, adiamento de uma cirurgia por falta de consentimento parental (artigo 122.º da p.i.); adiamento de cirurgias por falta de material e/ou falta de vaga no hospital (artigo 124.º da p.i.); no Hospital de Viseu “desde há cerca de 10 anos que à 6ª feira, a partir das 14H00, não são realizados actos cirúrgicos (artigo 127.º-A da p.i.); “para os dias de serviços mínimos, os planos operatórios foram estrategicamente aumentados para números que nem num dia de normal funcionamento dos serviços seria possível assegurar (artigo 127.º-E da p.i.); “no período de pré-greve foram desmarcadas várias cirurgias por falta de camas mas foi dito aos doentes que «o adiamento da sua cirurgia foi devida à greve dos enfermeiros” (artigo 127.º-H da p.i.).

A final, peticionam o seguinte: “Nestes termos e nos mais de Direito, deverá a presente intimação, proceder por provada e, em consequência, tendo presente a múltipla e insanável invalidade da requisição Civil decorrente da resolução do Conselho de Ministros nº 27-A/2019, de 07 de Fevereiro e da subsequente Portaria nº48-A/2019, de 7 de fevereiro da Ministra da Saúde, ser emitida uma decisão de mérito que imponha ao Governo e ao Ministério da saúde, na pessoa da sua titular, a conduta positiva de revogação respectivamente do acto administrativo da Resolução do Conselho de Ministros nº 27-A/2019 e da Portaria nº48-A/2019 de 7 de Fevereiro ou, pelo menos, e quando assim não se entenda, a conduta negativa de se absterem de quaisquer actos de execução daqueles, por forma a assegurar o exercício do direito à greve oportunamente decretado pelo Requerente, condenando-se ainda a Ministra da Saúde e, solidariamente, todos os membros do Conselho de Ministros, a começar pelo Primeiro Ministro, na sanção compulsória por incumprimento por cada dia em que, após a intimação, tal se verifique, em montante a fixar pelo Senhor Juiz Conselheiro mas que, dada a relevância dos bens jurídicos violados, o elevado número de pessoas atingidas e a gravidade e elevado grau de intencionalidade da conduta, se entender dever ser fixada em montante não inferior a 10.000,00€ diários”.

  1. Devidamente citados, os requeridos CM e MS vieram apresentar conjuntamente a sua resposta, defendendo-se por excepção, por impugnação e colocando ainda uma questão prévia.

    2.1.

    Quanto à questão prévia, tem a mesma que ver com a suposta “ambiguidade do peticionado”. Em relação a ela alegam, em resumo, o seguinte: “23.º Solicita o requerente, como já se identificou, que venha nestes autos a ser proferida uma decisão de mérito que: (i) ou, a título principal, “imponha a conduta positiva da revogação do ato administrativo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 e da Portaria n.º 48-A/2019”; (ii) ou, subsidiariamente, “imponha [ao Governo e à Ministra da Saúde] a conduta negativa de se absterem de quaisquer atos de execução daqueles”.

    24.º Aparentemente linear, tal conjugação de pedidos é, no entanto, estruturalmente ambígua e passível de ser interpretada de dois modos distintos, ambos com suporte no modo como foram expressamente enunciados...

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