Acórdão nº 1078/14.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * 1.- Relatório. A.., e marido É.., ambos de Ponte de Lima, instauraram acção declarativa de condenação e com processo comum, contra : N.. e I.., residentes em Ponte de Lima, V.., LDA., com sede em Sobral, Ponte de Lima, M.., Engenheira Técnica Civil, residente em Ponte de Lima, e BANCO .., S.A., com sede em Lisboa.
Peticionam os AA que, sendo a acção julgada procedente e provada: I - A) Seja declarado nulo ou anulável a escritura pública celebrada entre Autores e 1º Réu, inerente ao prédio urbano identificado no artigo 19º da p.i., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1651º, isto atendendo à impossibilidade legal do seu objecto; B) Se assim se não entender, que o negócio seja nulo / anulado, atento que os mesmos foram enganados por todos os Réus; C) Seja declarado resolvido, nulo ou anulável o negócio, sendo os Réus condenados solidariamente em todos os prejuízos sofridos, e desde logo na quantia paga ao Réu Banco.., S.A., inerente às prestações que entretanto se vierem a vencer e às que se vencerão, às despesas com juros, escritura, registo e outras, prejuízos que, por estarem em curso, se relega a sua liquidação para execução de sentença; D) Venham os Réus a ser solidariamente condenados a pagarem o valor do mobiliário que os Autores adquiriram para o imóvel, e que retirado do mesmo, não tem qualquer uso, e no que gastaram a quantia de € 5.000,00, nomeadamente a mobília de dois quartos, uma cozinha completa, mobiliário de sala de jantar, mobiliário do escritório; E) Devam os AA ser ressarcidos na quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), referente ao montante de obras, benfeitorias efectuadas no imóvel, nomeadamente com a construção de um anexo, pavimentação e ajardinamento do logradouro, e vedações; II - Se assim se não entender, e não for declarado nulo, anulável o acto de compra e venda celebrado entre Autores e 1º Réu N.., bem como a escritura de mútuo celebrada entre Autores e Réu Banco .., S.A., e atento o imóvel ficar consideravelmente desvalorizado atento os factos descritos na p.i.: F) Deve ser reduzido o montante a pagar pelos Autores ao 1º Réu, para valor não superior a € 60.000,00 (sessenta mil euros), e, consequentemente, G) Devem os Réus ser considerados solidariamente responsáveis pelo pagamento, aos Autores, da quantia inerente à diferença entre o valor por estes pago e o valor do prédio atento a desvalorização, ou seja, € 60.000,00 (sessenta mil euros), devendo acrescer a tal valor as despesas de registo, impostos, comissões e outras, quantia acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, invocam os AA, em síntese, que : - Em Julho de 2010 os Autores adquiriram uma moradia nas redondezas da vila de Ponte de Lima, prédio cuja aquisição foi aconselhada pela 2 dª Ré , a qual lhes informou estar legalizado e não sofrer de vícios ou defeitos que o desvalorizem, confrontar com caminho público e que não estar implantado em zona inundável ; - Logo após a feitura do contrato-promessa de compra e venda, os AA conseguiram obter junto do 4º Réu Banco.., S.A., um financiamento para a aquisição da referida moradia, razão porque, quando do contrato de compra e venda, foi a competente escritura efectuada, em simultâneo, com o mútuo com hipoteca a favor do Banco.., S.A.; - Acontece que, em Dezembro de 2013, os Autores constataram que o acesso à moradia adquirida não era um caminho público, mas sim um caminho de servidão , o que os indignou, sentindo-se enganados, desde logo, pelos 1ºs. Réus, e pela Ré V.. , pois que, se tivessem tido conhecimento de que o acesso ao prédio não era um caminho público, não teriam adquirido o imóvel; - Ainda em 2013, os AA , depois o prédio adquirido ter sido invadido pela água de um ribeiro , colocando em perigo pessoas e bens , indagaram junto da Câmara Municipal de Ponte de Lima como ( dado estar implantado em zona onde era impossível a construção, porque inserido em zona inundável ) é que os Réus tinham obtido licença para a feitura da construção do imóvel adquirido, vindo então a apurar que no caso concreto tinha o referido Município a obrigação legal de não ter licenciado, para o local, o referido imóvel e de não ter passado a respectiva licença de utilização [ quer por não ser permitida a construção no local em causa, quer por ter licenciado um prédio em desconformidade com o projecto aprovado, negligenciado os seus poderes de fiscalização ]; - Também a Técnica que fiscalizou a obra, a 3ª Ré M.., ao solicitar para a mesma as respectivas licenças de construção, aceitando a feitura da obra, fiscalizando-a e afirmando que a mesma estava conforme a legislação em vigor, o que não era exacto, veio com tal actuação a causar prejuízos aos Autores ; - Para além da 2ª Ré V.., Lda., dever ser solidariamente responsabilizada pelos prejuízos causados aos AA , porque afirmou que a casa adquirida confrontava com caminho público, e que estava implantada em terreno onde era para tal possível, bem sabendo que tal não correspondia à verdade, também o 4º Réu Banco.., S.A. deve ser responsabilizado pelos referido prejuízos dos Autores, já que , antes da concessão do mútuo, analisou o pedido de construção, viu o imóvel e a sua localização, analisou o projecto de construção e os documentos que o instruíram, constatou que o imóvel estava edificado em zona inundável e sem acesso deste para a via pública, e , mesmo assim, não advertiu os Autores, concedendo-lhes um empréstimo sobre a transmissão.
