Acórdão nº 2245/10.6TBFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelEDGAR GOUVEIA VALENTE
Data da Resolução04 de Dezembro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1 – Relatório.

M.., Lda. instaurou, em 24.12.2010, a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra P.., alegando, em síntese, para fundamentar as suas pretensões, que celebrou um contrato de fornecimento de café e publicidade da marca D... com A.., contrato este que ulteriormente foi transmitido para a Ré (R), que assumiu na íntegra a posição contratual daquele e que, em execução desse contrato e como contrapartida da exclusividade e publicidade, cedeu ao contratante inicial equipamento vário, tendo-lhe entregue a quantia de € 16.528,93, acrescida de IVA, num total de €20.000,00. Mais alegou que, em Outubro de 2009, a R deixou de consumir café D... e de comprar café à Autora (A), altura em que já estavam por pagar diversas facturas de café entretanto fornecido, pelo que resolveu o contrato por carta registada com aviso de recepção em 27.01.2010, sendo que até à data a R não pagou os montantes em dívida nem restituiu os equipamentos entregues.

Termina pedindo a condenação da R a pagar-lhe o montante de € 26.904,00, acrescido de juros desde a constituição em mora até integral pagamento, a título de incumprimento contratual, bem como a pagar-lhe o valor de € 5.531,41, a título de facturas vencidas e não pagas e ainda a condenação da mesma a restituir-lhe o equipamento que foi cedido em comodato ao abrigo do contrato de fornecimento de café celebrado.

Citada a R, esta contestou, alegando em síntese que, em Setembro de 2009, o estabelecimento não gerava lucros suficientes para fazer face às suas despesas, razão que a levou, em 11.09.2009, a trespassá-lo a uma sociedade, data a partir da qual esta sociedade continuou a consumir em exclusivo café D... e a usufruir dos bens que a A entregou a título de comodato, continuando, por isso, a R a cumprir as obrigações que assumiu, ainda que por terceiro. Mais alegou que as facturas que a A afirma não terem sido pagas se referem a fornecimentos efectuados quando a R tinha ainda bastante café em stock e que, apesar de tal circunstância, os vendedores da A deixavam os fornecimentos no estabelecimento porque insistiam que a R se tinha vinculado a consumir obrigatoriamente 40 quilogramas mensais. Por último, alega que a cláusula penal que a A invoca nunca lhe foi comunicada e é manifestamente excessiva, constituindo, também a exigência de tal cláusula penal um abuso de direito, uma vez que todos os fins visados pelo contrato continuam a ser realizados, embora por outrem. Conclui pugnando pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador e foi especificada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória (BI), que não sofreram qualquer reclamação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, foi dada resposta à BI, relativamente à qual também não foi deduzida qualquer reclamação.

Foi de seguida proferida sentença, onde se decidiu julgar a acção procedente e, consequentemente, condenar a R a: 1 - Pagar à A a quantia de € 26.904.00, acrescida de juros à taxa em cada momento vigente para obrigações comerciais, contados desde 11.02.2010 até efectivo pagamento; 2 - Pagar à A a quantia de € 5,531.41; 3 - Entregar à A, no prazo de 15 dias, os bens descriminados a fls. 10 dos autos.

Inconformada com a sentença, a R interpôs recurso contra a mesma, concluindo a sua alegação da forma seguinte (transcrição): ''1ª – A ora Recorrente considera, com a devida e justa vénia, que houve erro na apreciação da prova, pois, atenta a prova documental e a prova testemunhal produzida (e supra explanada), o Tribunal a quo devia ter dado como provado que “as cláusulas do contrato referido em 2) não foram negociadas” (facto que resulta da prova produzida). E não devia ter dado como provado o ponto 13, ou seja que “A autora comunicou à ré as cláusulas constantes do contrato referido em 2)”.

  1. – Pelo que, deve a sentença de que ora se recorre ser revogada/modificada, dando-se como provado que “as cláusulas do contrato referido em 2) não foram negociadas” e como não provado que “a autora comunicou à ré as cláusulas constantes do contrato referido em 2)”. E absolvendo-se, consequentemente, a Ré do pedido.

