Acórdão nº 81/15.2GGODM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução25 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na secção criminal: 1. No processo comum singular nº 81/15.2GGODM do tribunal de Comarca de Beja, o arguido RM foi absolvido da prática de um crime de furto dos arts. 203.º do CP e do pedido cível contra ele deduzido por JM.

Inconformado com o assim decidido, recorreu o Ministério Público, concluindo: “A. Consideram-se incorrectamente julgadas as alíneas a)---, b)---, d)--- e f) da matéria de facto não provada.

  1. Há uma clara insuficiência da matéria de facto, vício da sentença previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a) do C.P.P., na medida em que, conforme resulta da própria Sentença – com base naquilo que vimos ser os depoimentos do arguido e da testemunha MJ –, teria que ter sido dado como provado que o arguido deu aos seus trabalhadores instruções para o abate das árvores de acordo com o que lhe havia sido indicado pelo senhor MJ--- e que o MJ se deslocou ao seu terreno com o arguido e mostrou-lhe quais eram as estremas.

  2. Nessas circunstâncias, muito dificilmente se concebe que pudesse ter havido um engano, isto porque o MJ se terá deslocado ao terreno juntamente com o arguido e lhe terá mostrado quais eram as estremas, após o que o arguido terá transmitido essas indicações aos seus trabalhadores.

  3. Ao ter dado como provado o que deu em 7., significa isso que nesta parte, pelo menos, não terá acreditado no arguido, terá, antes, acreditado no ofendido, mas se assim é, então, a Mm.ª Juiz não poderia ter acreditado no resto da versão que aquele apresentou.

  4. E, sobretudo, tendo dado como provado o que deu em 7., então, teria necessariamente que ter concluído que o arguido acaba por praticar um crime de apropriação ilegítima, como, aliás, já foi decidido em situação idêntica no douto Acórdão do TRP de 21-06-2017.

  5. Depois de o MJ lhe ter indicado as estremas, o arguido não teria, a partir desse momento, qualquer dificuldade em identificar as estremas, como, de resto, não teve, a fazer fé nas suas declarações, da mesma forma que os seus trabalhadores não teriam experienciado essa dificuldade depois de lhes terem sido dadas indicações nesse sentido por aquele.

  6. Onde será mais difícil reconhecer as estremas é «na zona mais perto do barranco» – como resulta da Sentença – sucede que, ao contrário do que aí se diz, NÃO foi nessa zona onde ocorreu o abate das árvores! H. E se assim fosse, então, o arguido deveria ter adoptado cautelas e ter agido com cuidados redobrados no sentido de evitar a ocorrência de um engano como aquele que alega, designadamente, na sequência das indicações dadas pelo MJ, poderia (e deveria) ter delimitado o terreno com recurso a fitas ou marcações com tinta nas árvores (o que não fez) I. Se, realmente, era assim tão difícil reconhecer as estremas do terreno (que não era) e se, apesar disso, não adoptou quaisquer cuidados para evitar o resultado do tipo que se veio a verificar e se nem sequer estava presente no local, então, forçoso se torna concluir que se conforma com a ocorrência de tal resultado danoso.

  7. O arguido, até mesmo pela actividade profissional a que se dedica, tinha a obrigação (acrescida) de zelar para que não houvesse um engano dessa natureza.

  8. Ainda que o arguido não quisesse intencionalmente (com dolo directo) apropriar-se das árvores do ofendido, certo é que toda a sua actuação, pautada pela mais completa displicência, revela que com esse resultado se conformou (a título de dolo eventual), neste sentido veja-se o douto Acórdão do TRP de 07-11-2012.

    L. E ainda que se pudesse colocar a hipótese de o engano conduzir à exclusão do dolo, o que parece ter sido o entendimento da Mm.ª Juiz com apelo ao disposto no art. 17.º, n.º 1 do C.P. (apesar de nunca o referir expressamente), note-se que, como resulta, por exemplo, do douto Acórdão do TRG de 05-11-2012 e também do douto Acórdão do TRG de 08-09-2014, o erro será censurável, ou não, consoante ele próprio seja, revelador e concretizador de uma personalidade indiferente perante o bem jurídico lesado ou posto em perigo pela conduta do agente. A falta de consciência da ilicitude é censurável quando revela uma atitude de indiferença pelos valores jurídico-penais.

