Acórdão nº 1936/07.3TBFAF-S.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelRAQUEL REGO
Data da Resolução25 de Setembro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO.

  1. Maria …, solteira, residente na cidade e Comarca de Fafe, na qualidade de credor reclamante, em que é insolvente João … Lda, veio, nos termos do artº 130º do CIRE, impugnar a lista de credores reconhecidos.

    Impugna o reconhecimento do seu crédito como comum, dizendo que deverá ser reconhecido como garantido, visto resultar do incumprimento da insolvente, de um contrato promessa celebrado entre as partes, mediante a qual a insolvente prometeu vender à requerente, e esta prometeu comprar, a fracção “O” do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho da Fafe sob o artº 6332º. Refere que além de ter entregue à promitente-vendedora a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros), a título de sinal, obteve ainda a traditio do imóvel, onde passou a residir estabelecendo o seu centro de vida familiar e social.

  2. A tal impugnação veio a credora Caixa … responder, a fls. 103 e ss., impugnando, no que agora releva, a invocada natureza do crédito em causa.

  3. o Tribunal a quo veio a proferir sentença que reconheceu que o crédito reclamado pela credora Maria …, no montante de €80.000,00, goza do direito de retenção sobre a dita fracção “O”, nos termos do artº 755º nº1, f) do Código Civil, a graduar no lugar que lhe competir na sentença de verificação e graduação de todos os créditos.

  4. Inconformada, apelou a Caixa…, rematando as alegações com as seguintes conclusões: - É objecto do presente recurso — assim limitando o seu âmbito de decisão - a questão de saber se o crédito reclamado pela credora Maria …, no montante de 80.000,00€, goza de direito de retenção sobre a fração “O” do prédio Edificio Matriz S. José, Fafe, descrita na CRPredial de Fafe sob o n° 3943, em consequência da recusa do cumprimento do contrato-promessa por parte do administrador de insolvência.

    - A questão a enunciar é a seguinte: No domínio dos negócios em curso à data da declaração de insolvência, um promitente-comprador de imóvel, com traditio, cujo contrato-promessa (com eficácia meramente obrigacional) não foi cumprido pelo administrador da insolvência, goza do direito ao recebimento do sinal em dobro e da qualificação do seu crédito como garantido por via do direito de retenção (sendo assim graduado acima do credor hipotecário)? - O contrato-promessa de compra e venda relativo à fracção autónoma apreendida nos autos é de natureza meramente obrigacional, porquanto não foi celebrado por escritura pública nem sujeito a registo, não tendo a aposição de eficácia real sido, sequer, alegada.

    - À data da declaração de insolvência este contrato-promessa encontrava-se, ainda, em curso (ainda que com mora contratual do promitente-vendedor).

    - O contrato em causa não foi cumprido pelo AI pelo que deve ser apreciado, como aliás o fez o Tribunal a quo, à luz do estatuido nos arts. 102° a 119° do CIRE, por dizer respeito a negócios em curso à data da declaração de insolvência.

    - No caso sub iudice houve recusa expressa do cumprimento deste contrato, pelo Sr. Administrador de Insolvência.

    - O CIRE, que sucedeu ao revogado CPEREF, veio instituir uma nova filosofia (‘autónoma e distinta’) que visa, fundamentalmente, garantir os direitos dos credores na sua globalidade, razão pela qual estes passam a ter um papel absolutamente preponderante e definitivo nas decisões a tomar em sede insolvencial, mormente no que concerne aos destino dos negócios em curso, o que justifica que o Administrador de Insolvência surja com poderes reforçados relativamente aos seus anteriores congéneres (Administrador Judicial e Liquidatário Judicial).

    - No que concerne aos negócios em curso à data da declaração de insolvência, foi introduzido um principio geral no art. 102° do CIRE, segundo o qual cabe ao Administrador de Insolvência optar pelo cumprimento ou recusa do cumprimento dos contratos.

    - Em caso de recusa do cumprimento por parte do Administrador, a indemnização à contraparte está limitada “ao valor da prestação do devedor, abatido do valor da contraprestação de que a outra parte ficou exonerada pelo que, e citando Menezes Leitão, “a denominada recusa de cumprimento gera uma indemnização por incumprimento, em que o legislador manda aplicar integralmente a teoria da diferença”.

    - Em sede de principio geral, optando o Administrador de Insolvência pela recusa do cumprimento do negócio em curso, por assim entender ser mais vantajoso para a pluralidade de credores, o valor da indemnização à contraparte fica limitado ao dano provocado, ainda que com significativas restrições.

    - Para além disso, o crédito indemnizatório resultante da opção pelo não cumprimento do contrato é um crédito sobre a insolvência (art. 102°, n°3, alinea d), MD), de natureza comum, como, aliás, expressamente o referem Luis Carvalho Fernandes e João Labareda em CIRE Anotado, nota 10 ao art. 102°.

    - Para além do principio geral postulado pelo art. 102° do CIRE, o art. 119° do mesmo diploma vem atribuir carácter absolutamente imperativo às disposições constantes dos arts. 102° a 118°, sendo nula qualquer convenção ou cláusula que exclua ou limite o seu âmbito de aplicação.

    - Esta expressa menção a cláusulas ou convenções é necessariamente extensivel a disposições de carácter legal, constantes de lei geral, que postulem regimes indemnizatórios diversos do estabelecido nesta especial lei do regime insolvencial, em obediência ao principio da derrogação da lei geral por lei especial.

    - O tratamento legal a dar aos negócios em curso à data da declaração de insolvência obedece ao principio geral constante do art. 102° do...

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