Acórdão nº 2046/16.8T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 2046/16.8T8STR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 5 I – Relatório (…), viúva, residente na Rua (…), n.º …, em Fátima, Ourém, instaurou contra Banco BIC Português, S.A., com agência na Rua (…), n.º (…), (…), Santa Catarina da Serra, acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação da ré no pagamento da quantia de € 275.000,00 a título de capital e juros vencidos, bem como nos vincendos; subsidiariamente, e para o caso de assim não ser entendido, pediu fosse declarado nulo e ineficaz em relação à demandante eventual contrato de adesão que a R. invoque para ter aplicado em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 os € 250.000,00 que lhe entregou, condenando-se a mesma a restituir o montante de € 275.000,00 correspondente à quantia entregue e juros vencidos, e ainda nos vincendos, mais pedindo a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 5.000,00 a título de reparação pelos danos de natureza não patrimonial sofridos. Para tanto alegou, em síntese, ser cliente do Banco R., antigo BPN, na agência de Santa Catarina da Serra, sendo titular da conta DO que identificou. Em Outubro de 2004 o gerente da agência disse-lhe que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada, vindo a aplicar o montante de € 250.000,00 que a demandante mantinha em depósito na instituição na aquisição de obrigações SLN Rendimento Mais 2004. A demandante, como era do conhecimento daquele funcionário, não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitissem à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, o que não foi feito, sendo certo que só prestou a sua autorização por lhe ter sido dito que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais, e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando para tanto avisar a agência com a antecedência de três dias. Ficou assim a demandante convencida que aplicava o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, ou seja, num produto com risco exclusivamente Banco, sendo certo que, caso tivesse compreendido que estava a comprar obrigações de uma outra entidade, nunca autorizaria tal operação. Sucede que em Novembro de 2015 o Banco R. deixou de pagar os juros, atribuindo a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade cuja existência era até então desconhecida da demandante, que nunca foi informada da compra das obrigações subordinadas emitidas por tal sociedade, tendo recebido informação distorcida quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição e prazos de reembolso, que nunca teria aceitado caso lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e sem que o capital fosse garantido pelo próprio Banco. O Réu é o depositário da quantia de € 250.000,00, que deveria ter aplicado em DP com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses, vendo-se agora a demandante confrontada com a subscrição de produtos de risco, sem que o montante de capital investido se encontre garantido no prazo de maturidade, que in casu já ocorreu, não lhe tendo sido restituído, estando o demandado igualmente em incumprimento quanto ao pagamento dos juros acordados, uma vez que contratou uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros na ordem de 1%, desde Maio de 2009 e até Novembro de 2015. O Banco R. foi apresentado pelo gerente como garante da aplicação financeira em causa, do que deriva igualmente a sua responsabilidade pela restituição do capital e juros vencidos. Tendo finalmente alegado que a descrita situação lhe vem causando preocupação e ansiedade constantes, dado o receio de não reaver as economias de uma vida, reclamou indemnização para ressarcimento dos danos de natureza patrimonial sofrido em montante não inferior a € 5.000,00. * Citado, o R. apresentou contestação, peça na qual se defendeu por excepção, invocando a nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial com fundamento na ininteligibilidade da causa de pedir, incompetência em razão do território e prescrição. Em sede de impugnação alegou que a autora mostrou desde sempre apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, sabendo o que estava a subscrever, sendo verdadeira toda a informação que então lhe foi prestada, já que “dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro com a subscrição daquelas obrigações”, “acabando o seu incumprimento por ser determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como essa nacionalização foi determinada, separando o Banco do restante grupo de empresas”. Reiterou que a autora estava habituada a subscrever produtos diferentes dos DP, conforme era o caso, “tendo este a única diferença de não ter sido efectivamente reembolsado o investimento – apesar de ser, à data da subscrição, um produto seguro”. Impugnando o mais alegado, concluiu pela improcedência da acção. * Respondeu a autora, pugnando pela improcedência das excepções, tendo alegado ex novo a nulidade do contrato celebrado por ausência da sua redução a escrito[1], com a consequência de dever ser restituída a quantia entregue. * Foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, que declarou improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de incompetência territorial, relegando a apreciação da prescrição para momento ulterior. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, em cujo termo foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou a ré a pagar à A. a quantia de € 250.000,00, acrescida de juros à taxa legal, contados desde 05.09.2016 até integral pagamento. Inconformada, apelou a ré e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentou as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final, com frontal desrespeito pelo comando do n.º 1 do art.º 639.º do CPC, as seguintes (83) conclusões: I. O Banco Recorrente não pode assim concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 2, 5, 6 e 7. II. Considerando a prova testemunhal produzida e o depoimento de parte prestado (cujas passagens essenciais que aqui se dão por integralmente reproduzidos), bem como os documentos 1 e 2 juntos com a contestação deverá ser alterada a matéria de facto retirando a referência à garantia pelo BPN, ou risco exclusivamente banco constante dos factos provados nºs 2, 6 e 7 dos factos provados. III. Deveria assim ter sido dado como não provado o facto constante do ponto 5. IV. Tendo ainda em conta o depoimento da Autora nas passagens acima assinaladas deveria ainda ter sido dado como provado o seguinte facto: “A Autora tomou conhecimento da subscrição das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 em Outubro de 2009”. V. O Tribunal a quo condenou o Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter dito à Autora que a aplicação financeira tinha “garantia de capital e juros” no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa. VI. O uso dessa expressão apenas pode ser visto como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade. VII. É utópico pretender ver nessa singela referência qualquer espécie de garantia absoluta do investimento, até porque essa garantia não existe. VIII. Mesmo que se compare o investimento efectuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo – essa garantia não existe, sobretudo até considerando que uma hipótese de insolvência da instituição bancária sempre redundaria na cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos que, à data do investimento se cifrava em apenas 25.000,00 euros, o que seria fraco consolo para ressarcir uma perda de investimento de 50.000,00 euros. IX. O Tribunal a quo parece considerar que a aplicação financeira era afinal um “produto de risco”, pelo facto do Autor não ter recebido o capital investido no final do prazo. X. Porém esse raciocínio é uma falácia, pois confunde a causa com a consequência. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco. XI. Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos. XII. As obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu, detendo-o até a 100%. XIII. O investimento efectuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”. XIV. Pelo que o investimento efectuado era então adequado a alguém como o Recorrente. XV. A sentença recorrida merece censura por tratar indistintamente os deveres que incidem sobre o intermediário financeiro, sem cuidar de perceber o momento ou o negócio a que dizem respeito e em função do qual devem ser cumpridos. XVI. Os deveres de informação podem ser categorizados segundo o momento em que devem ser cumpridos (informação pré-contratual ou informação contratual) ou também segundo a estrutura própria dos negócios de intermediação financeira. XVII. Trata-se, em suma, de sistematizar os deveres de informação, consoante se referem: i) ao negócio de cobertura – a saber, o contrato de intermediação propriamente dito celebrado entre o intermediário financeiro e o cliente –; ii) ao negócio de execução – a saber, os contratos que o intermediário celebra com terceiros com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo negócio de cobertura, ou até mesmo os...

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