Acórdão nº 916/18.8T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMATA RIBEIRO
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA O Ministério Público instaurou ação declarativa com processo comum contra bb e cc, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo Local Cível de Setúbal - J1) pedindo a anulação da divisão de prédio rústico, titulada por escritura de justificação outorgada em 31/08/2015, salientando em sustentação do peticionado, em síntese: - Os réus outorgaram escritura de justificação notarial, na qual declararam serem donos e legítimos possuidores, em comum e sem determinação de parte ou direito, do prédio rústico sito em Venda do Alcaide, freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, composto de terreno hortícola, com a área de 3500 m2, que confronta do norte com Gilberto S…, do sul com António J…, do nascente com Rua Humberto Delgado e do poente com António M…, inscrito na matriz predial sob parte do artigo …, da secção G, anteriormente art.º … da secção G, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º …, da referida freguesia; - Na data da escritura os réus desanexaram este prédio do referido prédio rústico o qual tem a área de 0,7000 ha, composto de cultura arvense (área de 0,4500 ha), pomar de laranjeiras, pomar de ameixeiras, pomar de damasqueiros e vinha com pomar de macieira (0,1500 ha), ou seja cultura em regime de sequeiro e não na data que indicam na escritura, sendo tal fracionamento proibido pelo art. 1376.º n.º 1 do CC e Portaria n.º 202/70 de 21.04, pelo que são negócios anuláveis.

Citados os réus vieram contestar, alegando que o prédio foi objeto de divisão e doação verbal em 1969, estando na posse do terreno desde essa data, em resultado dos pais da primeira ré terem dividido fisicamente o terreno em duas partes e o terem doado verbalmente à filha, exercendo o direito de propriedade, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja, adquirindo-a por usucapião.

Concluindo pedem a improcedência da ação.

Saneado o processo e realizada audiência final, veio a ser proferida sentença que julgou improcedente a ação e absolveu os réus do pedido.

* Inconformado, veio o autor interpor recurso, terminando nas suas alegações por formular as seguintes conclusões: A - O Ministério Público veio pedir a juízo a anulabilidade do ato declarativo titulado na escritura outorgada pelos Réus no dia 31 de agosto de 2015, no Cartório Notarial de Maria Teresa Morais Carvalho de Oliveira, em que justificaram a posse do prédio rústico sito em Venda do Alcaide, Freguesia de Pinhal Novo, concelho de Setúbal, composto de terreno hortícola, com a área de 3.500 m2, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o nº …, da referida freguesia e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, da Secção G, com a área total de 7.000 m2.

B - O julgador concluiu pela validade da escritura de justificação notarial, entendendo que o fracionamento não ocorreu com a celebração da escritura, mas no momento do início da posse, data em que inexistia portaria a fixar a unidade mínima de cultura para o distrito de Setúbal, pese embora vigorasse a Lei nº 2116, de 14.08.1962, que mandava fixar a unidade mínima de cultura.

C - Na hipótese de aplicação da Portaria 202/70, o tribunal recorrido concluiu pela prevalência da usucapião sobre as regras relativas ao fracionamento dos prédios rústicos aptos para a cultura.

D - O Autor discorda de tais posições, porquanto, e desde logo, o fracionamento ocorreu com a escritura notarial de justificação e não antes, sendo, pois, aplicável a Portaria nº 202/70, de 21 de abril que, para terrenos de sequeiro, fixou a unidade mínima de cultura, para o distrito de Setúbal, em 7,5 ha.

E - A matéria descrita nos Factos não provados é irrelevante, porque conclusiva ou de direito.

F - É no momento em que é outorgada a escritura de justificação que a usucapião se torna conhecida e, por isso, só a partir dessa data é que eventuais prejudicados com o ato de fracionamento violador das regras existentes, e o próprio Estado, podem reagir do mesmo, por terem, a partir de então, acesso a um documento que titula a ilegalidade.

G – Não se divisa a que outro ato, para além do ato da escritura, se refere o artº. 1379º, nº 3 do Código Civil.

