Acórdão nº 663/09.1JAPRT-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução31 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, arguido nos presentes autos e neles melhor identificado, encontrando-se a cumprir pena de prisão depois de ter sido revogada a suspensão de execução da pena vem, ao abrigo do disposto no artigo 31.º da Constituição e dos artigos 222.º e 223.º do CPP, requerer providência de habeas corpus, em petição subscrita pelo seu advogado, nos termos e com os fundamentos seguintes (transcrição): «1. O Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, em concurso real, por um crime de roubo e por um crime de sequestro, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão.

2. A referida pena foi suspensa na sua execução.

3. A suspensão da pena aplicada ao Arguido estava dependente do pagamento da quantia de €1.000,00 ao Ofendido BB e da quantia de €1.250,00 à Ofendida CC.

4. Por douto despacho datado de 04/10/2011, que consta dos autos a fls. 349 e 250, foi revogada a suspensão da execução da pena de quatro anos e seis meses de prisão, que havia sido aplicada ao ora Arguido, por sentença datada de 2/07/2010.

5. Entende o Arguido que aquela revogação é nula, na medida em que nunca poderia ter ocorrido sem que previamente se tivesse procedido à audição do Arguido.

6. O que não ocorreu.

7. Em conformidade com o disposto no artigo 495.º, n.º 2, do CPP, o Juiz, antes de proferir despacho a revogar a suspensão da execução da pena de prisão, deve ouvir presencialmente o Arguido.

8. Ora, não tendo sido cumprido aquele procedimento obrigatório, estamos perante uma nulidade, designadamente a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c), do CPP.

9. A qual se requer seja decretada.

Sem prescindir, 10. Sob a epígrafe «Revogação da suspensão», reza o artigo 56.º, do CP, o seguinte: 1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.

11. São, pois, três os fundamentos da revogação da suspensão: (i) a infracção grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social; (ii) a infração repetida dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social; (iii) e o cometimento de crime durante o período da suspensão.

12. A decisão do tribunal a quo fundamentou-se na alínea a), do n.º 1, do artigo 56.º, do CP, para determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

13. Entende o Arguido condenado que não se encontram reunidas as condições que permitiriam ao tribunal a quo revogar a decisão de suspensão da execução da pena de prisão.

14. Na verdade, durante o período da suspensão não foi cometido pelo Arguido condenado nenhum facto punível.

15. O que constitui uma circunstância que deve pesar no momento de se decidir pela suspensão ou não da decisão de pena de prisão.

16. Por outro lado, não pode ser ignorado que foi por motivos alheios ao Arguido que as quantias em dívida não foram pagas.

17. Numa primeira fase, ao Arguido não possível proceder ao pagamento por desconhecer o paradeiro dos Ofendidos, como decorre de requerimento apresentado pela sua então Defensora.

18. Numa segunda fase, o Arguido ficou profundamente convencido que o valor tinha sido depositado no processo, 19. Na verdade, como decorre do requerimento apresentado pela mãe do Arguido em 11/08/2014, o Arguido providenciou pelo pagamento das quantias de que estava dependente a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, 20. O que, sabe agora, não ocorreu por motivos que o signatário não pretende expor neste processo mas que decorrem clarividentes daquele requerimento.

21. Ora, como ensinam SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, a decisão de suspensão da execução da pena de prisão «com efeito, deve constituir factor de ponderação o cometimento de um facto punível durante o período da suspensão, uma vez que a prognose se refere a que o condenado não cometerá crimes no futuro».

Pois bem, 22. O exercício aqui levado a cabo – de aferir o cumprimento individual de cada uma das sanções aplicadas por parte do Arguido Condenado – não foi efectuado pelo tribunal a quo, que concentrou a sua fundamentação apenas no não cumprimento do dever de pagamento da indemnização.

23. A decisão de revogação da suspensão centrou-se unicamente na falta de cumprimento respeitante à indemnização em que o Arguido foi condenado.

24. Conforme tem vindo a entender unanimemente a doutrina e a jurisprudência, não é qualquer incumprimento de um dever ou conduta imposta que constituirá motivo legal de revogação da suspensão da execução da pena, 25. Devendo essa apreciação ser cuidada e criteriosa, de modo a que apenas uma falta grosseira determine a revogação.

26. Seguindo os ensinamentos da autorizada doutrina de SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, «o não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional. Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências que este preceito contem» .

27. Continuam os prestigiados autores dizendo que «…o tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão. É que, em lugar de revogar a suspensão, o tribunal pode impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção. Pode, por exemplo, fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento dos deveres que condicionam a suspensão, impor outras obrigações ou regras de comportamento, ou agravar as exigências no plano de reinserção; ou prorrogar o período de suspensão.

28. Nem toda a violação dos deveres impostos deve conduzir à revogação da suspensão, já que isso seria frustrar a intenção do legislador na sua cruzada contra a pena de prisão. Daí que a revogação da suspensão tenha que ser vista como um recurso in extremis e sempre condicionada pelas apertadas limitações contidas no art. 56.º do Código».

29. A revogação da suspensão está, pois, pensada para «situações-limite», nas quais o condenado teve uma atuação «significativamente culposa, que põe por terra a esperança que se depositou na sua recuperação».

30. Só se verificará uma infração grosseira quando exista uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade.

31. Ademais, não obstante se considerar que a suspensão constitui uma verdadeira pena e como tal deve ser percecionada pelo condenado, ora Arguido, o certo é que a sua aplicação justifica-se sobretudo atendendo às necessidades de prevenção especial, onde impera a ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência, atendendo à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior ou posterior ao facto punível e às circunstâncias deste.

32. Neste sentido se pronuncia PINTO DE ALBUQUERQUE: «o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT