Acórdão nº 2307/12.5TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelLINA CASTRO BAPTISTA
Data da Resolução08 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO M, residente na Rua Padre Manuel Costa Rego, n.º …, freguesia de São Martinho do Vale, concelho de Vila Nova de Famalicão, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “S”, sociedade com sede na Avenida 9 de Julho, freguesia de concelho de Vila Nova de Famalicão, pedindo que: a) Seja declarado resolvido, com justa causa, o contrato de compra e venda celebrada entre si e a Ré; b) Ou, caso assim se não entenda, o que só por mera hipótese se admite, que o contrato de compra e venda seja anulado, nos termos do disposto nos art.ºs 251.º e 247.º do Código Civil; c) A Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 25 600,00, a título de devolução do preço, acrescido dos respetivos juros contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; d) A Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 3 750,00, a título de indemnização pelos danos causados, e a quantia de € 750,00, a título de indemnização por danos patrimoniais referentes à privação do uso do veículo nos meses de março a julho de 2012, acrescida da quantia de € 150,00 por cada mês que esteja privada do uso do seu veículo.

Alega, em síntese, que, no exercício da sua atividade comercial de compra e venda de veículos automóveis, a Ré lhe vendeu, em 01/03/12, um veículo automóvel de marca “Opel”, modelo “Astra Cosmo”, matrícula n.º MR, no estado de novo, pelo preço de € 25 600,00, que pagou.

Expõe que, logo no dia em que levou o veículo, verificou que o mesmo apresentava anomalias, designadamente porque as luzes interiores, as luzes das traseiras e a luz de travagem (STOP) não funcionavam, havia dificuldades a proceder à sua ligação e porque, quando entrava na 4ª velocidade, se desligava. Mais afirma que, no dia 04 de março seguinte, o veículo parou em pleno andamento.

Diz que, no dia 06 de março seguinte, entregou o veículo nas instalações da Ré, dando-lhe conta das anomalias existentes.

Declara que, devido às complicações que o veículo apresentava, decidiu que não queria ficar com o mesmo, rescindindo o contrato e solicitando a restituição do preço. Pois, desde logo se convenceu que, mesmo que os defeitos viessem a ser reparados, o que não foi o caso, sempre outros iriam aparecer.

Em sede de danos, alega que a circunstância de, desde 06 de março de 2012, não se encontrar na posse do veículo, lhe causa prejuízos patrimoniais e não patrimoniais. Especifica que teve de pagar o preço pela aquisição do veículo, no valor de € 25 600,00, e que a privação do mesmo lhe provoca um prejuízo de valor patrimonial de € 150,00 por cada mês em que se mantiver tal privação, vencidos já em € 750,00. Por outro lado, diz sentir-se profundamente triste e desgostosa com a situação, devendo ser indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de € 3 750,00.

Supletivamente, alega que o bem objeto do negócio em causa não tem as qualidades e características por si pretendidas para aquisição do veículo automóvel, designadamente o “start & stop”. Bem como que a Ré tinha perfeito conhecimento das caraterísticas por si procuradas, tendo-lhe vendido o veículo em causa, sabendo que o mesmo não estava em plenas condições de funcionamento.

A Ré veio contestar, excecionando a ilegitimidade ativa da Autora, alegando que o contrato de compra e venda em causa foi celebrado pela Autora e o marido, na qualidade de compradores.

Contrapõe que, logo no dia 07 de março de 2012, examinou o veículo na oficina, tendo concluído que a falha no funcionamento das luzes se devia ao facto de uma ficha que faz a ligação entre dois grupos de cablagens se encontrar mal encaixada e não tendo detetado a existência de qualquer falha no funcionamento do motor.

Alega que, por volta das 16.00 horas do dia 08 de março de 2012, informou a Autora de que a viatura se encontrava para entrega e em perfeito estado de funcionamento. Mas que, desde essa data, a viatura se encontra aparcada nas suas instalações, sem que a Autora tenha comparecido para proceder ao seu levantamento.

Supletivamente, afirma que a Autora, ao denunciar os alegados defeitos e a solicitar a respetiva eliminação, e o seu marido ao deslocar-se à sua oficina para acompanhar a reparação, criaram no seu espírito a convicção e confiança de que o contrato jamais seria resolvido. Bem como que a resolução do contrato por parte da Autora constitui abuso de direito, pelo facto de a anomalia se resumir a uma ficha elétrica que se encontrava mal encaixada e pela circunstância de o defeito estar completamente sanado.

Quanto à causa de pedir subsidiária da Petição Inicial, contrapõe que o marido da Autora optou pela compra de um veículo sem a opção “Start & Stop”, por estar abrangida por uma campanha mais aliciante, logo mais barata.

Impugna a matéria de facto atinente aos danos.

Conclui pedindo que a exceção seja julgada procedente, com a sua absolvição da instância. Caso assim se não entender, que a presente ação seja julgada improcedente, por não provada, com a sua absolvição do pedido.

