Acórdão nº 102/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 102/2019

Processo n.º 1119/2018

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele tribunal, de 8 de novembro de 2018.

2. Pela Decisão Sumária n.º 16/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há-de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Tal requisito não se pode dar como verificado nos presentes autos.

O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade, «das normas dos Artigos 53.º. n.º 2, al. b), 262.º e 273.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), com a interpretação conjugada com que foram aplicadas no douto Acórdão recorrido, segundo a qual, “…cabendo a direção do inquérito ao M.º P.º…”, a ausência de um critério transparente, imparcial e uniforme relativo à tramitação dos inquéritos onde se investiga a prática de um crime de branqueamento de capitais é “…um assunto referente à estrutura e disciplina interna do Ministério Público”, o que significa que é ao Ministério Público que cabe determinar, em ordem á decisão de arquivar, acusar ou intervir hierarquicamente, e “…sem interferências externas daquela magistratura…”, qual o critério de interpretação das normas e o grau de exigência e de rigor na recolha de prova a aplicar em cada inquérito e, ainda que exatamente no mesmo inquérito, relativamente a cada cidadão investigado pelo branqueamento.»».

Sem embargo da falta de idoneidade do objeto do recurso – constituído pela própria decisão judicial e não por qualquer norma legal pela mesma aplicada −, verifica-se que o recorrente não suscitou, seja nas conclusões do recurso que originou a decisão recorrida, seja na resposta ao parecer do Ministério Público, qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada aos preceitos legais referidos no requerimento de interposição do recurso. Pese embora tenha invocado várias disposições constitucionais nessas peças processuais, fê-lo sempre em conjunto com preceitos da lei ordinária e não com o fito de sindicar a validade desta. Assim o revelam, de modo evidente, as afirmações – constantes, respetivamente, das conclusões do recurso e da resposta ao Ministério Público − de que, «[a]ndou mal o JIC a quo no despacho recorrido porquanto proferido em manifesta violação da lei» e «[o MP] optou por ignorar ostensivamente a Lei». Por outras palavras, em causa no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa nunca esteve a constitucionalidade de normas legais aplicáveis na situação que originou a prolação da decisão recorrida, mas a legalidade e constitucionalidade da pronúncia judicial de indeferimento do requerimento apresentado pelo ora recorrente.

A omissão deste pressuposto processual obsta, por si só, a que se possa conhecer do objeto do recurso, justificando-se, por conseguinte, a prolação da presente decisão sumária (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).»

3. De tal decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando as seguintes razões:

«A., recorrente nos autos em epígrafe, notificado da douta decisão sumária proferida pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator de fls. …, pela qual nos termos do nº 1 do Art.º 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional (doravante LTC) entendeu não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto a fls. …, vem daquela, e ao abrigo do disposto no nº 3 do Art.º78º-A da LTC, apresentar

RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA,

o que faz nos termos e pelos fundamentos seguintes:

Nos presentes autos foi proferida a fls. … decisão sumária cujo teor, para imediato esclarecimento, passamos a citar:

«De acordo com alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (…).

Tal requisito não se pode dar como verificado nos presentes autos.

(…) Sem embargo da falta de idoneidade do objeto do recurso – constituído pela própria decisão judicial e não por qualquer norma legal pela mesma aplicada -, verifica-se que o recorrente não suscitou…qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada aos preceitos legais referidos no requerimento de interposição do recurso (…).»

Com base na fundamentação transcrita, decidiu-se sumariamente pelo não conhecimento do objeto do recurso.

Com o devido respeito que é muito e aliás merecido, tal posição, expressa na decisão ora reclamada, é injusta e não emprega corretamente a Lei do Tribunal Constitucional ou a Constituição da República Portuguesa (doravante apenas CRP).

Vejamos:

Consabidamente, «O Tribunal Constitucional, como se acha definido na sua jurisprudência uniforme, não tem competência para avaliar a eventual inconstitucionalidade das decisões judiciais elas mesmas, mas tão-só a constitucionalidade das normas que aquelas expressa ou implicitamente tenham aplicado (…).» - cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional, de 12-10-1988, Proc. nº 86-0106, disponível em www.dgsi.pt.

Ou seja, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, o objeto do recurso é a apreciação da conformidade das normas usadas como ratio decidendi com a Constituição.

Começando por uma mirada ao acórdão recorrido, dali resulta, no essencial, que cabendo a direção do inquérito ao Ministério Público «… como se prevê nos artºs. 53.º, nº2, al. b) e 263.º, n.º 10 do C.P.P. …», é ao Ministério Público que compete «…a realização do conjunto de diligências…conforme art.º 262.º …» e, em conformidade, decidir pelo arquivamento do inquérito, pela dedução de acusação ou pela intervenção...

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