Acórdão nº 196/11.6TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelANABELA TENREIRO
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- RELATÓRIO E. A.

, residente na Travessa …, Vizela, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “Seguros A, S.A.”, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a) a quantia de € 322.240,10, a título de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, em consequência do acidente de viação dos autos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento; b) a indemnização, a liquidar em execução de sentença, relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais que eventualmente venham a ser apurados no futuro.

Para tanto, e em síntese, alega que, no dia 2 de outubro de 2008, pelas 08h00, na Rua da …, freguesia de …, do concelho de Vizela, ocorreu um acidente de viação, envolvendo o veículo motorizado de duas rodas, com a matrícula HI, no qual seguia como passageira, e o veículo automóvel com a matrícula MI, sendo que tal acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor deste último veículo.

Acrescenta que, mercê do acidente, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais de que deverá ser ressarcida, sendo que a responsabilidade pelo pagamento da indemnização recai sobre a Ré, por força do contrato de seguro que celebrara com o proprietário do veículo causador do acidente, pelo qual assumiu a responsabilidade civil emergente da sua circulação.

*A Ré contestou aceitando a ocorrência do acidente de viação dos autos e a responsabilidade do proprietário do veículo nela seguro pela sua produção, mas impugnou a generalidade dos danos alegados e manifestou o entendimento de que eram exagerados os montantes peticionados, atentos os reais danos sofridos pela Autora.

*Proferiu-se sentença que decidiu condenar a Ré a pagar à Autora: a. a quantia de € 45.000,00 a título de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos com o acidente de viação dos autos; b. a quantia de € 123.439,48, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos com o acidente de viação dos autos; c. juros de mora sobre as quantias acima referidas, à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento; d. a quantia a liquidar ulteriormente, relativa aos danos que no futuro venham a ser apurados e que se encontram mencionados nos art.ºs 120.º, 121.º, 122.º, 123.º, 124.º, 125.º, 126.º, 127.º, 130.º e 131.º da petição inicial; b) absolver a Ré de tudo o mais que foi peticionado pela Autora.

*Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso, terminando com as seguintes CONCLUSÕES 1ª -Atendendo à prova documental junta aos autos e, bem assim, à prova testemunhal produzida, acima transcrita, a matéria factual do artigo 45º da BI devia merecer resposta positiva e, por isso, o Tribunal a quo, devia ter dado como provado: - Que as limitações físicas que o acidente provocou à Autora não lhe permitem exercer qualquer outra profissão; 2ª -Com efeito, já no relatório médico pericial de fls. 247 e seguintes, aí se concluiu que a Autora apresenta sequelas graves no joelho direito com limitações de funcionalidade, causando-lhe dificuldades no dia-a-dia; de que a sua desvalorização tem vindo a agravar-se e a reduzir a capacidade de trabalho; de que ficou com lesões permanentes na perna direita sobretudo ao nível do joelho; de que não consegue esticar a perna direita, sendo dextra; de que ficou com dificuldades em andar, em permanecer de pé, em subir e descer escadas; de que não consegue ajoelhar-se; de que anda com claudicação e necessita, por vezes, de canadianas ou de apoio de outras pessoas; e de que tem muitas dores no joelho direito, padecendo de dores musculares desde a data do acidente; 3ª -Também nos relatórios médicos periciais de fls. 298, da autoria do Dr. F. D., ouvido na audiência de julgamento, se concluiu que a autora apresenta no membro inferior direito fratura distal com envolvimento articular viciosamente consolidada e com algum desvio em varo; arco de mobilidade do joelho com défice de flexão e de extensão: flexão ativa possível a 70-80º e flexo do joelho de 20º (défice de extensão de 20º); apresenta dismetria de membros (cerca de 2 cm); rigidez dolorosa muito ligeira da anca, embora com mobilidades relativamente conservadas; também concluiu que a autora não consegue sequer esticar a perna direita, tem dificuldades em andar, em permanecer de pé, em subir e descer escadas, não consegue ajoelhar-se, e quando por vezes, necessita de canadianas ou de apoio de outras pessoas, tendo muitas dores no joelho direito, padecendo de dores musculares desde a data do acidente, admitindo ainda desconforto e necessidade eventual de levantes periódicos para descompressão e relaxamento.

4ª -Além do mais, a resposta negativa aos factos constantes no artigo 45º da base instrutória, entra em manifesta contradição com a demais matéria factual dada por assente pelo tribunal a quo, nomeadamente a constantes nos artigos 24, 33, 34, 35, 36, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 56, 57, 59, 60, 61, 62, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 84, 85, 86, 88, 89, 90, 91.

