Acórdão nº 474/13.0TBFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Abril de 2017
Magistrado Responsável | ALEXANDRA ROLIM MENDES |
Data da Resolução | 04 de Abril de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: A e esposa AC, residentes na Travessa do Moinho, n.º …, freguesia de Quinchães, Fafe, intentaram a presente ação declarativa com processo ordinário contra T, com sede na Avenida da Liberdade n.º …, Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €47.211,27 e ainda a quantia diária de €25,00, desde 01/10/2012 até integral ressarcimento da quantia necessária à reparação da viatura, quantias essas acrescidas de juros de mora a calcular à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que no dia 4 de Novembro de 2011, cerca das 19h00, na EN 206, na freguesia de Quinchães, em Fafe, ocorreu um acidente de viação no qual intervieram as viaturas com a matrícula DE e CJ, a primeira propriedade dos autores e conduzida pelo autor marido e a segunda propriedade de A conduzido por M; que naquela data e hora o autor marido conduzia o referido veículo supra referido, transportando a autora mulher, o que fazia a velocidade inferior a 35 km/hora; que no sentido contrário, Pica-Fafe, circulava o veículo segurado da Ré a mais de 90 km/hora, o qual ao desfazer uma curva à direita, atento o seu sentido de marcha, foi embater no veículo conduzido pelo autor; em consequência a autora sofreu lesões físicas, ficando com incapacidade geral permanente; a acrescer a isto, os autores sofreram danos materiais consubstanciados nos danos do veículo acidentado, os danos decorrentes da perda salarial da autora por força da situação de baixa médica em que ficou por 3 meses, os danos decorrentes das consultas médicas e medicamentosas, da perda de uns óculos; mais alegaram que ficaram e ainda estão privados do uso do veículo; alegaram, por fim, a ocorrência de danos morais em consequência do acidente; concluem ser a Ré responsável pelo ressarcimento de tais danos em virtude do contrato de seguro de responsabilidade civil que celebrou com o proprietário do CJ, contrato esse titulado pela apólice n.º 2764095.
A Ré aceitou a responsabilidade pelo sinistro ocorrido, o que fez expressamente, sustentando, no entanto, que os valores peticionados se mostram exagerados.
Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos: “Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:--- a. Condenar a ré T a pagar aos Autores A e AC a quantia de € 10.648,31 (dez mil, seiscentos e quarenta e oito euros e trinta e um cêntimos), acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; b. Condenar a ré T a pagar aos Autores A e AC € 2929,99 (dois mil, novecentos e vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; c. Condenar a ré T a pagar aos autores A e AC a quantia de € 10,00 (dez euros) diários, contados desde 06-01-2012 até efetivo e integral pagamento da quantia arbitrada em a. desta decisão, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento; d. Condenar a ré T a pagar à Autora AC as quantias de € 680,00 (seiscentos e oitenta euros) e € 214, 22 (duzentos e catorze euros e vinte e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; e. Condenar a ré T a pagar à Autora AC a quantia de € 1300 (mil e trezentos euros) a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento; f. Condenar a ré T a pagar à Autora AC a quantia de € 1250,00 (mil e duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento; No mais, absolve-se a Ré do pedido.”.
* * Inconformada, veio a Ré recorrer apresentando as seguintes Conclusões: I.
O presente recurso tem por objeto a decisão da matéria de facto, a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de 10.648,31 €, acrescida de juros, pela reparação do veículo de matrícula DE [alínea a) do dispositivo da sentença] e da quantia de 10,00 € diários, acrescidos de juros, contados desde 06.01.2012 até efetivo e integral pagamento da quantia anteriormente mencionada [alínea c) do dispositivo da sentença].
II.
A Recorrente considera incorretamente julgados os pontos 1.17 e 1.27 dos factos provados na sentença e considera, ainda, que o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, deveria ter julgado provado outros dois factos (instrumentais) que resultaram da prova produzida em audiência de julgamento.
III.
A propósito da utilização dada pelos Autores ao veículo de matrícula DE resulta do depoimento das testemunhas S (registado no sistema de gravação do Tribunal, no dia 22-09-2016, com início de gravação às 15:05:21 e fim de gravação às 15:24:48, em especial nos minutos 06:13 a 07:55 e 15:20 a 17:45) e V (registado no sistema de gravação do Tribunal, no dia 22-09-2016, com início de gravação às 15:24:51 e fim de gravação às 15:39:21, em especial nos minutos 06:44 a 06:59 e 12:27 a 13:55), ambos filhos dos Recorridos, que o carro era mais utilizado pelo Recorrido A mas que este era motorista numa empresa de distribuição de produtos alimentares e que as suas deslocações profissionais eram feitas num veículo da empresa e que o agregado familiar dos Recorridos dispunha de um outro veículo.
