Acórdão nº 2274/16.6T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Outubro de 2017

Data12 Outubro 2017

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório J. M.

instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra M. M.

pedindo: - que o Tribunal reconheça o seu direito de personalidade de manter uma relação espiritual com o seu familiar falecido; - que o Tribunal reconheça o direito de o autor o fazer sem necessidade de pedir autorização, nem depender de vontades, caprichos ou horários da ré e que esta seja condenada a reconhecer este direito do autor; - que a ré seja condenada a ceder-lhe a chave do jazigo onde se encontra sepultado o pai do autor para que este possa exercer o seu direito livremente; - a condenação da ré, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento de quantia nunca inferior a € 150 por cada dia de atraso no cumprimento da entrega da chave.

Para tanto alegou em síntese que é filho e herdeiro de E. M., falecido em 26/07/2011, o qual se encontra sepultado no Jazigo nº … do cemitério da freguesia de …, concelho de Barcelos, jazigo esse que se encontra fechado sendo a ré a única possuidora de chaves que permitem o acesso ao mesmo. Sendo o autor residente no Canadá, sempre que se desloca ao nosso país, procura manter uma relação espiritual com o seu familiar falecido. A ré já foi contactada diversas vezes para facultar uma cópia da chave que permita o seu irmão exercer esse seu direito fundamental, o que não fez.

A ré contestou dizendo que o referido jazigo perpétuo foi propriedade de A. R., que faleceu em 20/08/2007, no estado de casado com a aqui ré no regime da comunhão de adquiridos. Assim, actualmente esse bem passou a integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do mesmo. Ao falecer o pai da ré e do autor a viúva e mãe daqueles pediu que a urna com os restos mortais daquele fosse depositada no interior do referido jazigo, o que a ré e filhos aceitaram e autorizaram. Quer a ré, quer os seus filhos, quer a mãe da ré, nunca impediram o autor de entrar no cemitério, de se aproximar do jazigo, de junto ao mesmo rezar e até depositar flores no patamar de entrada.

*Foi proferida despacho que procedeu à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

Procedeu-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte: “Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e consequentemente: - reconhece-se ao Autor J. M. o direito de manter uma relação espiritual com o seu falecido pai E. M.; - reconhece-se o direito do Autor o fazer sem ter necessidade de pedir autorização, nem depender de vontades, caprichos e horários da Ré; - condena-se a Ré M. M. a reconhecer que o Autor é titular do aludido direito; - absolve-se a Ré do demais peticionado.”.

*Não se conformando com a decisão recorrida veio o autor dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “I - A sentença agora recorrida enferma de erro na apreciação das provas e na aplicabilidade do direito.

II - O A. aqui recorrente entende que foi produzida prova bastante no sentido de demonstrar que tem o direito de manter uma relação espiritual com o falecido pai sendo essencial, para o exercício desse direito, que a R. cedesse a chave do Jazigo onde o falecido se encontra sepultado.

III – O Tribunal “a quo” deu como não provado que a Ré já foi contactada diversas vezes para facultar ao Autor uma chave do jazigo onde se encontra sepultado o pai deste.

IV – Deve ser eliminado este facto da matéria dada como não provada e passar a constar nos Factos provados: “A Ré já foi contactada pelo menos por uma vez para facultar uma chave do Jazigo onde se encontra sepultado o pai do A. tendo ignorado esse contacto”.

V – Devem ser ainda adicionados os factos: - Após terem sido depositados no Jazigo em causa os restos mortais do pai da R. e A., esta entregou uma chave a cada irmão e à sua mãe, viúva.

- Mais tarde, veio a R. a alterar a fechadura do jazigo.

- Os regulamentos do cemitério, não permitem a colocação de flores e outros objetos do lado de fora das portas do Jazigo.

VI – O que não faz sentido é dar como matéria provada (facto 5) que o A. enviou carta para a R. a solicitar a chave, e vir, posteriormente, na matéria dada como não provada, negar todo e qualquer contacto. Assim, VII – Não restam dúvidas que quem “gere” o jazigo é a Ré.

VIII – Não restam dúvidas que a Ré alterou a fechadura do jazigo para evitar que o A. possa lá entrar.

IX – O A. solicitou a chave à R. e esta ignorou o pedido.

X – O A. sente necessidade de entrar no Jazigo para cumprir o seu direito de personalidade em pleno.

XI – Sendo o Homem também produto da cultura em que se insere, verificou-se que para estabelecer esta relação espiritual com familiar falecido sepultado em jazigo há a necessidade de entrar no mesmo para em recolhimento, rezando ou não rezando se “estar” com o familiar falecido, deixar um ramo de flores ou acender uma vela.

XII – Uma necessidade que é naturalmente mais intensa tratando-se de um pai.

III – Tanto assim é que a R. facultou uma chave do jazigo a cada um dos irmãos para visitar o pai e mesmo quando alterou a fechadura não se coibiu de entregar uma chave à mãe, viúva, para visitar o falecido marido sem necessidade de pedir autorização a ninguém.

XIV – O A. não só sente necessidade de entrar no jazigo para exercer em pleno o seu direito fundamental como há certas manifestações desse exercício que os regulamentos do cemitério não permitem executar de outra forma (colocação de flores e velas do lado de fora das portas).

XV – A comparação da Mma. Juiz “a quo” com o caso dos entes queridos sepultados em sepulturas térreas não faz qualquer sentido uma vez que é do senso comum que quanto mais possibilidade de proximidade do ente querido falecido, o Homem tiver, mais necessidade vai ter de o fazer. Aliás, é até consensual que essa é a principal razão para a construção de jazigos.

XVI – Tal raciocínio poderia ser extrapolado para qualquer situação o que levaria até ao não reconhecimento do direito de personalidade em causa.

XVII – Andou mal o Tribunal “a quo” ao desconsiderar que a Ré, ao alterar a fechadura da porta do jazigo e ignorar o pedido do A. na cedência de uma chave está, pelo menos, a limitar o exercício do direito fundamental do A. de se relacionar com o seu falecido pai.

XVIII – Ainda que esteja em causa um direito de concessão da Ré, é pacífico que o mesmo deverá ceder quando colida com um direito de personalidade como é o caso.

XIX - No entanto devem-se procurar soluções que distribuam de modo proporcional os custos do conflito.

XX – Daí que o A. não esteja a solicitar que o jazigo deixe as portas abertas ou destrancadas.

XXI – Mas tão somente concessão de uma chave que permita “visitar” o seu pai de forma livre e lhe permita colocar, ou mandar colocar em seu nome, umas flores ou acender uma vela em 4 datas especiais por ano.

XXII – Pelo que, o facto de o A. estar largos períodos no estrangeiro não deveria contribuir para ilibar a R., antes pelo contrário, neste juízo de proporcionalidade deveria funcionar em abono da pretensão do aqui Recorrente.

Pugna o recorrente pela procedência do...

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