Acórdão nº 1111/14.0TBBCL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução05 de Novembro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: “ AA Banco…, SA ”, com sede em Lisboa.

Recorridos: BB…, residente em Barcelos.

“ Banco CC…, SA ”, com sede em Lisboa.

Barcelos – Instância Local - secção cível (J1).

* 1. BB propôs a presente acção declarativa sob forma de processo comum contra “ Banco CC, SA ”, pedindo, a final, que fosse o Banco Réu condenado a devolver-lhe a quantia de € 50. 000, 00, acrescida de juros legais.

Para tanto, alegou, no essencial, ter efectuado, sob conselho e insistência de uma funcionária do Banco Réu, uma determinada aplicação financeira no “ Lehman Brothers ”, no aludido montante de € 50. 000, 00, sob a garantia de que o dito capital não correria qualquer risco, estando sempre garantido.

Sucede que, apesar de aquele montante figurar na sua conta bancária junto do Banco Réu (conta n.º 629068809) e não obstante as suas insistências no sentido da respectiva devolução, o mesmo Réu recusa-se a fazê-lo.

  1. Citado, veio o mesmo Réu “ Banco CC, SA ” oferecer a sua contestação, alegando matéria de excepção e de impugnação, concluindo, a final, pela procedência da excepção (peremptória – caducidade) invocada, com a consequente absolvição do pedido, ou, a assim não se entender, pela improcedência da causa, com as consequências legais.

  2. Já após a sobredita contestação, veio o mesmo Réu deduzir requerimento em que, no que ora importa, veio suscitar a sua própria «substituição», no lado passivo, da presente lide, por “ AA Banco, SA ”, sustentando, no essencial, que a alegada responsabilidade que lhe é imputada nestes autos foi «transferida» para o aludido “ AA Banco, SA ”.

  3. Na sequência desse requerimento, veio a ser proferido despacho pela Srª Juiz a quo, no qual, em síntese, deferindo à pretensão do ali Requerente “ Banco CC, SA ”, ordenou, ao abrigo do preceituado no art. 269º, n.º 2 do CPC, com as necessárias adaptações, a «notificação deste (“ AA Banco, SA ”) para, no prazo de dez dias, querendo, regularizar o mandato ou conferir mandato a advogado, atenta a obrigatoriedade de patrocínio no âmbito dos presentes autos.» 5. Inconformado com o dito despacho, datado de 4.05.2015, veio o dito “ AA Banco, SA ” interpor recurso do mesmo, recurso este que foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.

    * * 6. Nas suas alegações, o Recorrente apresentou as seguintes conclusões recursivas: I. O “ AA Banco, S.A. ”, ora Recorrido, foi construído por deliberação do Banco de Portugal ao abrigo do artigo 145.º-G, n.º 5, do RLICSF, encontrando-se devidamente registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, conforme teor da certidão permanente, cujo código de acesso é o 5702-3835-4874.

    1. É uma pessoa colectiva autónoma, insusceptível de confusão com o CC.

    2. Em primeiro lugar, o Recorrido, apesar de gozar do facto de ser uma pessoa colectiva diferente do CC, foi “chamado” à lide, pela primeira vez, através de notificação, com aviso de recepção, a qual não encontra previsão no CPC.

    3. Ora, sendo o Recorrente uma pessoa colectiva autónoma, insusceptível de confusão em relação ao CC, conforme reiteramos, deveria o mesmo ter sido chamado ao processo, para se defender, através de citação.

    4. Em segundo lugar, o Tribunal a quo, com o devido respeito, tomou o Recorrente como “ parte principal ” na lide, tendo apenas por base única e exclusivamente a tese apresentada pelo CC.

    5. A aludida decisão, salvo o devido respeito, que nunca deixaremos de sublinhar, foi tomada à revelia de princípios processuais e constitucionais, tais como o contraditório, a igualdade, a proporcionalidade, o direito a um processo equitativo e ainda a proibição da indefesa, previstos nos artigos 3.º, n.º 1 e 3, do CPC, 20.º, n.º 4 e 2.º da CRP.

    6. Conforme tem sido entendido pela doutrina, e pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, é no princípio do contraditório que reside o princípio da proibição da indefesa.

    7. Princípio este que exige ao julgador a necessidade de trilhar um caminho prévio à tomada de uma decisão, mesmo de cariz interlocutório.

    8. E que por sua vez se materializa na obrigatoriedade de o Tribunal a quo conceder ao sujeito processual, potencialmente afectado pela decisão a ser tomada, a possibilidade de discutir, contestar e de valorar, previamente os argumentos que contra ele são deduzidos por outro sujeito processual, com um interesse antagónico.

    9. Aliás, o cumprimento desta formalidade é mesmo uma consequência da existência em Portugal de um Estado de direito democrático.

    10. Por outro lado, e salvo o devido respeito, não é só o princípio do contraditório que foi ferido com a decisão sub judice, mas também o princípio da igualdade, previsto nos termos do artigo 13.º, da CRP, e 4.º, do CPC.

