Acórdão nº 2159/09.2TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Janeiro de 2014
Magistrado Responsável | EVA ALMEIDA |
Data da Resolução | 30 de Janeiro de 2014 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO “I.., Lda.” intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum sob a forma ordinária, contra M.., pedindo: a) Se declare o incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda por parte do réu, reconhecendo-se à autora o direito de fazer seu o sinal entregue, no valor de €7.500,00 c) Se condene o réu a pagar-lhe a quantia mensal de €650,00 desde o dia 13 de Setembro de 2005 até entrega da fracção, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos pela autora com a utilização do imóvel, e que ascendia a €27.950,00 Para fundamentar tal pretensão alega, em síntese, que a 16 de Setembro de 2005 celebrou com o réu um contrato promessa de compra e venda, que teve por objecto a fracção autónoma tipo T2 designada pela letra "AD", no 4.º piso de um prédio sito na Maia, pelo preço de €147.146,00, tendo o réu de imediato entregue à autora, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €7.500. O restante valor seria liquidado aquando da outorga da escritura pública de compra e venda, que previsivelmente seria realizada durante o mês de Outubro de 2005. A autora entregou a fracção ao réu a 13 de Setembro de 2005, autorizando a sua utilização. Até ao presente não foi realizada a escritura, pois que, apesar de sucessivamente notificado, o réu não compareceu no cartório notarial para esse efeito, nomeadamente nos dias 12.10.2007 e 17.10.2007. Mediante carta registada com a.r. enviada ao réu a 8.01.2008, a autora fixou um prazo de 15 dias para que se pronunciasse sobre a sua intenção, advertindo-o de que caso nada dissesse considerava o contrato definitivamente incumprido, fazendo seu o sinal e exigindo a devolução da fracção. Apesar disso o réu manteve-se inerte, não se coibindo de habitar a fracção, que se vai desvalorizando pelo uso e que poderia ser arrendada por €650 mensais * Citado, o réu contestou alegando, em suma, que desde que o seu filho foi habitar para a dita fracção, em Setembro de 2005, tentou pagar o IMT com vista à realização da escritura pública, por três vezes, sem sucesso, uma vez que a sociedade autora constava com dívidas fiscais, o que impossibilitou a realização daquela; entretanto, outras fracções contíguas do edifício começaram a ser habitadas o que permitiu verificar, que, ao nível do isolamento acústico, a fracção padecia de defeito, ouvindo-se todos os ruídos e barulhos, o que determinou que o seu filho deixasse de ocupar o quarto de dormir, passando para o efeito a utilizar a sala da fracção; depois de feita uma abertura na parede divisória entre esta fracção e a do vizinho M.., verificou-se que inexiste correspondência entre a obra executada e o teor da ficha técnica do projecto do edifício pois a parede em questão tem uma espessura inferior ao previsto. Quer o réu quer o proprietário da aludida fracção contígua exigiram que a autora resolvesse esta questão o que esta não fez, pelo que sem a eliminação desse defeito assiste ao réu o direito de se recusar a assinar a escritura pública, como fez nos dias 12 e 17 de Outubro de 2007. Face ao arrastar da situação e à recusa da autora em reparar os defeitos, a 13 de Março de 2008, o seu mandatário, enviou àquela uma carta a informar a resolução do contrato promessa, pois a fracção não dispõe de condições de habitabilidade.
O réu deduziu reconvenção, pedindo que se lhe reconheça o direito de recusar a sua prestação enquanto a autora não reparar a fracção ou, se assim não se entender, que tem direito à resolução do contrato, por perda de interesse, pois a fracção não cumpre o fim a que se destina, condenando-se ainda a autora a restituir-lhe o sinal entregue.
* A autora replicou, alegando que o réu não pode socorrer-se da excepção de não cumprimento do contrato porque não há simultaneidade de prestações, desde logo porque a autora já entregou a fracção ao réu, obrigação principal que para ela decorre do contrato. Nunca se recusou a reparar qualquer eventual problema manifestado na fracção, tendo sido o réu quem recusou a entrega da chave ou o acesso da autora à mesma para verificação/vistoria. Mais alega, não ser legítimo ao réu invocar a perda de interesse na compra da fracção, por falta de condições de habitabilidade, quando primeiro invoca a excepção de não cumprimento, fazendo depender a celebração da escritura da eliminação dos problemas acústicos da fracção, quando além do mais a fracção sempre foi habitada pelo filho daquele.
* Designada data para uma tentativa de conciliação, solicitaram as partes a suspensão da instância, período findo o qual, por ausência de acordo, se proferiu o despacho saneador. Seguidamente procedeu-se à selecção dos factos assentes e da matéria controvertida.
Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal.
Produzida a prova, respondeu-se à base instrutória por despacho que não foi objecto de reclamação.
As partes acordaram de imediato na discussão oral do aspecto jurídico da causa.
O Tribunal proferiu sentença em que decidiu: Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e a reconvenção, declarando resolvido o contrato-promessa celebrado entre as partes, por incumprimento definitivo da autora e, em consequência, condena: - a autora a devolver ao réu o valor entregue de sinal de 7.500,00 Eur. (sete mil e quinhentos euros); - o réu a pagar à autora, a título de indemnização pela ocupação da fracção entre Abril de 2008 e Outubro de 2012, o valor de 24.300,00 Eur. (vinte e quatro mil e trezentos euros).
Sobre as aludidas quantias incidem ainda juros de mora à taxa civil a contar do trânsito da presente decisão.
* Inconformado, o réu interpôs o presente recurso, instruído com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: 1 – A mui douta sentença, ora recorrida, viola, interpreta incorrectamente ou aplica deficientemente, o estabelecido, entre outros, nos artigos 483º, 499º a 510º, 563º e 1.032º e segs, todos do C.C.
2 – A mui douta decisão ora em recurso, na parte em que condenou o Réu a pagar à Autora, a título de indemnização pela ocupação da fracção entre Abril de 2008 e Outubro de 2012, o valor de € 24.300,00, carece de fundamentação factual e legal e está até em oposição com o anteriormente decidido.
3 – Refere o meritíssimo Juiz a quo que a resolução do contrato promessa se operou validamente em Março de 2008, mediante a carta que o mandatário do Réu enviou à Autora.
4 - E que a partir dessa data se constituiu o Réu em mora quanto à entrega/devolução da fracção à Autora.
5 - Todavia a Autora nunca aceitou essa resolução, tal como resulta, além do mais, do teor da presente acção e dos pedidos que a própria Autora nela formula.
6 - Também a Autora nunca mostrou qualquer disponibilidade para devolver ao Réu os quantitativos recebidos a título de sinal.
7 - Nem para receber de volta o imóvel.
8 - Por outro lado, assistia sempre ao Réu, como reconhecido na presente acção, o direito a receber da Autora as quantias que lhe haviam sido entregues a título de sinal e princípio de pagamento.
9 - Por isso, o Réu não violou ilícita e culposamente o direito de propriedade da Autora.
10 - Não se verificando, neste caso, os necessários pressupostos da ilicitude e da culpa por parte do Réu.
11 - Por outro lado, como já referido, deu-se como provado, entre outros factos que: Na dita fracção não é possível manter uma conversa ao telefone sem ser ouvido pelos vizinhos; Não é possível estabelecer um diálogo com outra pessoa sem ser ouvido pelos vizinhos; Não é possível auferir de alguma privacidade, nomeadamente, para a prática de actos correntes e típicos na vida de um casal.
12 - Ou seja, a fracção em causa nos presentes autos não reunia as condições mínimas de habitabilidade.
13 - Apresentava vícios que lhe não permitiam realizar cabalmente o fim a que era destinada.
14 - Mesmo a terem-se verificado os ditos pressupostos da ilicitude e da culpa por parte do Réu, o que não se concede, tais vícios teriam sempre que exonerar o Réu de pagar à Autora qualquer quantia (Cfr. artigo 1032º do CC).
15 - E muito menos ainda o quantitativo total que a mui douta sentença fixou, ou seja, os € 450,00/mês.
16 - Este valor só poderia ser devido pelo Réu à Autora no caso de a fracção não apresentar quaisquer vícios e ser capaz de realizar cabalmente o fim a que era destinada.
17 - O que também nunca aconteceu. Ou, se assim se não entender, 18 - Sempre deverá a dita quantia ser substancialmente reduzida, face aos apontados vícios que a fracção apresentava e que a impediam de realizar cabalmente o fim a que era destinada.
19 - Tal quantia nunca deveria ser fixada em quantia superior a uma quarta parte do quantitativo fixado, ou seja, em quantia superior a € 6.075.00.
20 - O Réu não retirou qualquer vantagem da situação criada pela Autora.
21 – A Autora foi e é a única responsável pela situação criada com a fracção em causa.
22 - A mui douta sentença, na parte ora em recurso, por essa razão, está ferida de nulidade porque os seus fundamentos de facto estão em oposição com a decisão.
23 – Assim sendo deverá a mui douta sentença ora em recurso ser alterada na parte em que condena o Réu a pagar à Autora a quantia de € 24.300,00 a título de indemnização pela ocupação da fracção, absolvendo o Réu do pagamento dessa quantia, ou, se assim se não...
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