Acórdão nº 99/07.9TAFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelANA TEIXEIRA E SILVA
Data da Resolução28 de Maio de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes, em conferência, na Secção Penal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO veio interpor recurso da decisão instrutória da Mmª Juiz de Instrução Criminal, na parte em que não pronunciou o arguido ANTÓNIO F... pelos factos concernentes à utilização de facturas falsas que determinaram valores de IVA em falta, referentes às declarações de Novembro e Dezembro de 2001, Fevereiro e Março de 2002, integrantes do crime de fraude qualificada, p. e p. pelos artºs 103º, nº1, al. c), e 104º, nº2, do RGIT.

O Ministério Público expressa as seguintes conclusões: 1. Para que o crime de fraude fiscal se considere consumado não se exige que o agente represente, com exactidão, o montante da vantagem ou benefício patrimonial indevido. Será bastante a representação genérica da consequência da diminuição da receita fiscal e do benefício indevido correspectivo que visa alcançar.

  1. Este crime é classificado doutrinalmente “.....como um crime de resultado cortado ou de tendência interna transcendente, o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, bastando-se a lei com a circunstância de as condutas ilegítimas tipificadas visem ou sejam preordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. Isto é, será suficiente que a conduta seja preordenada a tal fim, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante em sede de aplicação concreta e medida da pena” - vide in Regime Geral das Infracções Tributárias, pág. 313, de Tolda Pinto e Reis Bravo.

  2. Assim sendo, uma vez o crime de fraude fiscal se consuma ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, como, aliás, resulta da redacção do preceito, “…que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação …”, então o limite quantitativo estabelecido no art. 103°, nº 2 do RGIT, não é um elemento do tipo mas uma condição objectiva de punibilidade, um elemento externo ao crime que cumpre uma função de selecção das condutas penalmente puníveis.

  3. E como tal a punição da fraude fiscal qualificada não depende da vantagem patrimonial ilegítima ser de valor igual ou superior ao limite quantitativo previsto no nº 2 do artº103º do RGIT.

  4. Por outro, de acordo com a redacção do nº 2, artº 103º, do RGIT, desde que a vantagem patrimonial ilegítima seja inferior a 15.000€ não são puníveis os factos previstos nos números anteriores, referindo-se, naturalmente, aos factos previstos nas alíneas do nº 1.

  5. Não havendo argumentos de ordem literal ou interpretativa que permitam concluir que tal limite deve abranger, também, os factos previstos nos artigos seguintes.

  6. Tal como foi o entendimento desse Venerando Tribunal no Processo nº 352/02.8IDBRG.G1, de 18/05/2009, in www.dgsi.pt: “ O limite de € 15.000,00 do art. 103 nº 3 do RGIT, abaixo do qual os factos que integram o crime de fraude fiscal não são puníveis, não é aplicável à fraude fiscal qualificada, prevista no art. 104 do mesmo RGIT, nomeadamente quando o agente utiliza facturas ou documentos equivalentes na execução do crime”.

  7. “Uma coisa é a fraude consistir unicamente na comunicação da existência de um negócio simulado. Outra, bem mais grave, é forjar documentos para convencer que o negócio efectivamente existiu, tornando mais difícil a descoberta do crime. Foi apenas o primeiro comportamento que o legislador pretendeu beneficiar com a norma do art. 103 nº 2 do RGIT”.

  8. A punição da fraude fiscal qualificada – artigo 104º, nº 2 do RGIT, não depende, como na fraude fiscal simples, da verificação de vantagem patrimonial ilegítima de valor igual ou superior ao limite quantitativo previsto no nº 2 do artigo 103º do RGIT.

    O arguido defendeu a confirmação do despacho de não pronúncia.

    Nesta instância, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que ao recurso deve ser concedido provimento.

    II - FUNDAMENTOS 1. O OBJECTO DO RECURSO.

    A questão suscitada: a aplicabilidade do estatuído no nº2 do artº 103º aos crimes de fraude qualificada, previstos pelo artº 104º, ambos do RGIT.

