Acórdão nº 857/18.9T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução28 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA - Sociedade Financeira de Crédito, S.A.

, instaurou na Instância Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal o presente procedimento cautelar comum, contra BB, pedindo que seja decretada a apreensão imediata do veículo automóvel de marca Mercedes-Benz, modelo C220, D Station, com matrícula …-QQ-… e respetivos documentos, e a sua entrega à requerente.

Alegou, em síntese, ter celebrado com o requerido um contrato de alugar de longa duração, mediante o qual lhe facultou o gozo e fruição do referido veículo, em contrapartida do pagamento, por aquele, dos alugueres contratados, sendo que o requerido deixou de pagar os alugueres a que estava obrigado, pelo que a requerente enviou-lhe uma carta registada com aviso de receção datada de 21.11.2017, concedendo um prazo adicional de 15 dias para o respetivo cumprimento, sob pena de o contrato se considerar resolvido, com as respetivas consequências, designadamente, a obrigação de proceder à imediata devolução do veículo automóvel objeto do contrato, mas o requerido nada pagou e também não procedeu à entrega do veículo.

A Sr.ª Juíza do Juízo Local Cível de Setúbal – Juiz 2, a quem o processo foi distribuído, declarou aquele Tribunal territorialmente incompetente e determinou a remessa dos autos ao Juízo de Competência Genérica de Santiago do Cacém, por ser o competente para o julgamento do procedimento cautelar, vindo os autos a ser distribuídos ao Juiz 2.

Dispensada a audição do requerido, foi designado dia para inquirição das testemunhas arroladas pela requerente, tendo-se procedido à inquirição da única testemunha presente, prescindindo o ilustre mandatário das testemunhas faltosas, conforme resulta da respetiva ata a fls. 34-35.

Posteriormente foi proferida decisão que julgou improcedente a providência cautelar requerida.

Inconformada, a requerente apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com as seguintes conclusões[1]: 1. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente o procedimento cautelar, uma vez que julgou não se encontrar verificado um dos requisitos exigidos para o decretamento de um procedimento cautelar, nomeadamente a probabilidade séria da existência do direito – “fumus boni iuris” 2. O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão com base em duas premissas: a. A interpretação efetuada do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, conjugado com a cláusula 14.ª das Condições Gerais do Contrato de Aluguer de Longa Duração a Consumidor n.º 93240 (doravante “ALD”) e b. No facto de não ter sido junto o comprovativo postal referente ao envio da carta de interpelação remetida para o Requerido/Recorrido.

  1. Ora, e salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Recorrente conformar-se com o entendimento plasmado na sentença do Tribunal a quo.

  2. Resulta dos factos dados como provados, no ponto 11 e 12, que as partes acordaram que as comunicações efetuadas à luz do contrato de ALD seriam efetuadas para as moradas previstas no dito Contrato e que a morada do Requerido é “…, Vila Nova de Santo André.

  3. Sucede que, no entendimento da Recorrente, o facto dado como provado no ponto 10 não retrata corretamente a realidade.

  4. O Tribunal a quo considerou como provado que a Recorrente remeteu carta registada, com aviso de receção, destinada ao Requerido e endereçada para o P…, Vila Nova de Santo André.

  5. Para tal facto, baseou-se única e exclusivamente no registo de enviado devidamente carimbado pelos CTT, conforme o Tribunal a quo refere nas suas motivações (2.1.3).

  6. Facilmente se percebe que o documento n.º 4 apresentado pela Recorrente na sua petição inicial existe um lapso, uma vez que foi junta a carta enviada ao Requerido para a morada contratualmente prevista, mas foi junto um registo dos CTT para outra morada.

  7. Tal facto passou completamente despercebido à ora Recorrente, uma vez que se se tivesse apercebido do ocorrido teria corrigido tal lapso.

  8. Aparentemente, o Tribunal a quo também não tomou conhecimento do lapso aquando da realização da inquirição de testemunhas, ocorrida em 23-03-2018, uma vez que essa temática não foi suscitada pelo mesmo.

