Acórdão nº 494/18.8T8STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 494/18.8T8STB-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I - RELATÓRIO 1.

AA apresentou-se ao Processo Especial para Acordo de Pagamento, previsto nos artigos 1.º, n.º 3, e 222.º-A a 222.º-I, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[3], tendo vindo juntar aos autos o acordo de pagamento, o qual foi publicado na mesma data, tudo ao abrigo do disposto no artigo 222.º-F, n.º 2, do CIRE.

  1. No decurso do prazo de votação, vieram os credores Banco BB, SA e CC, Sucursal em Portugal da SA …, votar contra o acordo de pagamento junto aos autos, ambos invocando que não tiveram conhecimento prévio do acordo, nem participaram nas negociações, e ainda: O credor Banco BB, SA aduzindo que o acordo não contempla o montante das prestações mensais a pagar mensalmente pela devedora ficando prejudicada a análise da taxa de esforço da requerente; que não está devidamente clarificado o valor do activo da requerente; que não consta do acordo se o pagamento contempla juros sendo certo que a credora não aceita o seu perdão integral; e finalmente refere ainda que o prazo de 120 meses para pagamento da dívida é excessivo.

    Por seu turno, a credora CC, Sucursal em Portugal da SA …, invocou que não resulta do acordo junto aos autos qual o montante das prestações a pagar mensalmente pela devedora desconhecendo-se assim qual a taxa de esforço da requerente e que o acordo é discriminatório para os credores comuns, pois o Banco BB, SA receberá a totalidade do crédito e os outros credores comuns apenas 30%.

    Ao invés, a Caixa DD veio referir que vota favoravelmente o acordo de pagamento.

  2. Em 18.12.2017, veio o Senhor Administrador Judicial Provisório juntar aos autos o resultado da votação, de acordo com o disposto no artigo 222.º-F, n.º 4, do CIRE.

  3. Seguidamente o Mm.º Juiz proferiu sentença, onde concluiu que ocorre «(…) violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano que impede a sua homologação, a saber do artº 194º do CIRE, pelo que, nos termos do artº 215º do CIRE, aplicável ex vi do artº 222º-F nº 5 do mesmo diploma há que recusar a homologação do acordo de pagamento apresentado pela devedora e aprovado pela maioria dos seus credores.

    Pelo exposto, nos termos do 222º-F nºs 5 e 6 do CIRE não homologo o acordo de pagamento apresentado pela devedora (…)».

  4. Inconformada, a devedora interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: «A. A sentença sob recurso baseia-se unicamente na alegada “violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano que impede a sua homologação (…)”, por existir uma diferenciação entre créditos da mesma natureza.

    1. No entanto, entende-se não assistir razão nos parcos fundamentos contidos na sentença, da qual se recorre, conforme adiante se demonstrará.

    2. Ora, o acordo de pagamento apresentado pela Devedora passou essencialmente por: “Quanto aos Créditos Comuns, propõe-se: - Perdão de 70% dos valores reclamados e reconhecidos que se encontrem em dívida e o pagamento dos restantes 30% em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas.

      - A primeira prestação vence-se no mês seguinte à data da sentença de homologação do acordo de pagamento.

      Quanto aos créditos do Banco BB (Crédito Automóvel) propõe-se: - Pagamento do montante reclamado em 120 prestações mensais; - Manutenção das demais condições contratualizadas.

      Quanto ao crédito da Caixa DD (Crédito Garantido), propõe-se: - Prolongamento do prazo de pagamento do empréstimo até Julho de 2034; - Manutenção das demais condições contratualizadas; - Manutenção das garantias existentes.

      Quanto ao crédito do Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Setúbal, propõe-se: - Pagamento da totalidade da dívida existente em conta corrente numa Tesouraria da Segurança Social.”.

    3. Assim, apesar de terem sido aplicadas condições diferenciadas ao Credor BB, titular de um crédito automóvel, relativamente aos demais credores comuns, essa distinção foi devidamente justificada por razões objectivas, porquanto, as características inerentes a este crédito fizeram com que as condições de pagamento se distinguissem dos demais, no entanto, ainda assim, o prazo de pagamento do mesmo foi significativamente dilatado, de forma a que a prestação mensal fosse reduzida.

    4. Ademais, justificou-se devidamente o facto deste crédito não ficar abrangido pelo perdão aplicado aos demais credores comuns, essencialmente por existir uma necessidade premente daquela manter na sua esfera jurídica o seu veículo automóvel, relativamente ao qual existe reserva de propriedade, por ser indispensável à sua deslocação para o seu local de trabalho, bem como para levar os seus filhos à escola.