5ª -Mas a resposta negativa aos factos alegados no artigo 45º da BI está ainda em manifesta contradição com o que é referido na fundamentação da sentença recorrida, pois o Meritíssimo Juiz a quo conclui que: (…) Na verdade, o trabalho que a Autora desempenhava era o único que até então realizara. Por outro lado, está impossibilitada de executar esse trabalho, sem que tenha formação profissional para o exercício de outra atividade. Acresce que as lesões sofridas pela Autora, incidindo sobre um dos membros inferiores, tem fortes repercussões ao nível da sua mobilidade, o que, associado ao sentimento de desconforto daí adveniente, reduz drasticamente as hipóteses de obtenção de emprego compatíveis com esse estado físico. E isto com a agravante de a Autora contar neste momento com 48 anos de idade, o que, associado às crescentes exigências no mercado laboral e à forte competitividade que o caracteriza em termos de procura de emprego, torna praticamente impossível à Autora a obtenção de um trabalho estável e permanente, à semelhança daquele que possuía anteriormente ao acidente e que, não fora o acidente, manteria.

Temos, assim, que ainda que a repercussão na integridade física da Autora decorrente das lesões que sofreu se cinja aos 26 pontos percentuais supra referidos, já o relevo social do dano em causa deve, no que à sua capacidade de obtenção de ganho diz respeito, ser visto como incapacidade total, na certeza de que a Autora não pode fisicamente continuar a desempenhar o trabalho que anteriormente exercia e socialmente não está em condições de arranjar um outro trabalho.

Como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de maio de 2012 (disponível na internet, no sítio com o endereço supra referenciado), reportado a um caso com similitudes ao dos autos, “estando íntegra a aptidão física, em termos laborais/profissionais, ela corresponde a 100%, ou seja, à total capacidade; daí dever enfocar-se na perspectiva do trabalho habitual, a profissão habitual exercida ao tempo do acidente, as sequelas do acidente, importando avaliar as consequências/repercussões de acto lesivo que afecte o exercício dessa profissão habitual (normalmente a grande fatia dos créditos laborais), e também na perspectiva da capacidade residual (indiferenciada) para o exercício de uma profissão ou actividade compatível com o estado clínico, após a alta ou cura clínica (…)” (negrito e sublinhados nossos).

Temos, assim, que o grau de incapacidade sofrido pela Autora decorrente das lesões que sofreu com o acidente dos autos deve ser perspetivado em função de uma incapacidade total de exercício do trabalho que anteriormente exercia e da inexistência de capacidade residual para a obtenção de outro tipo de atividade, o que nos leva a considerar, na tarefa que aqui nos ocupa, uma percentagem de 100%.

6ª -Portanto, é o próprio tribunal a quo quem o diz que a Autora não pode fisicamente continuar a desempenhar o trabalho que anteriormente exercia e socialmente não está em condições de arranjar um outro trabalho, acrescentando que o que nos leva a considerar, na tarefa que aqui nos ocupa, uma percentagem de 100%.

7ª -Aliás, numa altura histórica em que nunca se falou tanto da necessidade de produtividade como agora, qual é a empresa que admite uma trabalhadora, como a autora, que ficou com lesões físicas tão graves como as acima dadas como provadas? Sobretudo quando a autora, em consequência do acidente, nem sequer consegue esticar a perna direita; não consegue estar sentada com permanência durante as horas de trabalho; não tem formação profissional que lhe permita exercer outra profissão que não a de costureira; ficou com dificuldades em andar, em permanecer de pé, em subir e descer escadas; tem dificuldade ao ajoelhar-se, anda com claudicação e necessita, por vezes, de canadianas ou de apoio de outras pessoas; sofreu dores de grau 5 numa escala de 1 a 7; ficou com o membro inferior direito encurtado em cerca de 2 cm e nem sequer consegue realizar de forma totalmente autónoma as tarefas domésticas como preparação de refeições, limpezas, arrumações e outras próprias de qualquer lar. E necessita inclusivamente de continuar a fazer fisioterapia para atenuar as dores que sente na perna direita. Face a esses factos, a experiência da vida e do senso comum diz-nos que não é possível, infelizmente, a autora exercer qualquer outra profissão.

8ª - O próprio perito médico do INML, Dr. F. D. foi categórico na resposta que deu à seguinte pergunta: P: Admite então que é difícil à autora arranjar um emprego? R: Admito. Que é quase impossível arranjar emprego.

9ª - Também a testemunha da Ré, Dr. P. B., admitiu a gravidade da situação física da autora, destacando-se aqui a seguinte passagem do seu depoimento: P: Os problemas para a senhora podem agravar? R: Sim. Porque existe ali uma articulação que foi atingida e poderá haver um agravamento dessa artrose pós...

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