Acórdão nº 1910/12.8TBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES –

  1. RELATÓRIO I.- R.. intentou a presente acção, com processo comum, sumário, contra a “C..”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 16.095,00 acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% ao ano desde 7 de Agosto de 2009, até integral e efectivo pagamento, liquidando os vencidos até à data da propositura da acção pela importância de € 1.874,96.

Fundamenta alegando, em síntese, que é cliente da Ré, sendo titular de duas contas bancárias e aderiu ao serviço disponibilizado por esta, denominado “M..24”, passando a utilizar o canal “Net24”. Ora, entre os dias 9/07/2009 e 17 dos mesmos mês e ano as referidas suas contas bancárias foram objecto de ataque pela via informática, tendo sido levantadas diversas importâncias, no total peticionado, da conta à ordem, e sido feitas sete transferências para esta conta, de uma sua conta a prazo, no valor total de € 12.850,00.

Regularmente citada, contestou a Ré, excepcionando a ilegitimidade do Autor por estar desacompanhado do seu cônjuge, co-titular das contas bancárias referidas, e declinando a sua responsabilidade de o indemnizar pelos montantes indevidamente levantados, invocando a segurança informática da sua plataforma e alegando ter sido o Autor quem, tendo facultado a totalidade das posições do seu cartão matriz, possibilitou o acesso de desconhecidos às coordenadas do mesmo cartão e, assim, por esta via, às suas contas bancárias.

Os autos prosseguiram os seus termos, tendo sido sanada a excepção de ilegitimidade do Autor, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção procedente, condenou a Ré a pagar ao Autor e Interveniente a quantia de € 16.095 (dezasseis mil e noventa e cinco euros) acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde 07/08/2009, até integral e efectivo pagamento.

Inconformada, traz a Ré o presente recurso pretendendo a revogação daquela decisão e propugnando pela sua absolvição.

Contra-alegou o Autor defendendo o decidido.

O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

* II.- A Ré/Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões: 1.- Conforme decorre do depoimento da testemunha R.., técnico de informática responsável pela investigação efectuada pela Direção de Auditoria da Ré (a partir do minuto 3:10), despoletada pela reclamação dos autores, o M.. utiliza três credenciais de acesso: a. O código de identificação do utilizador; b. O PIN – constituído por seis números, apenas conhecido do cliente, uma vez que é armazenado no servidor com algoritmo de cifra, o que significa que não é possível ao banco aplicar um algoritmo que permita determinar o PIN e ter acesso a ele; c. O cartão matriz para operações que impliquem movimentação de fundos, situação em que são pedidas duas posições, que nunca se repetem, sendo o cartão substituído automaticamente quando está perto do limite de utilização ou findos dois anos.

Este cartão é sempre enviado por correio físico (CTT) e nunca se utilizam meios electrónicos (designadamente SMS) para fornecer coordenadas (posições do cartão matriz) ao cliente, de forma a evitar o seu desvio (considerada a vulnerabilidade dos smartphones).

  1. Adicionalmente o sitio de homebanking do M.. não permite ao cliente alterar a morada, garantindo-se assim dois canais autónomos e independentes de comunicação com o cliente: balcão/electrónico (no caso do n.º de utilizador e PIN) e CTT (no caso do cartão matriz) evitando o ataque pirata, pois se um meio estiver comprometido o outro não está.

  2. A mesma testemunha a partir do minuto 15:06 do seu depoimento atestou ainda que no âmbito do caso concreto dos autores obteve os “logs” (acessos) de sessão referentes ao período das transferências reclamadas, por forma a aceder a todas as mensagens trocadas entre o cliente e o servidor. No âmbito dessa investigação apuraram-se as datas de realização dos movimentos em crise, os locais e bem assim a introdução das coordenadas do cartão matriz.

  3. O que permitiu apurar que em TODOS os movimentos descritos em q) e r) dos factos provados: a. Foi colocado o n.º de utilizador, b. O PIN e c. Duas coordenadas do cartão matriz, para cada uma das operações em causa, sempre introduzidas à primeira, sem que houvesse qualquer erro do ordenante relativamente ao código, tornando evidente que o autor dos movimentos conhecia todas as coordenadas que foram solicitadas.

  4. Também a testemunha L.. (Departamento de Auditoria M..) confirmou estes factos (a partir do minuto 6:47 do seu depoimento), referindo ainda (minuto 10:40 do depoimento) que a investigação do Núcleo de Estratégia e Segurança Informática do banco, permitiu apurar que “não houve hesitação por parte do pirata”, pois como explicou, o serviço de homebanking dá ao cliente apenas 3 tentativas de inserção das suas credenciais de acesso e qualquer engano fica informaticamente registado.

  5. No caso concreto do Dr. R.. a consulta ao sistema informático permitiu verificar que no caso das transferências, o número de cliente, o PIN e as coordenadas do cartão matriz (2 pedidas, para cada movimento) foram inseridas à primeira sem enganos, não tendo o sistema ido “abaixo, com qualquer bloqueio”.

