Acórdão nº 2664/17.7T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 2664/17.7T8STR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Central de Comércio – J2 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Nos autos de Processo Especial para Acordo de Pagamento requerido pelos devedores (…) e (…), o “Banco (…), SA” veio apresentar recurso da decisão que homologa o acordo em causa. * Na parte que interessa o acto recorrido tem o seguinte conteúdo: «O acordo de pagamento teve um quórum deliberativo superior a 1/3 dos créditos com direito de voto (100%) e recolheu voto favorável de 76,54 % dos créditos com direito de voto, conforme documento o resultado da votação remetido pelo AJP.

Não se mostra violada qualquer regra procedimental ou relativa ao conteúdo do plano e não se vislumbra, nem foi alegada, qualquer situação de prejuízo ou desigualdade injustificada para os credores, advinda do mesmo (artigos 215.º e 216.º, ex vi do artigo 222º-F/2, do CIRE).

Não foi requerida a não homologação.

Assim, nos termos do artigo 222º-F/3/5, do CIRE, deve homologar-se por sentença o acordo de pagamentos apresentado, o qual vincula os credores, mesmo os que não hajam participado nas negociações, nos termos do art. 222º-F/8 do CIRE».

* Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões: 1) No caso plano especial para acordo de pagamento verifica-se, desde logo, a insusceptibilidade da sua aprovação, uma vez que, não se verificava o quórum deliberativo necessário à sua aprovação.

2) O juiz não está desprovido de um poder/dever de fiscalização (oficioso) sobre a forma de aquisição processual da maioria que se alcança na votação, assim como do conteúdo do seu exercício, consagrando os artigos 215.º e 216.º CIRE (onde vêm os fundamentos para oficiosamente ou a requerimento de algum credor que a ele se tenha oposto), que o juiz deve rejeitar a homologação de um plano de pagamentos como o que foi proposto nos presentes autos.

3) Tal decorre dos termos do artigo 212, n.º 2, a), CIRE, o voto do Banco (…) Português não poder ser considerado para efeitos de votação, pois o seu crédito não só não sofreu nenhuma modificação como ainda foi bastante melhorado, verificando-se uma antecipação quanto ao seu pagamento em vinte e três anos e dando lugar à concessão injustificada de uma garantia (hipoteca) sobre o mesmo.

4) Nestes termos, tendo presente a ratio do artigo 212.º, n.º 2, a), CIRE, se ao não ver o seu crédito afectado não pode o credor votar participando na deliberação, não o poderá fazer igualmente quando o seu crédito ao nível da garantia e condições de pagamento é clara e desproporcionadamente melhorado.

5) O referido normativo (212.º, n.º 2, a), CIRE) que retira a possibilidade do voto do Banco contar, tem aplicação em sede de Plano Especial de Acordo de Pagamento por via disposto no artigo 222.º-F, n.º 5, in fine, CIRE.

6) Concluindo-se que o Banco não tinha direito de voto e tendo sido o único credor que aprovou o plano (o ora Recorrente e o outro credor … votaram contra), aritmeticamente, não poderia o plano ser aprovado e homologado com base no seu voto favorável de 76,54% do total de créditos (voto unitário, representando mais de 2/3 dos créditos reconhecidos).

7) Realçando-se que o sentido de voto do referido credor só é conhecido depois das partes terem oportunidade de se pronunciar quanto à homologação ou não do plano.

8) Acresce que, o plano deveria sempre ser rejeitado em função da violação do princípio da igualdade, previsto e disposto no artigo 194.º CIRE, e em função do não cumprimento do disposto no artigo 215.º CIRE.

9) O CIRE confere ao juiz, o poder/dever de fiscalização oficiosa do cumprimento dos requisitos do plano (mesmo que plano fosse aprovado por unanimidade), caso se verifique ocorrência de uma violação não negligenciável das regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao seu conteúdo, sendo que as normas relativas ao conteúdo são aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente, como é o caso do princípio da igualdade (artigo 194.º CIRE).

