Acórdão nº 992/14.2TBVNG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução19 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: A. B. e H. B..

Recorrido: Maria.

Tribunal Judicial de Bragança – Instância Central, Secção Cível e Criminal, J3.

MARIA, casada, residente na Rua do …, Mirandela, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum contra A. B., casado, residente na Rua do …, Vila Nova de Gaia e H. B., residente na Rua …, Vila Nova de Gaia.

Para tanto, alegou, em síntese, que é irmã dos RR., com quem se encontra incompatibilizada por motivos relacionados com um projecto junto do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., no qual contou inicialmente com ajuda dos seus familiares, mormente do seu pai, A. C., pessoa a quem conferiu mandato para o efeito. Face a abusos de representação por parte do seu pai, decidiu avocar a si o andamento do dito projecto, decisão que que deu mote a atitudes dos RR., os quais tomaram partido do pai. Assim o R. fez uma denúncia na comissão de protecção de crianças e jovens em perigo de Mirandela, acusando a A. de infligir maus-tratos à filha e de a colocar em perigo, processo que viria a ser arquivado; outrossim este R., em seu nome e de sua irmã, a R. H. B., dirigiu-se à Conservatória do Registo Civil de Mirandela com o fito de denunciar impedimento no processo preliminar de casamento entre a ora A., Maria, e C. P., declarando que em relação à A. se verificava o impedimento de demência notória e, poucos dias depois, intentaram uma acção de internamento compulsivo contra a A., a qual viria a ser arquivada, sendo que o fizeram sempre com base em factos falsos e com consciência da sua falsidade.

Como consequência do comportamento dos RR., a A. sofreu elevados danos não patrimoniais, traduzidos em mágoa, angústia vergonha e humilhações e sentimento de inferioridade, reclamando uma compensação por tais danos no valor de 100.000, 00 €, a ser paga solidariamente pelos RR..

Contestaram os RR. por impugnação, alegando a deturpação dos factos pela A., pois que os RR. sempre actuaram no seu interesse, preocupados face à incapacidade da A. para reger a sua pessoa e bens. Para ilustrar tal argumentação, mencionam a fragilidade dos relacionamentos amorosos da A., dos quais resultaram descendentes que, com excepção de uma que com ela vive e convive, têm sido votados aos menosprezo por parte da A.. Por outro lado a A. demonstrou ao longo dos tempos problemas do foro psiquiátrico que justificaram as suas atitudes, designadamente alterando o seu modo de vida, relacionando com um indivíduo com quem passou a viver, sendo que a este não se lhe conhecia qualquer actividade profissional regular, a não ser cuidar de cabras, havendo relatos de antecedentes de violência doméstica relativamente à anterior mulher e a uma filha de ambos. A A. manifestava tendências de prodigalidade pois souberam os RR. que aquela projectava custear obras a realizar num pardieiro, o que se afigurava algo de ruinoso e em proveito de mais um companheiro, sendo o local inadequado para viver com a filha que com ela se encontrava, para além de que esta apresentava comportamentos impróprios, com mau aproveitamento escolar, o que esteve na origem da denúncia junto das autoridades competentes.

O anunciado casamento da A. com a pessoa em causa levou os RR. ao desespero e para proteger a A., não vislumbrando outras vias, tentaram evitar que celebrasse matrimónio, declarando o impedimento e, imbuídos do mesmo espírito, instauraram processo judicial destinado ao internamento compulsivo da Autora com vista ao seu tratamento. Os RR. quando confrontados com decisões que contrariavam a sua convicção redimiram-se junto da A., mas é objectivo que a situação patrimonial da A. é pior do que aquela que tinha antes de contrair matrimónio.

Concluíram pela improcedência da acção.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos: - Julga a acção parcialmente procedente e, assim, decide: a) Condenar os RR. a pagarem solidariamente à A. a quantia de 3.000,00 € (três mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora á taxa legal desde a prolação da presente decisão até efectivo e integral pagamento; b) Absolver os RR. do restante pedido contra si formulado.

Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os Réus, sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraíram, em suma, as seguintes conclusões: “1. A sentença recorrida padece de falta de análise crítica da prova, em desrespeito pelo disposto no nº 4 do art. 607º do CPC.

2. Na indicação dos factos provados e dos factos não provados, foi utilizada a técnica de decalque a partir do teor dos articulados, técnica essa que não é conforme ao regime da decisão da matéria de facto nos termos definidos no nº 4 do art. 607º do CPC.

3. Essa técnica de decalque tem como implicação prática a repristinação do velho e revogado sistema da resposta aos quesitos e das fórmulas do “provado”, “não provado” e “provado apenas que”, o que não tem acolhimento no regime processual decorrente do CPC de 2013.

