Acórdão nº 1512/15.7T8CHV-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução23 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO No apenso de qualificação da insolvência, em que é insolvente “Empresa A – Produtos Regionais, Lda.”, veio a requerente, credora “Empresa X – produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda.” requerer que se declare aberto o incidente pleno de qualificação da insolvência e, a final, se qualifique a insolvência como culposa, com a afetação pessoal da gerente HC e dos senhorios EA e mulher IA.

Tramitado este, o Administrador da Insolvência emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa, entendendo que devem ser afetadas pela mesma, os seus sócios, HC e JS.

O MP concordou com o parecer.

Devidamente citados, os requeridos deduziram oposição, pugnando a requerida HC pela qualificação da insolvência como fortuita e os demais requeridos pela sua não afetação pela qualificação da insolvência como culposa.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor: “Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se:

  1. Qualificar a insolvência da sociedade Empresa A – Produtos Regionais, Lda. como culposa; b) Declarar afectada pela qualificação da insolvência a gerente HC; c) Determinar a inibição da afectada HC, para administrar patrimónios de terceiros, por um período de três anos; d) Determinar a inibição da mesma para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, durante um período de três anos; e) Condenar HC a indemnizar todos credores da sociedade insolvente Empresa A – Produtos Regionais, Lda. que tenham reclamado os seus créditos e até ao limite dos montantes reclamados, reconhecidos e graduados, e não satisfeitos pelo produto da massa insolvente; f) Absolver JS, EA e mulher IA dos pedidos de afectação da qualificação da insolvência como culposa”.

    Discordando da sentença, dela interpôs recurso a requerida HC, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões:

    1. O Tribunal a quo classificou a insolvência nestes autos como dolosa, declarando unicamente afetada por essa qualificação a Recorrente. Atendendo ao disposto no CIRE, a Recorrente não irá pôr em causa a qualificação da insolvência. Porém, considerando os factos dados como provados, a Recorrente não entende adequada a penalização que lhe é imputada. Nem a título de inibição, nem a título de obrigação de indemnizar.

    2. Em dois problemas fundamentais se concentra por isso o presente recurso: no da apreciação do grau de culpa da Recorrente e na correta avaliação do nexo causal entre a sua conduta e os danos causados aos credores, tomando em especial consideração a situação da Insolvente caso a Recorrente não tivesse decidido e agido como o fez.

    3. Nenhum das consequências que podem recair sobre a pessoa afetada pela qualificação é indiferente ao grau de culpa dessa pessoa. Não só porque nenhuma dessas consequências é de aplicação obrigatória ou automática, mas também porque a medida com que podem ser aplicadas é distinta.

    4. Na fixação do grau de culpa da Recorrente, existem dois aspetos cuja relevância o Tribunal a quo menorizou: i) o contexto em que a Recorrente passou a exercer a gerência desde 2012, de perseguição pelo seu outro sócio (e irmão e gerente da maior credora da Insolvente); ii) o contexto em que a Recorrente tomou as decisões de venda do ativo da Insolvente em troca da assunção do passivo bancário da Insolvente.

    5. Todos os elementos disponíveis em sede de factos provados apontam no sentido de o grau de culpa da Recorrente ser reduzido. Não só porque não tinha ao seu dispor nenhuma opção claramente melhor para os interesses da Insolvente, mas também porque das suas ações não resultou prejuízo efetivo para os credores considerados globalmente.

    6. A determinação do grau de culpa é fundamental para efeitos de graduação das medidas a aplicar nos termos do artigo 189.º do CIRE. A sentença recorrida não fundamenta nem especifica qualquer grau de culpa, seja de negligência ou de dolo em qualquer das suas formas e estava obrigada a fazê-lo se queria fixar o período de inibição para além do mínimo fixado na lei.

    7. O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 189.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas b) e c) do CIRE, não devendo a Recorrente ficar inibida de qualquer forma para além do prazo mínimo de dois anos.

