Acórdão nº 19/17.2GAELV-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução09 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

A - Relatório: Nestes autos de processo comum colectivo supra numerado que corre termos no Tribunal da comarca de Portalegre – Juízo Local Criminal de Elvas – a Mmª Juíza, por despacho de 19-08-2017 e que consta do processo a fls. 190-200 (102 a 105 deste recurso processado em separado) decidiu indeferir a alegação de nulidade da revista efectuada à arguida e manter a medida de prisão preventiva aplicada.

* Inconformado com aquela decisão dela interpôs a arguida BB o presente recurso, com as seguintes conclusões: I. O Tribunal a quo considerou que, em virtude de a recorrente ser de nacionalidade estrangeira e ter-se feito deslocar num táxi a Madrid, alegadamente para adquirir produtos alimentares, os OPC tinham fundada razão para crer que a recorrente estaria a “ocultar objetos relacionados com o crime” (fosse ele qual fosse!).

  1. Ao fundar as suspeitas dos OPC na nacionalidade da arguida, tanto os OPC, como o próprio Tribunal a quo, incorreram na violação inequívoca de tal princípio constitucional – basilar num Estado de Direito – que proíbe expressamente a descriminação em virtude da ascendência, território de origem e raça.

  2. Jamais poderiam os OPC – e muito menos o Tribunal a quo – fundar quaisquer suspeitas da prática de um crime, na nacionalidade da arguida. Nenhuma nacionalidade pode ser, à partida, uma nacionalidade suspeita, muito menos quando, como é caso da arguida, essa cidadã estrangeira reside em Portugal há mais de 14 anos.

  3. E, para mais, o Tribunal a quo ignorou outro requisito previsto no art. 251º, n.º 1 do CPP: a necessária existência de iminente perigo de fuga ou a detenção prévia. Quanto à detenção prévia da arguida, não restam quaisquer dúvidas que não existiu, pelo que cabe avaliar a existência de iminente perigo de fuga. Quanto a esse requisito legal, o Tribunal a quo nem sequer se pronunciou – a não ser que, mais uma vez, tal receio se presuma do facto de a recorrente ter nacionalidade estrangeira… V. O perigo de fuga exigido na lei para que possam ser realizadas buscas e revistas é um perigo de fuga imediato e concreto. No caso em apreço, a arguida encontrava-se a viajar num veículo do qual não era a condutora, já estava inclusivamente fora do mesmo, em plena autoestrada. Será difícil, para não dizer impossível, sustentar que no caso em apreço existia algum perigo de fuga concreto, muito menos que o mesmo fosse iminente.

  4. Como resulta do auto de notícia, não houve por parte dos OPC qualquer receio de fuga iminente por parte da arguida, ora recorrente.

  5. Quer a Lei, quer a doutrina e jurisprudência são muito claras: não existindo perigo de fuga iminente (ou detenção prévia) para além das fundadas razões para crer que a arguida oculta provas da prática de crime – que também não existiam, conforme já alegado supra – sem prévia autorização judicial, ou cumprido qualquer dos requisitos constantes do art. 174º, nº 5 do CPP, não se encontra justificada a revista ou busca a suspeito. Nem tal seria compreensível. O art. 251º do CPP representa uma verdadeira exceção ao regime geral das revistas e buscas – que já ele compreende exceções.

  6. Nem existiam fundadas razões para crer que a recorrente ocultava qualquer produto do crime, nem tampouco existia qualquer perigo e fuga iminente ou detenção prévia. Mais: se, por absurdo, se considerasse que as circunstâncias mencionadas pelo Tribunal quo (i.e. a nacionalidade estrangeira da recorrente, o facto de se deslocar de táxi e tear ido a Madrid comprar géneros alimentares para o seu restaurante) constituíssem fundada razão para a busca à bagageira, já não justificariam a revista à bolsa da recorrente, após a confirmação da existência das bebidas e géneros alimentares e a inexistência de quaisquer estupefacientes.

  7. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, quer a busca à bagageira, quer a revista à recorrente foram realizadas fora do quadro previsto no art. 251º do CPP e, como tal, a prova assim obtida é nula nos termos do disposto nos arts 126º, n.º 3 do CPP. Pelo exposto, ao indeferir a arguida nulidade da prova e do processo o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 126º, n.º 3, 174º e 251º do CPP e 13º e 32º da CRP.

  8. Ao referir que a arguida acompanhou os militares da GNR à bagageira do táxi e que, por isso, prestou o seu consentimento o Tribunal a quo ignorou três elementos fundamentais: XI. O táxi não era propriedade da arguida, pelo que não lhe cabia a prerrogativa de autorizar a busca à bagageira do mesmo. Esta caberia ao proprietário do veículo, que se encontrava no local e, segundo se extrai do teor do auto de notícia, não consentiu na realização da busca.