  6. Em face do exposto entendemos que deveria ter sido dado como PROVADO o facto constante de artigo 59.º da contestação, até porque a resposta de não provado é incongruente e contraditória com o facto já considerado provado em K) e o próprio enquadramento jurídico da sentença (página 13, 2.º parágrafo “in fine”: “sendo no entanto certo que este ataque envolveu a obtenção de três informações distintas: (i) numero de cliente; (ii) código de segurança, vulgo PIN; e (iii) as coordenadas do cartão matriz”).

  7. Por outro lado, se as coordenadas não se repetem (não podendo portanto ser retiradas de movimentos anteriores) e não foram facultadas por via electrónica, mas por correio físico, conforme decorre dos factos provados em I) e N), todas as posições tiveram de ser facultadas pelo cliente, ao “Hacker”.

  8. E bem a propósito da comunicação de coordenadas do cartão matriz (secreto, pessoal e intransmissível conforme decorre do contrato de adesão ao serviço de homebanking) a terceiro, convém salientar o depoimento muito sereno, sério e assertivo da testemunha I.., gerente do balcão de Viana do Castelo, que referiu clara e expressamente que em face da reclamação que o autor lhe apresentou no balcão, reportando-se a transferências efectuadas das suas contas, sem a sua intervenção: a. Efectuou uma pesquisa no sistema informático e apurou que todos os movimentos tinham sido efectuados por “homebanking”, b. Confrontou o advogado R.. com tal situação, c. Informando-o de que tais movimentos apenas foram possíveis porque em cada um, tinham sido apostas duas coordenadas do seu cartão matriz, d. Perguntando ao cliente se havia fornecido os seus códigos a alguém, e. Pergunta a que este respondeu positivamente, dando nota que num dos acessos a uma página, que julgou ser do M.. lhe tinha sido pedida a “actualização de dados” do cartão matriz, com a introdução de todas as suas coordenadas, tarefa que - segundo o autor adiantou na altura à gerente I.. - se revelara muito morosa, razão pela qual encarregou a sua secretária de a realizar, tendo aquela estado mais de meia hora a carregar todas as posições do cartão matriz na alegada página.

  9. Estes factos foram reiterados, com a mesma serenidade e segurança, pela testemunha aos minutos 8:00 e 10:10 do depoimento, sem qualquer hesitação ou contradição.

  10. Também a testemunha L.. a este propósito (minuto 20:47 do depoimento), refere com toda a assertividade, que em Julho de 2009, aquando da recepção da reclamação do cliente na Direção de Auditoria, de acordo com os procedimentos instituídos, contactou o balcão de Viana, tendo naquela data sito transmitido pela Sra. I.. que o cliente comunicara ter facultado todas as credencias de acesso a um site, que julgara ser do M.., informação que apontou, no extracto de conta do cliente, aquando do contacto telefónico com o balcão.

  11. Mais informou a testemunha (minuto 6:07 do depoimento) que em face daquela reclamação e em face dos procedimentos instituídos o Departamento de Auditoria contactou o Núcleo de Estratégia e Segurança Informática do Banco, para saber quais os IP’s (Internet Protocol) responsáveis pelos movimentos em causa e o número que georeferencia o modem utilizado nos acessos e movimentos em causa. Aquele serviço identificou os IP’s em causa, tendo apurado que estavam georeferenciados em Brasília e intercruzados com IP’s de Viana do Castelo – cidade onde o advogado, autor, R.. exerce a sua actividade profissional e tem morada - tendo estes dados sido comunicados, pelo banco à Polícia Judiciária.

  12. A investigação efectuada permitiu ainda verificar (minuto 15:09 testemunho L..) que não obstante o cliente apenas ter reclamado em 21 de Julho de 2009, a verdade é que no dia 15 de Julho o Dr. R.. tinha acedido ao sitio de homebanking do M.., para efectuar um movimento. Nessa data haviam sido já realizadas sete transferências pelo pirata, contudo o autor não as detectou, apesar de estarem visíveis no sistema. Este comportamento denunciou desde logo a desatenção com que o cliente usava o serviço.

  13. A Sra. I.. (minuto 15:28), referiu ainda que à data dos factos já o sitio de homebanking do M..: a. disparava janelas de alerta, aquando da entrada do cliente no site, comunicando que o M.. nunca pede mais do que duas coordenadas do cartão matriz (minuto 13:00); b. dispunha de exemplos de sítios de phishing que do M.. apenas tem o símbolo, caracterizando-se por um português ostensivamente “abrasileirado”, que desde logo alerta para a sua falta de autenticidade.

  14. Informação de resto, reiterada e confirmada pelas testemunhas J.. e L.. (minuto 17:47 e 23:22 do depoimento), tendo esta referido que...

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