A Autora veio apresentar Réplica, impugnando a matéria de facto invocadas em sede de exceções e reiterando a tese apresentada na Petição Inicial.

Proferiu-se despacho saneador, no âmbito do qual se julgou improcedente a suscitada exceção dilatória da ilegitimidade ativa da Autora. Definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

Realizado o julgamento, proferiu-se sentença, que julgou a acção totalmente improcedente, com a absolvição da Ré dos pedidos formulados pela Autora.

Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso, terminando com as seguintes CONCLUSÕES: 1. Por tudo o que se passou no julgamento, não ficou claro qual o defeito do veículo, mas apenas que este tinha defeitos, parava em andamento e não tinha iluminação interior, nem piscas, pelo que nunca se podia ter considerado provado que o motivo da avaria era uma ficha mal encaixada, pelo que houve erro de julgamento.

  1. Quer as testemunhas da apelante, quer da apelada foram unânimes em referir os defeitos da viatura e que a mesma ficou durante vários dias na oficina, que foi desmontada e que os técnicos da apelada não sabiam qual o defeito do veículo, conforme depoimentos supra referidos e reproduzidos.

  2. Por tudo o que se verificou dos depoimentos e ainda pelo facto de ter sido considerado provado o facto nº 7, se verifica que no facto provado em nº 8 dos factos provados, devia ter sido considerado provado ainda que, entre 1 e 6 de Março de 2012, a A reclamou várias vezes à R. dos defeitos do veículo, nomeadamente ao seu vendedor C.

  3. E nunca poderiam ter sido considerados provados os factos 10 e 11, dos factos provados, porque efectivamente o que resultou provado foi que os serviços da apelada não sabiam exactamente o que se passava com o veículo e, por isso, procederam à sua desmontagem, deixando dependurados milhares de fios e, por isso, não queriam que a apelante e o seu marido vissem o veiculo, pelo que os mesmos devem considerar-se não provados.

  4. Assim, deve alterar-se a decisão proferida quanto aos pontos 10 e 11 dos factos provados, considerando-se os mesmos não provados.

  5. Quanto aos factos considerados não provados, em nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11e 12, outra decisão devia ter recaído sobre os mesmos, devendo os mesmos ser considerados provados, conforme se pode verificar pelo teor dos depoimentos das testemunhas, acima referidos.

  6. O próprio vendedor da apelada reconheceu que a apelante e o marido várias vezes reclamaram dos defeitos do veículo, o que corroborou os depoimentos da apelante, seu marido e filho e os depoimentos da apelante, do seu marido e do seu filho foram claros, coerentes e, como tal, deviam ter sido considerados credíveis.

  7. A presente acção não foi uma qualquer tentativa de anulação de um contrato, fundada num qualquer motivo fútil, nem significou um qualquer arrependimento do negócio.

  8. A apelante pretendia comprar um carro, novo, um Opel, com as características que descreveu no seu depoimento, nomeadamente com o sistema Start & Stop e quando este lhe foi entregue só não ficou com ele porque nunca funcionou como seria expectável num carro novo, acabado de sair do Stand, com primeira matrícula.

  9. O veículo não tinha luzes, não tinha piscas, parava em pleno andamento e tudo isso ficou claramente dito na audiência de julgamento, pelo que devia ter sido considerado provado.

  10. Os depoimentos das testemunhas de ambas as partes devem considerar-se protectores de interesses idênticos (da apelante e da apelada) e, como tal, toda a prova testemunhal devia ter sido valorada de igual modo.

  11. Para justificar a ausência de prova dos factos 1 a 4 dos factos não provados, o douto Tribunal baseou-se no relatório pericial feito cerca de três anos após o negócio e o veículo automóvel esteve sempre nas instalações da apelada, que teve tempo mais que suficiente para verificar todas as anomalias no mesmo e proceder á sua reparação, pelo que, nunca este, por si só, devia ter sido considerado, como prova contundente sobre a existência ou não dos defeitos.

  12. Houve erro na apreciação da matéria de facto, o que impõe que se altere a decisão sobre os factos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11 e 12, de factos não provados, para factos provados.

  13. Houve ainda erro na aplicação e interpretação do regime substantivo aplicável ao presente caso, pois o contrato de compra e venda em causa nestes autos não está sujeito às regras da compra e venda civil, mas sim às regras da compra e venda mercantil, aplicando-se o regime dos artºs 463 e seguintes do Código Comercial.

  14. O contrato em causa nestes autos era um contrato comercial, embora subjectivamente civil em relação à apelante.

  15. Entendimento este perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça nos Acórdãos proferidos nos processos nº 2698/03.9TBMTJ.L1.S1 de 06/03/201, relator Moreira Alves e Proc. 98ª1976 de 26/01/99, relator Ferreira Ramos.

  16. A apelante recebeu o veículo automóvel, no dia 1 de março e, no prazo de oito dias a contar dessa data, reclamou da...

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