  9. Assim sendo, a ter havido o engano que o arguido quer fazer crer, certo é que a ocorrência do erro é censurável e só a ele é imputável.

  10. Não cremos ter havido qualquer engano da parte dos trabalhadores do arguido, não só pelo que já referimos acima, ou seja, depois de o MJ lhe ter indicado as estremas, o arguido não teria, a partir desse momento, qualquer dificuldade em identificar as mesmas, como, de resto, não teve (a fazer fé nas suas declarações), da mesma forma que os seus trabalhadores não teriam experienciado essa dificuldade depois de lhes terem sido dadas indicações nesse sentido por aquele, daí que muito dificilmente se concebe que pudesse ter havido um engano.

  11. É preciso não esquecer que o corte foi TODO realizado no terreno do ofendido! Não nos dispensamos aqui de reproduzir a constatação da Mm.ª Juiz aquando do interrogatório do arguido (num segundo momento no decurso do julgamento) quando refere a 01:52 a 02:05 que «a descrição que é feita, aqui pelas testemunhas, do terreno que foi cortado, corresponde na íntegra ao terreno do senhor J., não há aqui mais nenhum terreno».

  12. Mas o arguido quer fazer crer que só naquele dia é que teriam invadido o terreno do ofendido e cortado as árvores. Pretende convencer que já andavam há mais dias (há coisa de duas semanas…) a cortar árvores no terreno do MJ e naquele dia, por engano dos trabalhadores, invadiram «um bocado» do terreno do ofendido. É esta a versão do arguido (a qual é COMPLETAMENTE desmentida pela totalidade da prova).

  13. O corte foi TODO realizado no terreno do ofendido, não foi só «num bocado» e já vinha sendo feito há coisa de duas semanas, isto resulta evidente da transcrição que se fez dos depoimentos de cada uma das testemunhas.

  14. Os terrenos (seja o do ofendido seja os que lhe são contíguos de um lado e doutro) desenham-se em linhas rectas, formando rectângulos quase perfeitos e perfeitamente delimitados, como resulta claramente do mapa junto aos autos a fls. 93, e com o qual o ofendido e as testemunhas foram confrontados em julgamento, e bem assim da transcrição que se fez dos depoimentos de cada uma.

  15. Ninguém teve dificuldade NENHUMA em identificar as várias parcelas dos terrenos e onde, porventura, seria mais difícil reconhecer as estremas é – como, aliás, se diz na Sentença – «na zona mais perto do barranco», MAS, ao contrário do que aí se diz, NÃO foi nessa zona onde ocorreu o abate das árvores! T. O abate das árvores ocorreu muito antes de se chegar sequer à dita linha de água (vulgo barranco), até porque nessa zona não havia pinheiros (tal como o ofendido, o MJ e o PL referem) e que só havia pinheiros onde os trabalhadores foram abordados pela GNR.

  16. De todo o modo, a alegada «confusão» do arguido, segundo o que disse em julgamento, prende-se com a zona perto de onde a estrada faz a curva e onde há ali uma casa, aliás, como se viu, a mesma «confusão» parece ir na cabeça da testemunha PM.

    V. O arguido pretende fazer crer que acreditava que o terreno do MJ ia até á dita casa e que o engano dos trabalhadores se teria limitado ao corte das árvores para lá dessa casa, sucede que aí não há (nem pode haver) qualquer confusão, como foi unanimemente reconhecido por todos, inclusive pelo MJ que confirmou a correcta delimitação das parcelas de terreno.

  17. O MJ teve sempre bem presente a correcta delimitação da sua parcela de terreno (tal como em julgamento) e nunca disse coisa diferente ao arguido.

    X. A «confusão» do PM deve-se precisamente ao facto de o arguido o ter enganado e bem assim aos restantes trabalhadores, ao dizer que o...

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