4. Independentemente disso, há erro na apreciação da prova, numa tripla vertente: foram dados como não provados factos que se mostram devidamente demonstrados; não foram dados como provados factos sobre os quais foi produzida bastante; foram dados como provados factos sem haver prova adequada.

5. Consequentemente, impõe-se que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada, dando-se como provados os factos indicados supra em C.1.B.1, a saber: - Ao longo da vida da Autora, os Réus e seus pais sempre lhe prestaram apoio pessoal e patrimonial, sempre a protegeram e defenderam, chegando os pais a pagar dívidas contraídas pela Autora.

- A implementação do projecto referido em 2 dos “factos provados” foi sugerida à Autora pelos pais e pelos irmãos, com o intuito de lhe proporcionar estabilidade pessoal e económica.

- A partir dos finais de 2007, a Autora retomou atitudes de grande agressividade e violência verbal para com seus pais e irmãos, aqui Réus, acabando por cortar relações com esses seus familiares mais próximos e proibindo os contactos com a sua filha Ana.

- Em 2009, os Réus e seus pais souberam que a Autora terminara repentinamente o namoro que mantinha com o “Dr.

Carlos”, logo passando a namorar com um indivíduo de nome C. P., pastor de uma freguesia do concelho de Mirandela, que morava sozinho numa casa sem condições, sendo alguém com quem a Autora nunca se relacionara.

- Souberam também que, no período de uma semana, a Autora deixara o apartamento onde morava na cidade de Mirandela, passando a viver com o referido C. P., com quem projectava casar.

- Depois de passar a namorar com C. P., a Autora recusava qualquer tipo de aproximação da família.

- Pelo seu carácter insólito, a situação da Autora era comentada na zona, havendo pessoas que abordavam os familiares daquela no sentido de apurarem se seria verdade.

- Foram chegando aos Réus e aos pais informações de que a menor Ana não tinha bom aproveitamento escolar e usava linguagem imprópria.

6. Mais se impõe que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada, dando-se como provados os factos indicados supra em C.1.B.2, a saber: - Era do conhecimento dos pais da Autora, dos Réus, dos demais familiares e das pessoas das suas relações pessoais que a Autora namorava com um médico, conhecido da família, que exercia funções no hospital de Mirandela, habitualmente referido por “Dr.

Carlos”.

7. Igualmente se impõe que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada, dando-se como não provados os factos indicados supra em C.1.B.3, a saber: - os constantes do segundo segmento do nº 22 dos “factos provados”; - os constantes do nº 23 dos “factos provados”; - os constantes do nº 24 dos “factos provados”.

8. Ainda por referência ao acima mencionado em C.1.B.3, o nº 22 dos “factos provados” deverá passar a ter a seguinte redacção: - A Autora viu-se obrigada a desmarcar o casamento e a comunicar isso aos convidados, o que lhe causou desagrado e incómodo.

9. O nº 13 dos “factos provados” deverá passar a ter a seguinte redacção: - A declaração de impedimento dirimente foi feita pelo R., com o conhecimento e a anuência da Ré.

10. Mesmo à luz do quadro factual firmado em 1ª instância, impunha-se concluir pela inexistência de ilicitude na conduta dos Réus, o que excluiria a sua responsabilidade civil extracontratual.

11. Essa conclusão sairá reforçada em face da alteração da decisão sobre a matéria de facto nos termos acima indicados, já que será dado como não provado que a actuação dos Réus causou danos à Autora.

12. Ainda que se mantenha o entendimento vindo a 1ª instância quanto à ocorrência de ilicitude e à verificação de danos, nem assim será de arbitrar qualquer indemnização à Autora.

13. Por um lado, porque tais danos, estritamente decorrentes da impossibilidade de a Autora casar na data inicialmente agendada, não merecem a tutela do direito, para os efeitos do disposto no nº 1 do art. 496º do CC.

14. Por outro lado, ainda que pudesse haver tal tutela, não se pode perder de vista que os pretensos danos foram consequência directa e necessária de uma situação criada pela própria Autora, tendo sido neste estrito contexto que os Réus agiram, pelo que sempre será de concluir, nos termos do disposto no nº 1 do art. 570º do CC, que há culpa da lesada, com o que deve ser excluída qualquer indemnização a seu favor.

15. Mostra-se violado o disposto nos arts. 483º, nº1, 496º, nº 1 e 570º, nº 1, do CC, bem assim o disposto no art. 607º, nºs 4 e 5 do CPC”.

* A Apelada apresentou contra alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta.

* Colhidos os vistos, cumpre decidir.

* II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes: - Apreciar da falta de...

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