  9. Contudo, a própria sentença recorrida menciona que a testemunha arrolada pela Recorrente refere que foram enviadas notificações para duas moradas distintas.

  10. Isto significa que o Tribunal a quo sabia que tinham sido remetidas duas cartas para moradas distintas, facto este que não podia ser ignorado.

  11. Assim, tendo constatado o lapso na junção do registo dos CTT, o Tribunal tinha, no entendimento da Recorrente, o dever de convidar a Recorrente a corrigir tal lapso.

  12. Tal dever resulta expressamente do dever de gestão processual, previsto no artigo 6.º do CPC, bem como do princípio da cooperação, extensível aos magistrados, previsto no artigo 7.º do CPC, uma vez que coloca o ónus sobre de juiz de convidar as partes a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes 15. Por sua vez, o artigo 5.º do CPC refere que factos devem ser considerados pelo juiz, dos quais se salientam os previstos na alínea b) do n.º 2, ou seja, factos complementares às alegações das partes, in casu, o registo dos CTT correto.

  13. Nestes termos, no entendimento da aqui Recorrente, o Tribunal a quo, com vista à obtenção da justa composição do litígio, deveria ter convidado a ora Recorrente a juntar aos autos o registo dos CTT correto e associado à carta junto da pela Recorrente na sua petição inicial.

  14. Ao não fazê-lo, o Tribunal a quo incorreu numa nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 195.º do CPC, prejudicando, por conseguinte, a justa composição do litígio.

  15. Neste sentido (questão da nulidade) veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 12-10-2017 e os Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 03-05-2016 e 20-12-2016.

    Continuando, 19. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo entendeu que as prestações vencidas não perfazem 10% do montante total do crédito.

  16. Saliente-se que a cláusula 14.ª, n.º 1 das Condições Gerais do Contrato de ALD é uma “cópia” do regime legal previsto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho (doravante DL 133): 21. Salvo o devido respeito, que é muito, o artigo 20.º do DL 133 e a cláusula 14.ª, n.º 1 do Contrato de ALD não podem ser interpretados, conforme o Tribunal a quo o fez.

  17. O Tribunal a quo considerou o montante total financiado em 10-12-2015, para aferir os 10% previstos no diploma legal ou no contrato.

  18. Seguindo este raciocínio, a ora Recorrente só poderia resolver o Contrato de ALD quando estivesse em dívida o montante total de EUR 5.417,85, 24. No caso em apreço, assumindo os alugueres mensais de EUR 742,36, seria necessário que a Recorrente aguardasse pelo incumprimento do Recorrido de pelo menos 8 meses.

  19. Adotando este raciocínio, nada obsta que o Requerido liquidasse somente o 8,° aluguer, deixando os restantes 7 por regularizar, para impedir que a Recorrente resolvesse livremente o Contrato de ALD.

  20. Por esta lógica, um locatário consumidor, pode, durante toda a vigência do contrato de locação, incumprir 9,99% do crédito total financiado, sem que o locador possa resolver o contrato.

  21. Mantendo-se o raciocínio aplicado pelo Tribunal a quo, o não preenchimento dos 10%, calculados sobre o montante total financiado, até praticamente ao término do contrato, poderia acarretar num incumprimento total de EUR 31.532,60 (7 x EUR 742,36 + EUR 26.336,08 da última prestação), correspondente a 58,20% do total montante financiado.

  22. A breve explicação aqui apresentada demonstra que o artigo 20,° do DL 133 e a cláusula 14.º, n.º 1 do Contrato de ALD não podem ser interpretados nesse sentido.

  23. O DL 133 sub judice não pode servir para criar subterfúgios para os consumidores se escudarem ao cumprimento das suas obrigações.

  24. Contudo, a interpretação do Tribunal a quo permite, salvo o devido respeito, o incumprimento do contrato desde o seu primeiro dia de vigência até ao seu término, desde que o consumidor...

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