H - Antes da escritura não temos um ato celebrado, mas uma divisão material.

I - Acresce que em 1969, data referida como início da posse, já estava em vigor o Código Civil de 1966, que proibia - e proíbe - o fracionamento ilegal de prédio apto para a cultura em violação da unidade mínima de cultura.

J - No entanto, não tinha, ainda, sido regulamentada a unidade de cultura fixada para cada zona do país, a que alude o artº. 1376º do Código Civil, pelo que, a entender-se o fracionamento em 1969 – como o fez o tribunal recorrido - seria sempre aplicável o artigo 107º do Decreto nº 16731, de 13.04.1929, estatuindo que: “É proibida, sob pena de nulidade, ainda quando derivada de partilha judicial ou extra-judicial, a divisão do prédio rústico de superfície inferior a 1 hectare ou de que provenham novos prédios de menos de meio hectare”, disposição que somente foi revogada com a entrada em vigor da Portaria nº 202/70, conforme resultava da Base XXXIII, nº 2 da Lei nº 2116, de 14.08.1962 (“Depois de fixada em regulamento especial para cada zona do país, a unidade de cultura de que trata a Base 1, deixam de ser aplicáveis, na zona abrangida, os artigos 106º e 107º do Decreto nº 16731, de 13 de Abril de 1919”).

L - No caso dos autos, o prédio primitivo tem dimensão inferior a 1 hectare e os novos prédios têm área inferior a meio hectare. O fracionamento seria sempre proibido, nesta hipótese, por ferido de nulidade e, como tal, invocável a todo o tempo, nos termos do artg. 294º do Código Civil.

M - O entendimento vertido na sentença recorrida conduziria à situação singular de, por um lado, o Código Civil proibir o fracionamento ilegal de prédio apto para a cultura, mas, por outro lado, “limpar” tal ilegalidade, a coberto da ausência da regulamentação especial da unidade de cultura para cada zona do país, a que alude o artº. 1376º do Código Civil.

N - O prédio … Secção G, da freguesia de Pinhal Novo, tem a área de 0,7000 ha e é composto por parcelas de cultura arvense, pomar de laranjeiras, pomar de ameixeiras, pomar de damasqueiros, vinha com pomar macieira, sendo que o prédio desanexado, com a área de 3.500 m2 é composto de terras de semeadura e árvores de fruto.

O - A área do prédio destacado é inferior à área de cultura mínima, conforme o artº. 1376º, nº 1 do Código Civil e Portaria nº 202/70, de 21 de abril, que é para este tipo de terrenos - regime de sequeiro - de 7,5ha.

P - A prolatada sentença reconheceu que o fracionamento / destacamento é proibida nos termos do citado artigo.

Q - No entanto, o julgador, remetendo para a jurisprudência que citou, concluiu pela prevalência da usucapião sobre as regras atinentes ao fracionamento de prédios rústicos aptos para a cultura.

R – Não acompanhamos tal entendimento, desde logo, porque a proibição da divisão de terrenos aptos para a cultura em unidades cuja área seja inferior à unidade de cultura mínima, imposta pelo artº 1376º do Código Civil, assenta em interesses de natureza pública, na defesa do aproveitamento e viabilidade económica das explorações agrícolas, que afetam toda uma comunidade.

S - No confronto entre interesses, seja a estabilidade e certeza nas relações jurídicas, que subjaz à usucapião, seja o interesse no aproveitamento e viabilidade das explorações agrícolas, deve prevalecer este último, por ser de grau superior, conforme resulta do disposto no artº. 335º, nº 2 do Código Civil, pois envolve e afeta toda a comunidade nacional e não apenas os próprios interessados.

T - O novo regime, resultante da nova redação do artº. 1379º do Código Civil, cominando com a nulidade os atos de fracionamento que não respeitem a unidade mínima de cultura, reflete a visão do legislador no sentido de reforçar a imperatividade da referida norma, na...

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