  9. O DESPACHO RECORRIDO.

    Apresenta o seguinte conteúdo (no que ora releva) Tendo em conta o restrito objecto do presente recurso, versando exclusivamente a questão de direito enunciada em II.1.

    : Visto isto, cumpre aferir se os factos indiciados nos autos integram, em abstracto, a prática, pelo arguido, dos crimes de fraude qualificada de que vem acusado.

    Resulta da matéria indiciada que a sociedade “C... & F..., Lda.”, com o n.º de identificação fiscal 502690..., com sede na Avenida das F..., 4820-119, Fafe, anteriormente designada “T..., Lda.” encontra-se colectada no serviço de Finanças de Fafe, pela actividade de “Comércio de Pescas e Acessórios para veículos automóveis”, CAE 050300, sendo, por isso, sujeito passivo de IRC no regime geral e para efeitos de IVA, no regime normal mensal.

    O arguido ANTÓNIO F... é sócio gerente desta sociedade sendo quem, efectivamente, desde a data da sua constituição, gere e administra aquela empresa e, em nome e no interesse da mesma, decidia de facto da afectação dos meios financeiros ao cumprimento das respectivas obrigações correntes, designadamente, do pagamento dos respectivos impostos sobre os rendimentos obtidos e do valor sobre os produtos alcançado e acrescentado e, ainda, pelo preenchimento e entrega das respectivas Declarações de Rendimentos (Modelo DC - 22) no Serviço de Finanças de Fafe.

    A sociedade “V... - E..., Lda.”, contribuinte n.º 504.964.... com sede em Lugar da I..., Goães, Vila Verde, encontra-se registada em IRC tendo como competente o Serviço de Finanças de Vila Verde, cujo objecto social consiste em extracção de saibros e pedra, fabrico e comércio de britas e areias - CAE 014210.

    No dia 24 de Outubro de 2001 foi efectuada uma cessão de quotas pelos anteriores sócios, Álvaro F..., Vítor M... e Carlos M..., todas a favor de Ana S..., actual única sócia e gerente da empresa “V... - E..., Lda.”.

    Entre Novembro de 2001 e Março de 2002, foram importadas pela Sociedade “C... & F..., Lda.”, mediante a interposição da sociedade “V... - E..., Lda.”, as seguintes viaturas: Marca Chassis Data de aquisição Valor de aquisição Imposto Automóvel Matrícula Audi WAUZZZ8LZYA027871 09-11-2001 12.373,26 5.538,08 05-97-SR Mercedes WDB2030061 fOO0272 12-11-2001 25.542,01 7.646,08 63-61-ST Audi WAUZZZ8DZXA238816 14-11-2001 12.935,68 5.538,08 63-60-ST BMW WBAAL71000KE23149 28-11-2001 15.338,76 5.252,02 01-46-SU Audi WAUZZZ8LZXA029718 14-12-2001 9.714,55 5.094,14 50-99-SZ BMW WBAAL71080KE04848 04-01-2002 14.725,21 5.693,45 91-10-TH Audi WAUZZZ8LZXA022313 09-01-2002 11.640,00 5.399,28 50-97-SZ BMW WBAAL710XOCA41284 11-01-2002 15.186,00 5.693,45 65-21-TF Audi WAUZZZ8DZYA055675 21-01-2002 13.549,24 6.034,49 50-98-SZ BMW WBAAL71090KE15857 30-01-2002 14.137,93 5.094,14 67-57-TH Audi WAUZZZ8DZXA017225 01-02-2002 10.353,66 5.399,28 39-16- TC Audi WAUZZZ8LMA 104503 20-02-2002 12.050,00 5.094,14 12-59-TG Não obstante a sociedade “V... - E..., Lda.” se apresentar como o importador formal das viaturas em causa, o real adquirente das mesmas foi a sociedade “C... & F..., Lda.”, anteriormente designada “T..., Lda.”.

    De facto, a sociedade “V... - E..., Lda.” não dispunha de quaisquer instalações comerciais ou industriais, stand, depósito ou exposição de venda de viaturas, não sendo conhecida a exercer a actividade de comércio de automóveis no local que expressamente indicou como sendo a sede...

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