Acórdão nº 1926/11.1TBBRG-G.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelISABEL ROCHA
Data da Resolução31 de Maio de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO Ana…, declarada insolvente a seu pedido, veio interpor recurso do despacho que indeferiu liminarmente a exoneração do passivo restante que requereu nos autos de insolvência, por se ter entendido que estava demonstrado o circunstancialismo descrito no art.º 238.º n.º 1 al d) do CIRE, impeditivo da concessão daquele beneficio.

Os motivos da sua discordância relativamente ao despacho recorrido foram sintetizados nas conclusões das alegações de recurso que apresentou, que têm o seguinte teor: 1ª Vem o presente recurso de apelação interposto do douto despacho que, ao abrigo do disposto no art.º 238º, n.º 1 alínea d) do CIRE, indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela ora recorrente.

  1. Entende a recorrente que o Tribunal a quo julgou incorrectamente em termos de direito, ao considerar verificada a causa de indeferimento liminar prevista no art.º 238º, n.º 1 alínea d) do CIRE, e em termos de facto, ao não levar em conta factos constantes dos autos, designadamente do requerimento de apresentação à insolvência, do relatório a que alude o art.º 155º do CIRE, apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência e das reclamações de créditos apresentadas pelos credores, que impunham decisão diversa da ora recorrida.

  2. Como questão prévia, entende a recorrente que não se mostram alegados e provados nos autos, pelos credores que se opuseram à exoneração (a quem cabia esse ónus) factos demonstrativos da verificação dos pressupostos cumulativos elencados na alínea d) do n.º 1 do art.º 286º do CIRE.

  3. Com efeito, sendo jurisprudência pacífica que não incumbe ao devedor fazer a prova dos requisitos previstos no nº1 do artigo 238º do CIRE, bastando-lhe fazer a declaração a que alude o n.º 3 do art.º 236º do mesmo código, é aos credores, mormente aos credores que se pronunciem pelo indeferimento liminar do pedido, e ao administrador da insolvência (evidentemente, quando também ele se pronuncie no sentido do indeferimento) que compete a alegação e prova dos factos impeditivos do exercício, por parte do devedor, do seu direito potestativo de requerer a exoneração do passivo restante.

  4. No caso dos presentes autos, o Sr. Administrador da Insolvência pronunciou-se favoravelmente à exoneração do passivo restante, tendo-se pronunciado contra tal pedido o Ministério Público e os credores “Banco Primus, S.A.” e “BES, S.A.”.

  5. No entanto, nenhum destes credores fundamentou a sua posição, designadamente alegando factos impeditivos do direito da recorrente, apenas tendo feito menção à alínea d) do n.º 1 do art.º 238º do CIRE.

  6. Assim, não foram alegados pelos credores - a quem cabia esse ónus - (nem foram, por maioria de razão, provados) factos demonstrativos da verificação de qualquer um dos três pressupostos cumulativos a que alude a alínea d) do n.º 1 do art.º 238º do CIRE.

  7. Como tal, deveria ter sido proferido despacho inicial no pedido de exoneração do passivo restante formulado pela recorrente, pelo que se impõe a revogação do douto despacho em crise.

  8. Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo o disposto nos art.ºs 342º n.º 2 do Código Civil, 236º e 238º do CIRE e 158º do CPC.

    Sem prescindir I. DA DATA DE VERIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA 10ª Entende a recorrente que não se mostra fixada, no douto despacho em crise, matéria de facto que permita considerar como verificado o primeiro dos pressupostos cumulativos a que a alude a alínea d) do n.º 1 do art.º 238º do CIRE.

  9. E, independentemente deste facto, considera também que existem nos autos diversos elementos, não postos em causa por qualquer credor, que impunham decisão diversa da recorrida.

  10. Com efeito, o Tribunal a quo não poderia ter feito, como fez, a análise da verificação deste pressuposto sem ter fixado matéria de facto relevante para avaliar a situação económica da recorrente à data em que considera ter ocorrido a respectiva insolvência, designadamente sobre os rendimentos de que dispunha nessa data e sobre os pagamentos que continuou a fazer aos seus credores após essa data.

  11. Assim, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse carreado para o despacho de exoneração factos não impugnados por nenhum credor constantes quer da petição inicial de apresentação à insolvência (Ref. Citius 2619194 de 18-03-2011), quer do Relatório a que alude o art.º 155º do CIRE (Ref. Citius 2721144 de 06-06-2011), que são demonstrativos de que a situação de insolvência da recorrente não ocorreu na data indicada no douto despacho de indeferimento liminar.

  12. Na rubrica “Análise Económica e Financeira da evolução da insolvente” do Relatório do art.º do 155º do CIRE e pelas declarações de IRS dos anos de 2008 e 2009 da recorrente, juntas aos autos, é possível constatar que a insolvente auferiu rendimentos do trabalho dependente no montante de € 46.444,00, no ano de 2008, no montante de € 39.428,00, no ano de 2009.

