Acórdão nº 863/11.4GAFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO MONTERROSO
Data da Resolução23 de Março de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães No ex 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc.nº 863/11.4GAFAF), foi proferida sentença que decidiu (transcreve-se):

a) Absolver os arguidos Emílio I. e Libânia I.

dos crimes de sequestro de que vinham acusados; b) Condenar o arguido Emílio I.

como co-autor material de dois crimes de coacção agravada, crime previsto e punível pelos art. 154.º, n.º 1, e 155.º, do CP, e art. 86.º, n.º 3 e 4, da Lei das Armas, cada um na pena de 3 (três) anos de prisão; c) Em cúmulo jurídico destas duas penas fixadas, condenar o arguido Emílio I.

na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, pena de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos ao abrigo do art. 50.º, do CP; d) Condenar a arguida Libânia I.

como co-autora material de dois crimes de coacção agravada, crime previsto e punível pelos art. 154.º, n.º 1, e 155.º, do CP, e art. 86.º, n.º 3 e 4, da Lei das Armas, cada um na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; e) Em cúmulo jurídico destas duas penas fixadas, condenar a arguida Libânia I.

na pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, pena de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 2 meses ao abrigo do art. 50.º, do CP; f) Subordinar as suspensões de pena dos dois arguidos a regime de prova e ao pagamento a Maria A. Silva Ferreira, na forma solidária, àquela de uma indemnização no valor de €5.000,00, devendo os arguidos, de 6 em 6 meses, depositar, à ordem dos autos a quantia de €1.000,00, até perfazer aquele montante, o qual posteriormente será entregue àquela ofendida;* Os arguidos Emílio I. e Libânia I.

interpuseram recurso desta sentença, suscitando as seguintes questões: - o registo da prova contém “impercetibilidades e outras incorreções e incompreensões que limitam a capacidade recursória dos arguidos devendo os autos baixar à primeira instância, agendando-se nova data para a inquirição das testemunhas…”; - “aos arguidos deverá ser devolvido o valor da multa autoliquidada, por à mesma não terem dado causa…”; - arguem a nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas – art. 374 nº 2 do CPP; - arguem os vícios dos arts. 410 nº 2 als. a) e c) do CPP; - impugnam a decisão sobre a matéria de facto, visando, alterada esta, a sua absolvição; - questionam o enquadramento penal dos factos; e - questionam a condição a que ficou subordinada a suspensão da execução da prisão.

* Respondendo, o magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.

Nesta instância, a sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

* I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):

a) No dia 11 de Agosto de 2011, pelas 15.20h, os arguidos Emílio I. e Libânia I., na concretização de um plano previamente engendrado por ambos, deslocaram-se à fábrica de confecção “…”, sita na Rua …, nesta comarca de Fafe, acompanhados por um outro indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, por forma a recuperar os cerca de 1800 pólos que haviam ali deixado para serem bordados.

b) Ali chegados, os arguidos entraram na referida fábrica e, por força da não entrega voluntária, salvo pagamento de uma dívida aí contraída pelos arguidos, o arguido Emílio, dirigindo-se à funcionária Maria F. que ali se encontrava, disse-lhe: “quero as minhas peças, quero os meus pólos”.

c) Nisto, as funcionárias Maria F. e Maria A. disseram ao arguido para ter calma, que iriam telefonar ao patrão para resolverem a situação, tendo o arguido se aproximado da funcionária Maria A. e lhe desferido uma sapatada na mão, fazendo com que o telemóvel que esta trazia na mão caísse para o chão, impedindo-a de realizar qualquer chamada telefónica.

d) Em acto contínuo, a funcionária Maria A. dirigiu-se para dentro do compartimento do seu escritório para tentar telefonar para a polícia, tendo o arguido Emílio seguido no seu encalço, e depois de desferir um pontapé na porta e entrar dentro do referido escritório, abeirou-se junto desta e apontou-lhe um objecto que se assemelhava a uma arma junto do pescoço enquanto lhe dizia repetidamente: “eu mato-te, dou-te um tiro, eu mato-te sua puta, ninguém liga à polícia senão mato-te”.

e) Por força disto, Maria F., acompanhada da arguida Libânia e do terceiro elemento não identificado, abriu a porta do armazém, disponibilizando o acesso às peças de vestuário exigidas.

f) De seguida, os arguidos acompanhados do terceiro elemento, carregaram cerca de 1800 pólos para dentro do veículo automóvel onde se faziam transportar naquele dia, e ausentaram-se daquele lugar.