IV.
Em face dos depoimentos atrás identificados, o Tribunal, no facto 1.17, deveria ter julgado provado apenas que “o veículo acidentado era utilizado pelos autores para passeios” e já não também para o trabalho.
V.
Daqueles depoimentos resultam, ainda, factos instrumentais relevantes para a boa decisão da causa, designadamente para aferir a utilização habitualmente dada ao veículo acidentado e os incómodos decorrentes da paralisação do mesmo, que, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a) e 607.º, n.º 4 do CPC deveriam ter sido julgados provados, a saber: - À data do acidente e nos quatro anos seguintes, o Autor A trabalhava como motorista numa empresa de distribuição alimentar, utilizando para o efeito um veículo da sua entidade patronal; - O agregado familiar dos Autores, para além do veículo acidentado, dispunha, ainda, de um outro veículo automóvel.
VI.
Quanto ao facto 1.27, o documento 14 junto com a P.I. demonstra que a Ré colocou o valor de 7.601,00 € à disposição dos Recorridos, na data de 03.01.2012 (e não 03.03.2012), para indemnização pela perda total do veículo (e não para reparação).
VII.
O Tribunal a quo deveria ter dado ao facto 1.27 a seguinte redação: A ré colocou à disposição dos Autores, em 03.01.2012, a quantia de 7.601,00 €, a título de indemnização pela perda total do veículo.
VIII.
A douta sentença do Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que decida a matéria de facto conforme se pugna nas conclusões antecedentes.
Matéria de Direito
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Quanto ao pagamento do valor reparação/perda total do veículo: IX.
O Decreto-Lei 291/2007 é um diploma legislativo com a mesma força de lei do Código Civil, ocupando idêntico lugar na hierarquia das leis, e é posterior, pelo que, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, nada obsta a que o legislador tenha pretendido, com a norma do artigo 41.º desse diploma, substituir ou revogar, no âmbito dos acidentes de viação, o regime dos artigos 562.º e 562.º do Código Civil.
X.
O artigo 41.º não restringe o seu objeto à fase extrajudicial.
XI.
Ao reconstituir-se o pensamento do legislador não pode presumir-se que este quisesse aprovar uma norma que seria “letra morta” ou que não lhe repugnasse que o lesado fosse prejudicado sempre que não quisesse recorrer ao Tribunal.
XII.
A interpretação do artigo 41.º do DL 291/2007 mais consentânea com o espírito do legislador é a de que esta norma concretiza, para a indemnização por acidentes de viação, o conceito indeterminado de excessiva onerosidade do artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil, estabelecendo que se tem por excessivamente oneroso o valor da reparação quando este exceda 100% ou 120%, consoante os casos, do valor venal adicionado do valor do salvado.
XIII.
Esta interpretação é conforme com princípio geral previsto nos artigos 562.º e 566.º, n.º 2, dado que ao receberem o valor venal do veículo, os lesados ficam em condições de adquirir um veículo idêntico ao que possuíam, pelo que a situação anterior ao dano fica reconstituída.
XIV.
No caso em apreço nada permite concluir que o veículo acidentado tinha características especiais das quais resultasse que os Recorridos retiravam dele uma utilidade que não pudessem retirar de outro veículo idêntico da mesma marca e modelo e com a mesma antiguidade ou mesmo que tivesse para os Recorridos um valor distinto do valor de mercado.
XV.
A sentença do Tribunal a quo, ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia de 10.648,31 €, violou o disposto no artigo 41.º, nºs 1, alínea c), e 3 do Decreto-Lei n.º 291/2007 e nos artigos 562.º e 566.º, nºs 1 e 2 do Código Civil, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrente a pagar a quantia de 7.601,00 €, valor ao qual deverão acrescer juros apenas após a data do trânsito em julgado da decisão final dos autos.
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Quanto à privação do uso: XVI.
Caso o Tribunal entenda a Recorrente apenas está obrigada ao pagamento da quantia de 7.601,00 € e não do valor da reparação, tendo em conta que esta colocou à disposição dos Recorridos a referida quantia...
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