  13. Como resulta quer do requerimento de apresentação à insolvência quer do Relatório do art.º 155º do CIRE a recorrente celebrou diversos acordos com credores no sentido de proceder ao pagamento das dívidas em causa, os quais conseguiu honrar até finais do ano de 2010 16ª Ainda de acordo com estes elementos, de 2004 a Agosto de 2008, a recorrente suportou um encargo mensal de pagamentos a credores na ordem dos € 3.750,00.

  14. Em virtude de ter logrado em 26-08-2008 negociar com o Banco Santander Totta (e não contrair de facto novo crédito como consta no douto despacho em crise) a consolidação de responsabilidades creditícias que lhe advieram da condição de avalista (vide Doc. 1 junto com a reclamação de créditos apresentada pelo credor “Santander Totta, S.A.”) a recorrente conseguiu que o esforço mensal de pagamento aos seus credores se fixasse em cerca de € 1.600,00.

  15. Tais pagamentos ocorreram até finais de 2010, mesmo após a situação de desemprego da recorrente, como resulta de factos não impugnados constantes quer da p.i de apresentação à insolvência quer do Relatório do art.º 155º do CIRE e das reclamações de créditos apresentadas pelos credores “Santander Totta, S.A.” e Banco Espírito Santo, S.A.

  16. Não poderia o Tribunal a quo considerar que a recorrente estava em situação de insolvência em meados de 2008, quando resulta dos elementos supra referidos que honrou acordos feitos com credores até ao final de 2010, mesmo após desempregada.

  17. Com base nos meios probatórios supra referidos, deveria ter-se dado como provado (sendo devidamente ponderado na decisão) que: (art.º 685.º-B do CPC) i) a insolvente auferiu rendimentos do trabalho dependente no montante de € 46.444,00, no ano de 2008, e no montante de € 39.428,00, no ano de 2009; ii) De 2004 a Agosto de 2008, a insolvente suportou um encargo mensal de pagamentos a credores na ordem dos € 3.750,00; iii) De Agosto de 2008 até ao final de 2010 o encargo mensal referido no ponto anterior fixou-se na ordem dos € 1.600,00; 21ª Deveria assim ter-se considerado que a situação de insolvência da recorrente ocorreu em Novembro de 2010, pelo que a sua apresentação à insolvência ocorreu dentro dos seis meses seguintes à verificação dessa situação.

  18. E tendo a apresentação ocorrido dentro dos seis meses posteriores à verificação da situação de insolvência da ora recorrente fica imediatamente afastada a causa de indeferimento liminar prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 238º do CIRE, pelo que deveria ter sido proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante. 23ª Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo o disposto nos art.ºs 3º n.º 1, 236º, 237º e n.º 1 alínea d) do 238º do CIRE e 158º do CPC Sem prescindir, II. DA INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO PARA OS CREDORES 24ª Mas ainda que se entendesse que a recorrente se apresentou à insolvência mais de seis meses após a data de verificação da situação de insolvência, não houve qualquer prejuízo para os credores em resultado desse (potencial) atraso.

  19. Considera a recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter decidido sobre a verificação deste requisito impeditivo do direito a requerer a exoneração do passivo restante sem ter fixado matéria fáctica relevante para determinar e origem e natureza dos créditos reclamados, a situação económica da recorrente no período entre Agosto de 2008 e o momento em que se apresentou à insolvência e a diminuição do passivo ocorrida nesse período, resultante quer de pagamentos voluntários aos credores da insolvência, quer de descontos no vencimento da executada, enquanto esteve empregada.

  20. Compulsado o douto despacho em crise, verifica-se que Tribunal a quo aponta como único elemento constitutivo do prejuízo para os credores o facto de em 28-06-2008 a recorrente ter contraído, em altura em que se encontraria insolvente, um novo (no seu entendimento) crédito perante o credor “Santander Totta, S.A.”, o que teria contribuído para agravar o seu passivo 27ª Tal conclusão não tem correspondência com a realidade, o que se pode verificar tanto pelos factos alegados pela recorrente (e não impugnados por qualquer credor, reitera-se) na sua petição inicial de apresentação à insolvência, como pelo documento 1 junto pelo credor “Santander Totta, S.A.” com a respectiva reclamação de créditos.

  21. O montante de € 45.000,00 mutuado à insolvente pelo “Santander Totta, S.A.” destinou-se a permitir a regularização de responsabilidades anteriormente assumidas perante esse Banco em quatro relações creditícias distintas, pelo que em tal data a recorrente não contraiu de facto um novo crédito perante o Santander Totta, tendo unicamente procedido a uma consolidação de responsabilidades que nessa data tinha perante tal instituição, e que ascendiam a esse montante, dilatando o prazo para o respectivo pagamento.

  22. Na verdade, na data 26-08-2008 o “Santander Totta, S.A.” era credor da insolvente por força de relações de crédito anteriores, melhor descritas na cláusula 1º do “Contrato de Empréstimo” junto como Doc. n.º 1 por tal credor com a...

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