- Em suma, deve ser declarado nulo e resolvido o contrato-promessa e de compra , por possibilidade legal do seu objecto, ou, se assim se não entender, pretendem os AA que o negócio seja nulo / anulado, atento que foram enganados por todos os Réus, já que, se tivessem ido conhecimento das circunstâncias descritas , não teriam adquirido o imóvel.
1.1. - Após citação dos RR, vieram todos apresentar contestação, deduzindo oposição por excepção ( dilatória e peremptória ) e impugnação motivada, tendo designadamente a Ré : A) I.., excepcionado a incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, considerando para tanto que, ao impugnarem os autores a legalidade do licenciamento da obra pela Câmara Municipal de Ponte de Lima , obrigados estavam a intentar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a competente acção de impugnação dos subjacentes actos administrativos, ou seja, pondo os autores em causa, nos presentes autos, o licenciamento da construção da casa de habitação e a sua utilização para tal fim, a acção deveria ter sido proposta no tribunal administrativo e fiscal de Braga e naturalmente contra o Município de Ponte de Lima, verificando-se assim uma incompetência material deste tribunal para apreciação do pedido formulado na acção de nulidade e anulação da compra e venda em causa com fundamento no licenciamento indevido da respectiva construção e emissão da licença de utilização pela Câmara Municipal de Ponte de Lima.
1.2. - Seguindo a resposta dos AA, incidindo a mesma sobre as excepções aduzidas pelos RR, foi designado dia para uma Audiência prévia, com os objectivos assinalados no artigo 591º, nº1, als. a), b), c), d), f) e g) , do CPC , sendo que, iniciada a mesma, foi proferida decisão que conheceu da excepção dilatória da incompetência absoluta arguida pelas RR I.. e V.., LDA., sendo a mesma, em parte, do seguinte teor : “ (…) Para determinação da competência em razão da matéria, é necessário atender-se ao pedido e especialmente à causa de pedir formulados pelo demandante, pois é desta forma que se pode caracterizar o conteúdo da sua pretensão.
Quer dizer que, para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, deve atentar-se à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante ( cfr. Ac. do S.T.J. de 30/06/09 in www.dgsi.pt e Ac. do S.T.J. de 06/11/08 in www.dgsi.pt. ).
No caso dos autos os AA ,deduziram desde logo a título principal o seguinte pedido: “Declarar-se nulo ou anulável a escritura pública celebrada entre Autores e 1º Réu , inerente ao prédio urbano identificado no artigo 19º da p.i. inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1651º, atendendo à impossibilidade legal do seu objecto”.
Para o pretendido reconhecimento da impossibilidade legal do objecto alegaram os AA como causa de pedir que o imóvel não deveria ter sido licenciado pela CM de Ponte de Lima, a qual alegadamente tinha a obrigação de, para o imóvel, não ter passado a respectiva licença de utilização. Sendo certo que a CM não só aprovou o projecto de arquitectura do imóvel, como emitiu alvará de construção e posteriormente emitiu alvará de licença de utilização nº 124/03.
Assim sendo, considera-se que o pedido principal formulado pelos AA pressupõe o conhecimento e apreciação de matéria - “a impossibilidade legal do objecto por indevido licenciamento - que não cabe na competência dos tribunais comuns, mas antes na competência dos tribunais administrativos.
Por outro lado, o certo é que o imóvel em causa está licenciado, através de decisão administrativa até agora válida e eficaz, pois não foi posta em causa tal validade e eficácia, repete-se, nos meios ou jurisdição competente.
Entrando agora na análise da legislação aplicável, saliente-se que o artigo 40º da LOSJ ( Lei da Organização do SISTEMA Judiciário – Lei 62/2013) estabelece que as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência dos tribunais judiciais. É que os tribunais judiciais, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária, gozam de competência não discriminada, gozando os demais, competência em relação às matérias que lhes são especialmente cometidas.
A competência dos tribunais judiciais determina-se, pois, por um critério residual, sendo-lhes atribuídas todas as matérias que não estiveram conferidas aos tribunais de competência...
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