Acórdão nº 58/12.0TBGMR-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelMANSO RAINHO
Data da Resolução31 de Outubro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães: Albino e Maria Guimarães requereram oportunamente, pelo Tribunal Judicial de Guimarães, a declaração do seu estado de insolvência, bem como a exoneração do passivo restante.

O pedido de exoneração veio a ser liminarmente indeferido.

Inconformados com o assim decidido, apelam os Requerentes.

Da sua alegação extraem as seguintes conclusões: 1º O Tribunal a quo considerou provados e relevantes para a decisão de indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante, entre outros, os seguintes factos previstos na alínea 10 “No âmbito das execuções referidas em 9) os ora insolventes celebraram acordos de pagamento, fixando taxas de juro a 13%, acordos esses que entretanto incumpriram, encontrando-se actualmente em dívida a quantia de €42.985,39.” (itálico nosso) 2º O Tribunal a quo não deveria ter dado como provado os factos aludidos na alínea 10) no que ao montante em dívida diz respeito, uma vez que o crédito reclamado pelo credor Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Terras do Sousa, Ave, Basto e Tâmega, CRL foi impugnado, não havendo, ainda, decisão nos termos do artigo 140º do CIRE.

  1. Encontrando-se ainda por decidir a impugnação de créditos apresentada, o Tribunal a quo apenas poderia dar como provado o seguinte: “No âmbito das execuções referidas em 9) os ora insolventes celebraram acordos de pagamento, fixando taxas de juro a 13%, acordos esses que entretanto incumpriram” e não o valor objecto da impugnação.

  2. O Tribunal a quo entendeu que a prolação do despacho liminar dependia, essencialmente, da verificação ou não do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 238º do CIRE.

  3. Para isso o Tribunal a quo questiona “…a quem compete a alegação dos pressupostos” e ainda o “…prejuízo que a não apresentação nos seis meses possa ter causado”.

  4. O regime da exoneração do passivo restante é um regime novo, introduzido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas específico da insolvência de pessoas singulares, que se concretiza na possibilidade de exoneração dos créditos sobre a insolvência que não sejam integralmente pagos no respectivo processo ou nos cinco anos posteriores ao encerramento.

  5. Visa-se com esta medida conceder ao devedor um “fresh start”, permitindo à pessoa singular recomeçar a sua actividade, sendo-lhe concedida uma “segunda oportunidade”.

  6. O pedido formulado pelo devedor pessoa singular de exoneração do passivo restante está, no entanto, sujeito a apreciação liminar, nos termos do artigo 238º do CIRE.

  7. A alínea d) do artigo 238º do CIRE estabelece três requisitos autónomos, cuja verificação cumulativa impede a concessão do pedido de exoneração do devedor: a) – a não apresentação à insolvência ou apresentação à insolvência para além do prazo de seis meses desde a verificação da situação de insolvência; b) – a existência de prejuízos decorrentes desse incumprimento; c) – o conhecimento de que não havia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

  8. É um facto que os Apelantes não cumpriram com a obrigação de apresentação à insolvência no prazo de seis meses desde a verificação da situação de insolvência.

  9. No entanto, esta intempestividade, por si só, não pode determinar o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante. É necessário que do atraso na apresentação à insolvência resulte prejuízo para os credores e ainda que o devedor soubesse, ou pelo menos não pudesse ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

  10. E aqui a questão central que se levanta é saber se, sendo tardia a apresentação do pedido de insolvência, desse facto decorrem, desde logo, prejuízos para os credores.

  11. Quando a alínea d), do n.º 1 do artigo 238º estabelece como requisito a existência de prejuízos para os credores decorrentes desse incumprimento está a referir-se a um “prejuízo irreversível e grave, como aquele que resulta da contracção de dívidas, estando já o devedor em estado de insolvência, a ocultação do seu património ou actos de dissipação dolosa.” (vide Acórdão do STJ de 24-01-2012) (sublinhado nosso).

  12. Estamos perante um prejuízo diferente do simples vencimento dos juros, tratando-se de um prejuízo de outra ordem, consistindo no abandono, degradação ou dissipação de bens ou na contracção de novas dívidas no período que este dispunha para se apresentar à insolvência.

  13. Se a apresentação tardia do devedor à insolvência implicasse, por si só, uma presunção de prejuízo questionar-se-ia o porquê da alusão autónoma a esse mesmo requisito.

  14. Não se compreenderia o porquê da alusão a esse mesmo requisito, ficando este como que esvaziado do seu efeito útil, pois entendido assim, o prejuízo dos credores passaria a consubstanciar um efeito necessário da não apresentação atempada à insolvência e não seria necessário o legislador especificar o prejuízo como requisito autónomo.

  15. Resulta do princípio previsto no n.º 3 do artigo 9º do Código Civil que “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” 18º Apenas se compreende esta autonomização se este prejuízo não resultar automaticamente do atraso, mas sim de factos de onde se possa concluir que o devedor se comportou de forma ilícita, desonesta, pouco transparente e de má-fé e que, por causa dessa conduta, resultaram prejuízos para os credores.

  16. O Tribunal a quo interpretou erradamente o requisito “prejuízo dos credores” previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 238º do CIRE, prejuízo que não decorre automaticamente do simples atraso dos devedores na apresentação à insolvência e que o vencimento dos juros moratórios após a verificação da situação de insolvência, por si só, não é suficiente para integrar o conceito de “prejuízo” a que alude a referida al. d).

  17. O Aviso 3/95 impõe às instituições de crédito e sociedades financeiras a obrigação de constituírem provisões pelo risco específico de crédito, isto é, do crédito vencido e créditos de cobrança duvidosa, provisões essas que são calculadas...

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