10) De facto, o acordo de pagamentos assenta num tratamento discriminatório injustificado em credores, em clara violação do disposto nos artigos 215.º e 216.º, ex vi do artigo 222.º-F, n.º 2, do CIRE.

11) No que concerne ao credor recorrente o plano prevê o pagamento de € 5.223,64, em 120 prestações mensais no valor de € 43,53, cada uma, saindo o Banco bastante prejudicado face ao inicialmente contratado.

12) Ao invés, a melhoria das condições creditícias do Banco (…) Português, S.A. foi assinalável (menos 23 anos para pagamento e mais garantia) e fez-se à custa de outros créditos, devendo concluir-se que, tal plano ofende o princípio da igualdade, por tratamento desproporcionado, injustificado e não motivado face aos outros credores, nomeadamente, face ao crédito do ora Recorrente Banco (…), S.A.

13) Nessa medida, com fundamento no artigo 222.º-F, n.º 2, em conjugação com os artigos 215.º e 216.º do CIRE, por violação de tal regra que se impunha na definição do conteúdo do plano, designadamente o citado artigo 194.º, deveria tal plano ter sido recusado e, por conseguinte não homologado, devendo revogar-se a sentença de homologação do plano.

14) Pelo que se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 215.º, ex vi do artigo 222.º-F, n.º 2, para a não aprovação do plano.

15) Ademais, as condições previstas para os credores comuns são atentatórias ao princípio da boa-fé que deve delinear as relações contratuais.

16) Sendo que sempre se dirá que o Plano Especial de Acordo de Pagamento serve para reestruturar dívidas e não para reestruturar contratos, mormente quando está em causa o pagamento de uma viatura com extensão de um prazo contratual por mais 120 meses. Uma coisa é alterar-se o prazo de pagamento da divida, outra bem diferente é alterar o contrato quanto à possibilidade de o devedor manter na sua posse uma viatura que não pagou na totalidade, por um período temporal muito superior àquele contratado inicialmente.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e bem assim deve ser revogada e substituída a sentença recorrida por outra que determine a não homologação do acordo de pagamentos e, consequentemente, julgue a sua ineficácia.

* II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).

Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da impossibilidade de voto de um dos credores e do acordo de pagamento violar o princípio da igualdade entre credores.

* III – Dos factos apurados: Do histórico do processo é possível extractar a seguinte factualidade com interesse para a justa decisão da causa: 1) O “Banco (…), SA” reclamou o seu crédito nos autos em epígrafe no valor global de € 5.223,64 (cinco mil, duzentos e vinte e três euros e sessenta e quatro cêntimos) referente ao incumprimento de um contrato de mútuo para aquisição de um veículo automóvel que celebrara com os Recorridos.

2) Nesse acordo foram contratualizadas 60 (sessenta) prestações e o prazo de pagamento terminava em 2020.

3) O “Banco (…) (…), SA” detém um crédito comum no valor de € 8.284,10.

4) O “Banco (…) Português, SA” é credor de um montante de € 44.080,26 relativo a um mútuo garantido por hipoteca em que os recorridos assumiam a qualidade de fiadores.

5) O referido acordo foi outorgado em 06/07/2006, a referida importância seria liquidada em 600 prestações e o termo do prazo de pagamento ocorreria em 2056.

6) O contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre o banco e os mutuários foi resolvido após o incumprimento definitivo do mesmo.

7) O imóvel garantido por hipoteca foi vendido.

8) O plano de revitalização aprovado prevê o seguinte: Quanto aos créditos do “Banco (…) Português, SA”: o pagamento dos valores em dívida em 180 prestações mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros à taxa de 2,25%, com os intervenientes (…), (…) e (…).

Os Devedores comprometem-se a constituir a favor do Banco (…) Português, S.A. hipoteca sobre o direito de superfície sobre o prédio urbano situado na Rua da (…), n.º 34, freguesia da Atalaia...

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