g) Actuaram os arguidos na concretização de um plano previamente elaborado por ambos, em conjugação de esforços e intentos, com o propósito conseguido de amedrontar como amedrontaram as referidas funcionárias, bem como constrangê-las a entregar as referidas peças de vestuário.

h) Em razão da seriedade das referidas ameaças proferidas pelo arguido Emílio e por acreditarem que o arguido seria capaz de as executar, sentiram as funcionárias medo e inquietação, tendo receado a sua concretização e temido pela sua vida e integridade física.

i) Quiseram os arguidos privar, como privaram, as duas ofendidas da sua liberdade de movimentos, obrigando-as, mediante ameaça, a entregar os ditos pólos e impedindo-as de telefonar à polícia, detendo-as nos seus movimentos e impedindo-as, assim, de se deslocarem livremente.

j) Actuaram os arguidos de modo voluntário, livre e consciente, bem sabendo serem todas as suas condutas proibidas e punidas por lei.

*k) Dos CRC’s dos arguidos não constam antecedentes criminais.

l) O teor dos relatórios sociais de f. 121-127 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

* Considerou-se não provado que: O arguido mostrou uma arma de fogo pequena, de cor preta, de marca e modelo não apurados à funcionária Maria F. que ali se encontrava e disse-lhe: “quero as minhas peças, quero os meus pólos, senão eu mato o seu marido”.

Maria F. ficou cercada pela arguida e por um terceiro, que se colocaram junto desta com o intuito de a vigiar, controlar e intimidar.

Quando a funcionária Maria F. regressou do armazém, o arguido Emílio, dirigindo-se à mesma, disse que no final do mês ia buscar o dinheiro, tendo acrescentado: “Cuidadinho que eu rebento isto tudo”.

Perante a postura intimidatória da arguida Libânia ao cercar a ofendida Maria F., impondo que a mesma se dirigisse ao armazém da fábrica, conseguiu esta arguida constranger a ofendida a actuar contra a sua própria vontade.

* Transcreve-se igualmente a motivação da decisão sobre a matéria de facto O tribunal formou a sua convicção do seguinte modo: Os arguidos não quiseram prestar declarações.

Das testemunhas resultou unânime a presença dos arguidos no dia dos factos. Como resultou consensual que os mesmos tinham encomendado um trabalho à confecção em causa. E a existência da dívida, pelo menos à data, não foi controvertida por ninguém. Isto no que toca ao contexto.

Já quanto à prática dos factos típicos, porém, por razões alheias ao tribunal, as testemunhas, com excepção de Maria A., vieram prestar um depoimento defensivo, incongruente, estranhamente falho de detalhes, atenta a postura destas testemunhas e a versão relatada, tudo conjugado com as regras da experiência. Assim, todos os depoimentos, quanto à dinâmica dos factos (que não aquele contexto supra referido), apresentaram-se manifestamente inverosímeis. Senão vejamos, dando exemplos de cada uma destas testemunhas: Maria F. Alves veio dizer a tribunal que já não se recordava bem dos factos, designadamente se foi utilizada força para a entrega dos pólos. Como se o uso de uma arma fosse um acontecimento habitual numa pessoa. Aliás, esta testemunha referiu-se genericamente à existência de um conflito, de confusões. E que o arguido pedia as coisas de modo agressivo. Ainda assim admitiu que ela e Maria A. estavam assustadas. De um modo completamente inconsistente, frágil afirmou que o patrão deu ordem para entregar o material.

António F., o dono da confecção, esteve no mesmo registo e quis fazer crer ao tribunal que, apesar de ter acabado por dar ordem para a entrega do material, quando chegou ao local as funcionárias estavam um pouco nervosas. Aliás, basta ver o auto de notícia para se perceber que esta testemunha foi com a GNR para o local. Deste modo, o declarado por esta testemunha resulta imprestável e quase a raiar o absurdo.

Por seu turno, Fernanda G., há alguns anos a trabalhar na …, declarou que viu a discussão e que falavam alto, pedindo a obra quando foram para dentro do escritório. Referiu também que ele tinha qualquer coisa na mão, assemelhando-se a um telemóvel. Mas acabou por admitir que Maria A. lhe disse que foi confrontada com uma arma por parte do arguido. A postura desta testemunha, o modo como depôs, designadamente como tergiversou sobre determinados aspectos impedem-nos também de considerar este depoimento espontâneo, sincero e credível.

Por sua vez Rosa C., maquinista à data, a trabalhar na referida confecção, admitiu ainda assim que ouviu gritos e ameaças, mas estava de costas para a entrada e para o escritório. No fundo, perante uma situação destas manteve-se de costas. Infelizmente, afirmou que hoje em dia não...

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