    8. Qualquer obrigação de indemnizar, incluindo a que aqui se discute, é limitada pelo pressuposto do nexo causal entre os danos e a ação ilícita que os causar. A constituição desta obrigação de indemnizar tem de passar também o crivo dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, nos termos dos quais é necessário verificar a existência de um facto voluntário (ação ou omissão), de tipo ilícito e culposo, para que se gere a obrigação de indemnizar pelos danos que tenham um nexo causal com esse facto voluntário ilícito e culposo.

    9. Embora os danos dos credores consistam no montante do seu crédito não satisfeito, a Recorrente só pode ser responsabilizada pelo seu contributo para a verificação desse dano e não, de forma cega e abstrata, pela totalidade do dano. Só pode ser responsabilizada pelos danos que, atendendo a um nexo de causalidade adequada, resultem das suas ações e apenas na medida dessas ações.

    10. Tendo assente a necessidade de verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, há que saber quais os danos causados pelos factos ilícitos e culposos imputados à Recorrente. E a melhor forma de o fazer é pela comparação com o que teria sucedido se esses factos não têm ocorrido, uma vez que temos elementos suficientes para o fazer.

    11. Sabemos que a Insolvente passou a estar numa situação de insolvência iminente em maio de 2015, com o trânsito em julgado da decisão que reconheceu o crédito da Empresa X (v. Pontos 8, 9 e 31 dos factos provados).

    12. Sabemos que esse credor penhorou todo o ativo da Insolvente em julho de 2015, que ficou nessa ação avaliado em € 50.000,00, incluindo stock, equipamentos e direito de arrendamento (v. Pontos 9 e 26 dos factos provados).

    13. Sabemos assim que esse é o valor máximo que poderia ser utilizado para satisfazer os créditos existentes (fosse através de venda ou adjudicação na execução) e que para além desse valor os créditos existentes não seriam satisfeitos.

    14. Sabemos que se isso tem sucedido a Recorrente não poderia ser responsabilizada pelos créditos não satisfeitos. Assim, não se pode considerar que a Recorrente gerou mais danos do que aqueles que ultrapassem aquele valor, pois em nenhuma circunstância os credores teriam recebido mais.

    15. À luz do critério do nexo de causalidade adequada, inexiste qualquer ligação entre a conduta da Recorrente e os danos dos credores acima daquele montante, pois não teriam sido satisfeitos independentemente da conduta da Recorrente.

    16. Atendemos àquele valor por ser o único elemento seguro que resulta dos autos quanto ao valor do ativo da Insolvente à data dos factos praticados pela Recorrente. Se se considerar que os elementos de facto são insuficientes, caberá devolver o processo à primeira instância para suprir essa falta ou alterar a decisão remetendo expressamente para liquidação em execução de sentença.

    17. O que não se pode fazer é permitir que a Recorrente fique obrigada a indemnizar por danos que não causou, sob pena de violação do artigo 189.º, n.º 2, alínea e) e n.º 4 do CIRE, em que incorreu a sentença recorrida.

    Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida nos termos sobreditos.

    Não foram oferecidas contra alegações.

    O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    Foram colhidos os vistos legais.

    As questões a resolver prendem-se com o período de inibição da pessoa afetada pela qualificação da insolvência como culposa, bem como com a medida da indemnização em que foi condenada.

    1. FUNDAMENTAÇÃO FACTOS PROVADOS 1) A insolvente Empresa A – Produtos Regionais, Lda. é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto se destina à comercialização de produtos regionais diversos, tais como enchidos, pastéis e folares.

    2) Foi constituída em 08 de Janeiro de 2007, tendo como sócios HC e JS, detendo cada um uma participação social com o valor nominal de € 2.500,00.

    3) De acordo com os estatutos da sociedade ora insolvente, a mesma obriga-se com a intervenção de um gerente.

    4) HC exerceu as funções de gerente da sociedade insolvente desde a data da constituição desta, a 08 de Janeiro de 2007, até 06 de Janeiro de 2016.

    5) A sociedade insolvente possuía um estabelecimento comercial onde desenvolvia a sua actividade de compra para ulterior revenda de pastéis, folares, enchidos e vinhos.

    6) O estabelecimento comercial da insolvente encontrava-se instalado num imóvel sito no Largo …, na...

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