  9. Mesmo que assim não fosse, e a arguida pudesse consentir na busca a um veículo automóvel que não lhe pertence, a mesma jamais consentiu na realização de tal busca, nem tal consentimento está documentado no processo.

  10. Além de não ter consentido na realização da busca à bagageira, a recorrente tampouco consentiu na revista à sua mala, carteira e outros bens pessoais e privados.

  11. E nem se pode entender que o putativo consentimento para a busca à bagageira do táxi se propagaria por contágio, a todas as suas posses, permitindo por essa via a realização da revista. Até porque estamos perante dois institutos jurídicos distintos: uma busca e uma revista. O que consta do auto de notícia quanto à revista à arguida é o seguinte: “De seguida passei revista à mala que a senhora trazia e entre os seus objetos pessoais numa bolsa lateral (…)”. Mesmo que a mera descrição de consentimento no auto de notícia fosse suficiente – o que, conforme se verá infra, não é – resulta claro que não existiu qualquer consentimento quanto à revista da mala e dos objetos pessoais da arguida.

  12. Ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, a circunstância de, no auto de notícia, constar que a arguida consentiu numa busca ou revista, não basta para considerar-se cumprida a exigência legal de documentação do consentimento.

  13. Mais: do auto de apreensão que se encontra assinado pela arguida não consta qualquer consentimento, sendo certo que a própria menção no auto de notícia ao alegado consentimento nem sequer diz respeito à revista e tampouco é válido pelas razões supra expendidas, porque não se encontra assinado pela arguida. Destarte, o Tribunal a quo não poderia entender que a recorrente prestou o seu consentimento válido à realização quer da busca à bagageira do táxi quer à sua mala, pelo que não podia ter fundado, nessa circunstância, a legalidade da prova obtida.

  14. Por tudo o supra exposto, não poderia o Tribunal a quo julgar válida a prova obtida através do meio de prova de revistas e buscas, devendo por isso V. Exas. revogar tal decisão, julgando nulas as provas obtidas através da revista da arguida, sendo por isso proibidas nos termos do art. 126º, n.º 3 do CPP.

  15. Se é verdade que a recorrente não apresentou uma nova estória para justificar a ida a Madrid, tal assim foi porque nada de novo pode ser dito quanto a uma versão que já corresponde à verdade e à realidade dos factos.

  16. A recorrente juntou provas que tem trabalho regular desde, pelo menos, 2006 (docs. 1 a 3), de que é sócia-gerente de uma sociedade comercial desde 2015 (docs. 9 e 10), que paga impostos em Portugal (doc. 22), que se encontrava em vias de abrir um novo restaurante no Mercado de Arroios (docs. 14 a 21). A recorrente juntou ainda o último contrato de arrendamento, celebrado em 2015 (doc. 25) e que demonstra que mesma possui morada fixa e estável. Deste modo, salvo melhor opinião, não podia o Tribunal a quo concluir que os factos relatados pela recorrente não têm qualquer apoio na prova produzida. Toda a prova carreada juntamente com o pedido de revogação da medida de coação demonstra precisamente o contrário – e era essa a única conclusão possível por parte do Tribunal: a arguida é empresária, com vida estabilizada em Portugal há 14 anos.

  17. Sem que haja outros elementos que possam demonstrar, in casu, o perigo de fuga, a nacionalidade da arguida não pode ser entendida como um elemento automaticamente indiciador da existência de qualquer tipo de perigo de fuga. Acresce que a recorrente nem é cidadã comunitária, pelo que a sua movimentação no espaço europeu é particularmente arriscada, nomeadamente se o Tribunal lhe apreendesse o passaporte, como foi sugerido no pedido de modificação da medida de coação.

  18. A nacionalidade da recorrente não permite – não pode permitir! – fundamentar a conclusão da existência de perigo de fuga, sob pena de se legitimarem comportamentos xenófobos e inadmissíveis num Estado de Direito, como é a presunção de que esta ou aquela nacionalidade é suspeita de praticar crimes, de fugir à Justiça ou de quaisquer outros epítetos.

  19. A recorrente tem atualmente 38 anos e vive em Portugal desde os 24. Significa isso que a maior parte da sua vida ativa tem sido passada em Portugal. É do senso comum que uma pessoa colocada nas circunstâncias da recorrente esteja profundamente ligada a Portugal, tendo a sua vida e relações pessoais, sociais e profissionais organizadas no nosso país. Tal conclusão não é minimamente afetada pelo facto dos familiares terem ficado no país de origem… XXIII. E mais: com o devido respeito, não é minimamente plausível que, passados 14 anos a viver em Portugal, alguém tome de ânimo leve a decisão de fugir para outro país pelo facto de não ter familiares a residir em Portugal… Assim, também este pressuposto – além de não corresponder à verdade – não permite fundamentar a existência de perigo de fuga.

  20. E mais se dirá acerca da consideração sobre a facilidade de deslocação a Madrid. Ora, tal facilidade ocorre com todos e cada um dos mais de...

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