  2. – Por outro lado, ao não considerar nula, por excessiva, a cláusula 13.ª do contrato em questão, o Tribunal a quo cometeu erro em matéria de Direito, pois devia ter aplicado, em concreto, o artigo 15.º e a alínea c), do artigo 19.º, ambos do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, declarando a nulidade de tal cláusula.

  3. - Para além disso, ainda que o Tribunal a quo não considerasse tal cláusula nula, sempre deveria ter procedido à sua redução nos termos do artigo 812.º do Código Civil, pelo que ao decidir a não redução equitativa de tal cláusula, o Tribunal a quo violou o referido artigo, incorrendo em erro em matéria de direito.

  4. – Não obstante, o Tribunal a quo cometeu, ainda, erro em matéria de Direito, violando o artigo 334.º do Código Civil, ao não considerar abusivo o exigir da cláusula penal em questão, porquanto, todos os fins visados pelo contrato em questão (publicidade, exclusividade, consumo,) continuam a ser realizados (cfr. ponto 11 dos factos dados como provados).

  5. – Veja-se, também, que se a cláusula penal está contratualizada de forma a que, em caso de incumprimento, a Autora receba uma quantia equivalente ao dobro do investimento feito, a indemnização nela prevista tem que ser reduzida a metade, pois o dano sofrido pela Autora (que resolveu o contrato, sendo portanto de considerar o interesse contratual negativo) será o correspondente a esse mesmo investimento.

  6. – Assim, o Tribunal a quo incorreu em erro em matéria de Direito, violando o n.º 3, do artigo 811.º, do Código Civil, ao condenar a Ré a pagar uma cláusula penal indemnizatória cujo valor manifestamente superior ao dano sofrido pela Autora.

  7. – Para além disso, o Tribunal a quo cometeu erro em matéria de Direito, violando o n.º 1, do artigo 811.º, do Código Civil, ao condenar a Ré no pagamento da quantia de € 26.904,00 (vinte e seis mil, novecentos e quatro euros), acrescida de juros, relativa à cláusula penal indemnizatória previsto no contrato em questão e, para além disso, da quantia de € 5.531,41 (cinco mil, quinhentos e trinta e um euros e quarenta e um cêntimos) por incumprimento contratual.

  8. – Em suma, deverá: - a decisão da matéria de facto ser alterada, nos termos supra expostos, e a Ré ser totalmente absolvida do pedido; ou sem prescindir e caso assim não se entenda, - a cláusula penal (13.ª do contrato) ser considerada nula, por desproporcional aos danos, ou, então, reduzida nos termos do artigo 812.º Código Civil; - ser considerado o erro de Direito decorrente de a indemnização em que se condena a Ré (equivalente à cláusula penal) ser superior ao dano, eventualmente, sofrido pela Autora; - ser considerado o erro de Direito decorrente de o Tribunal a quo ter condenado a Ré no pagamento da clausula penal indemnizatória, bem como no pagamento de indemnização derivada de incumprimento contratual.'' Conclui pedindo que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e, em sua substituição, julgando-se a acção totalmente improcedente.

Foram oferecidas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

2 – Questões a decidir.

Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A números 1 e 3, ambos do CPC, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do CPC: A - Impugnação da matéria de facto.

B – A aplicação ao caso dos autos do regime das cláusulas contratuais gerais.

C – A redução da cláusula penal.

D – O abuso de direito.

E – A proibição de cumulação do cumprimento e do pagamento da cláusula penal.

3 – Apreciação das questões.

A - Impugnação da matéria de facto.

Segundo a R, o Tribunal a quo devia ter dado como provado que “as cláusulas do contrato referido em 2) não foram negociadas” (facto que resulta da prova produzida) e não devia ter dado como provado o ponto 13 dos factos dados como provados, ou seja que “A autora comunicou à ré as cláusulas constantes do contrato referido em 2)”.

O quadro normativo que regula tal impugnação é o seguinte: Artigo 712.º [1] Modificabilidade da decisão de facto 1 - A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

2 - No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

3 - A Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância e podendo o relator determinar a comparência...

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