    5. Reitera-se que, sem o automóvel, a Devedora fica impossibilitada de trabalhar, face à ausência de transportes públicos relativamente aos quais possa recorrer para se deslocar, o que a impediria de obter o seu único rendimento, devendo também considerar-se o mesmo imprescindível para transportar os seus filhos à escola, que apenas dependem da mãe, aqui Devedora, que não tem qualquer auxílio por parte do progenitor, quer quanto a este ponto, quer quanto a qualquer ajuda financeira, que o mesmo não presta.

    6. Ora, face ao rendimento da Recorrente, que se cifra na quantia de 557,00 € mensais, não viu a mesma outra alternativa senão aplicar um perdão de 70% dos demais créditos comuns.

    7. Considerando as alterações aplicadas no acordo, a Recorrente, ainda assim, em termos de encargos mensais, vê subtraído cerca de metade do seu rendimento mensal, devendo ainda considerar-se que a restante metade deverá ser suficiente para liquidar as despesas mínimas habituais (água, luz, gás, alimentação e saúde) de um agregado familiar composto por quatro pessoas.

      I. Pelo que, o acordo de pagamento proposto não deixa, contrariamente ao invocado por alguns credores e assentido pela sentença sob recurso, qualquer margem ou “folga” financeira à Recorrente, conforme é facilmente percetível, que viverá com o mínimo indispensável a um cidadão médio.

    8. Vieram também os credores invocar a falta de conhecimento acerca do património da Devedora, no entanto, apesar dessa informação não se reiterar o texto do acordo, encontra-se a mesma devidamente indicada e comprovada por documentação que a suporta na petição inicial - a Recorrente é apenas proprietária do imóvel, sobre o qual incide a garantia hipotecária da DD, e do veículo automóvel com mais de dez anos, sobre o qual incide a reserva de propriedade do Banco BB, S.A.

    9. Mais se relembra que, também em sede de acordo de pagamento, foi explicado que todos os credores ficariam em melhores condições do que aquelas em que eventualmente ficariam, quer na ausência de acordo, quer com a declaração de insolvência da Devedora.

      L. Porquanto, a Recorrente aufere 557,00 € mensais e tem a cargo três filhos que apenas dela dependem, pelo que, num eventual cenário de insolvência, presume-se que lhe fosse concedido, com elevada probabilidade e pelas regras da experiência, o valor mensal entre 2,5 a 3 salários mínimos nacionais, a título de rendimento disponível.

    10. Razão pela qual seria altamente improvável, para não dizer impossível, que os credores comuns fossem ressarcidos de quaisquer montantes, sendo que os únicos credores que se veriam ressarcidos de, talvez parte, do valor em dívida, seria o credor hipotecário e, pelas razões óbvias, o IGSS que, perante este cenário, entenderam ambos dar o seu acordo ao plano apresentado.

    11. Assim, conclui-se que todos os credores, nomeadamente os credores comuns, sempre ficariam beneficiados com o presente acordo, o que não sucederia caso a Requerente fosse declarada insolvente, o que não concebe nem concede.

    12. O mesmo sucederia na ausência de plano, pois, também por essa via, os credores não se veriam ressarcidos, atendendo ao facto da Recorrente auferir o valor correspondente ao salário mínimo nacional e, portanto, impenhorável.

    13. Pelo que, caso não se tivesse aplicado perdão aos credores comuns nos termos em que se fez, situação completamente legítima e legal, conforme se justificou no próprio acordo de pagamento, não seria possível à Requerente viabilizar a sua situação financeira.

    14. Assim, relativamente ao princípio da igualdade, dizem-nos ao Autores Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, que se permite que o plano possa estabelecer diferenciações entre os credores da insolvência, desde que “justificadas por razões objectivas”, sendo que, de entre estas últimas - susceptíveis portanto de justificar um tratamento diferenciado – relevam, por exemplo, a distinta classificação dos créditos, o grau hierárquico que ocupam na respectiva graduação ou mesmo as fontes do crédito.

    15. No entanto, apesar do disposto no artigo 192º, do CIRE, que veda a que no plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos lesados, se sujeite a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações.

    16. Foi precisamente o que sucedeu no caso dos autos, em que se justificou fundamentadamente a razão da distinção entre créditos da mesma espécie, pelo que, esta era e é a única...

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