Acórdão nº 340/12.6TBGMR-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Outubro de 2012

Data25 Outubro 2012

Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I- RELATÓRIO José requereu oportunamente, pelo Tribunal Judicial de Guimarães (4º Juízo Cível), a declaração do seu estado de insolvência e a exoneração do passivo restante.

Tendo sido admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo, foi de seguida proferido despacho sobre a cessão do rendimento disponível do devedor nos seguintes termos: “ (…).

A este respeito, escreve-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que «[a] subalínea i) da alínea b) do n°. 3 do art°. 239°., do CIRE considera excluído do rendimento disponível o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar. /Estabelece um limite máximo - três vezes o salário mínimo nacional - que em princípio não deve ser excedido salvo nos casos em que a situação do devedor insolvente e do seu agregado familiar especialmente o justifique - daí o dever de fundamentação da decisão que é imposto ao juiz, que, na exposição dos motivos que o levam a ultrapassar aquele limite, tem de ir além do que lhe é normalmente exigido para qualquer decisão judicial, no cumprimento do disposto no art°. 158°., do C.P.Civil./ Referem Carvalho Fernandes e João Labareda decorrer das subalíneas da supra mencionada alínea b) do art°. 239°., a prevalência da função interna do património, enquanto suporte da vida económica do seu titular, sobre a sua função externa, que é a garantia geral dos credores (Ob. cit., pág. 788)./ Na ponderação que o juiz fará, tem de equacionar o direito ao salário, que se afirma como um direito fundamental de qualquer trabalhador, de natureza análoga à dos direitos liberdades e garantias, salário esse que, no seu limite mínimo, satisfaça as necessidades decorrentes da alimentação, preservação da saúde, e habitação do trabalhador e do seu agregado familiar, intrinsecamente correlacionadas com a dignidade da pessoa humana, e os interesses dos credores que, havendo-lhe concedido créditos, proporcionaram-lhe tempos de felicidade e bem-estar que a aquisição de bens potencia (se bem que quanto aos créditos ao consumo, em especial, se deva ter igualmente presente que a sua concessão foi, em boa parte, o resultado de práticas insistentes e agressivas das empresas concedentes de crédito, que tudo facilitavam e muito pouco explicavam quanto ao real peso do encargo financeiro que o empréstimo vinha, a final, a representar)./ Constitui jurisprudência do Tribunal Constitucional, o entendimento de que o salário mínimo nacional tem subjacente o juízo de ser a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades decorrentes da sobrevivência digna do trabalhador. Será o mínimo dos mínimos que consinta a um trabalhador um nível de vida acima do nível de sobrevivência que, entre nós, é dado pelo rendimento de reinserção social./ Por imperativo constitucional, incumbe ao Estado estabelecer e actualizar o salário mínimo nacional “tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento” - cfr. alínea a) do n°. 2 do art°. 59°., da Constituição.» Há que ter em conta ainda que a exoneração do passivo restante é uma medida especial de protecção do devedor, pessoa singular, mas que também favorece os credores por beneficiarem de uma parcela dos rendimentos daquele durante um período de tempo de cinco anos, o que lhes aproveita a mais do que o recebido pela liquidação do património.

É exigível ao insolvente, até pelas consequências que estão acopladas à decisão final da exoneração, que faça esforços no sentido de adequar o seu estilo de vida em função da condição (de insolvência), maximizando o esforço de satisfação parcial dos credores, até porque no final dos 5 anos ser-lhe-á permitido um novo recomeço (fresh start), sem o peso patrimonial das dívidas anteriores.

Pelo que é necessário conformar as suas despesas com o respectivo estatuto jurídico e económico actual.

A regra pelo qual o Tribunal se pauta, e também em decorrência do que se consigna no transcrito Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, é o de alocar a cada um dos insolventes o montante correspondente à retribuição mínima garantida, a qual se situa, actualmente, em € 485,00 (cfr. Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31/12).

Na situação dos autos, porém, considerando que o insolvente paga, a título de prestação de alimentos a favor dos quatro filhos menores, a quantia de € 300,00 e que a renda por si suportada é também no valor de € 300,00, entende-se que, para o sustento daquele, é necessário a adjudicação do montante de € 750,00.

Assim, determino que a insolvente ceda ao Sr. AI o montante mensal superior a € 750.00 – RMG -, que venha a auferir, com o limite máximo enunciado no artigo 239°/3.b).i). do CIRE.

Notifique, advertindo o insolvente de que, alterando-se a situação económica (mormente, se a prestação de alimentos for reduzida; se os filhos atingirem a maioridade e houver cessação dessa prestação; etc.), deverá comunicá-lo, de imediato, ao Tribunal e ao Sr. AI.”.

O requerente/devedor apelou deste despacho e concluiu as suas alegações do seguinte modo: «I - O despacho judicial proferido nos autos em epígrafe que fixou o montante do rendimento disponível a ceder ao fiduciário, no qual foi determinado, em conclusão, que o Insolvente, ora Apelante, ceda ao Ex.mo Senhor Administrador de Insolvência o montante mensal superior a € 750,00 que venha a auferir, com o limite máximo enunciado no artigo 239.º, n.º 3, alínea b) e i) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.) viola frontalmente as disposições legais constantes do artigo 239.º, n.º 2, alínea b), subalíneas i) e iii) e n.º 3 do C.I.R.E. e os princípios constitucionais ínsitos nos artigos 1.º e 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da Republica Portuguesa.

II - O montante necessário para que possam prover dignamente à sua subsistência corresponderá, pelo menos, ao valor equivalente ao salário mínimo nacional (actualmente fixado no valor € 485,00), acrescido das despesas ressalvadas pelo(

  1. Mmo(a). Juiz “a quo” na decisão em crise no montante global de € 600,00, correspondente, este, à quantia de € 300,00 que o Insolvente paga a título de prestação de alimentos devidos aos seus filhos menor e à quantia de € 300,00 que suporta com a renda mensal da sua habitação.

    III - O thema decidenduum do presente recurso prende-se, pois, com a interpretação do preceituado no artigo 239.º, n.º 3, alínea b), subalínea i) e iii) do C.I.R.E.

    IV - A exclusão consagrada na subalínea i), trata-se, manifestamente, da resposta natural, forçosa e obrigatória às necessidades e exigências que a subsistência e sustento colocam ao devedor insolvente e ao seu agregado familiar, a qual surge, aliás, como uma exigência do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, afirmado no artigo 1.º da Constituição da República e aludido também no artigo 59.º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma fundamental.

    V - O reconhecimento do princípio da dignidade humana exige do ordenamento jurídico o estabelecimento de normas que salvaguardem a todas as...

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