    11. A igualdade exige que o tribunal coloque no mesmo prisma ambas as partes litigantes, assegurando um estatuto idêntico no uso das faculdades, meios de defesa, e aplicação das cominações ou sanções processuais.

    12. Em particular, atente-se ao sentido negativo da igualdade, o qual tem como escopo limitar o raio de acção do decisor, impedindo-o de criar situações de desigualdade substancial entre os sujeitos com interesses contraditórios na lide.

    13. Com o devido respeito, é notória a desigualdade que Tribunal a quo aplicou in casu, já que o mesmo simplesmente procedeu à notificação do ora Recorrente, pessoa jurídica autónoma aos olhos da lei, para, sem mais, vir à lide na qualidade de parte principal, com base única e simplesmente na fundamentação apresentada pelo CC, sem gozar da mesma faculdade atribuída a este, ou seja, a possibilidade de refutar a tese por ele apresentada.

    14. O Recorrente viu-se assim obrigado, em face do teor da decisão, a aceitar tout court, como verdadeira, a tese alegada pelo CC, situação com a qual não se conforma.

    15. Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, sempre se diga que a tese avançada pelo CC, e que está na origem do “chamamento” do ora Recorrente, carece de total fundamento.

    16. Não é verdade que tenha ocorrido uma transferência do CC para o ora Recorrente de toda a actividade, activos, passivos, responsabilidades e contingências.

    17. Ao invés, apenas foi transferido do CC para o Recorrente um conjunto de activos, passivos e elementos extrapatrimoniais.

    18. O âmbito dessa transferência foi definido pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, nos termos do RLICSF, através das deliberações de 3 e 11 de Agosto de 2014.

    19. Nos termos das aludidas deliberações foram transferidos passivos e activos da esfera jurídica do BES para a esfera jurídica do Recorrente, com excepção do elenco previsto no Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014 do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de acordo com as alterações introduzidas no mesmo, e do texto consolidado, àquele anexo, pela deliberação de 11 de Agosto de 2014 tomada pelo mesmo órgão.

    20. Destarte, a aludida transferência apenas teve por objecto os activos e passivos, devidamente constituídos e consolidados, até porque nos termos das deliberações vindas de referir os mesmos foram transferidos pelo respectivo valor contabilístico.

    21. De modo que, só têm valor contabilístico os passivos e activos devidamente constituídos e consolidados.

    22. Sublinhe-se que as referidas deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal exceptuaram, de forma cristalina, do âmbito da transferência do CC para o Recorrente, “ quaisquer responsabilidades ou contingências do CC, nomeadamente decorrentes de fraude, ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais ”.

    23. Do confronto do teor das duas deliberações é patente que o Banco de Portugal determinou a permanência na esfera jurídica do CC das responsabilidades que não constituam passivos consolidados, e quaisquer contingências, não tendo estas, em momento algum, sido transferidas para a esfera jurídica do Recorrente.

    24. Esta realidade decorre do considerando 21. da deliberação de 11 de Agosto de 2014 do Banco de Portugal e dos termos em que se traduziu a alteração à redacção da subalínea (v) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto 2014 do mesmo órgão, introduzida pela deliberação de 11 de Agosto de 2014.

    25. Os alegados factos in casu envolveram (e envolvem) apenas o BES.

    26. O Recorrente está, assim, alheado de todos os factos contra ele imputados, já que só foi criado em 3 de Agosto de 2014.

    27. Por outro lado, não estamos, in casu, perante responsabilidades do CC que constituam passivos constituídos e consolidados, mas perante a contingência de que o Tribunal a quo possa vir (ou não) a atribuir qualquer responsabilidade ao CC.

    28. De facto, esta contingência manteve-se no CC e não foi transferida para o Recorrente.

    29. Pelo que, o Recorrente não é parte na relação material controvertida, ao invés do decidido pelo Tribunal a quo.

    30. Em face de tudo o que foi dito, o Recorrente é, assim, parte ilegítima.

    31. Devendo, em todo o caso, ser absolvido da instância.

    Concluiu, ainda, o Recorrente pela procedência do recurso em apreço.

    * * 7. O Recorrido “ Banco CC, SA ” ofereceu contra-alegações, em que apresentou as seguintes conclusões recursivas:

    1. Não merece censura o despacho do Tribunal a quo, nos termos do qual, à luz da medida de resolução aplicada ao CC pelo BdP, e na decorrência do disposto no artigo 269.º, n.º 2, do CPC, se considerou «operada a substituição do Banco ECC, S.A. pelo AA Banco, S.A.».

    2. A decisão sobre se o AA BANCO deve, ou não, assumir a posição anteriormente ocupada pelo CC nos presentes autos, depende, a montante, de saber se a responsabilidade imputada pela Autora ao BES se transferiu, ou não, por força da Deliberação do BdP, para a esfera do AA BANCO.

    3. O objeto do litígio sub judice reconduz-se a uma questão de responsabilidade civil contratual do CC perante um seu antigo cliente, a Autora.

    4. Na Deliberação pode ler-se que ―As responsabilidades do CC perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos...

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