Acórdão nº 1703/15.0T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO ALEXANDRE DAMI
Data da Resolução05 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

    Recorrente(s):- AA e mulher, BB; Recorrido(a)(s):- CC e DD; * AA e mulher, BB intentaram a presente acção que segue a forma de processo comum contra CC e DD, peticionando que os Réus sejam condenados a proceder a expensas suas à demolição das obras referidas na petição inicial, bem como a deixarem de invadir e abster-se de edificar obras, esbulhar ou turbar o prédio denominado “Bouça Bx” e a pagar aos Autores, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 1.000,00, acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento.

    Para tanto, alegam, em síntese, que pertence aos Autores o prédio “Bouça Bx”, sendo os Réus proprietários do prédio “Campo Cx” ou “Campo Cx”, e as partes já celebraram duas transacções, no âmbito dos Processos nº 371/2011, que correu termos no extinto 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos e 1267/10.1TBBCL, que correu termos pelo 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, tendo as partes, no âmbito do 1º processo, acordado constituir uma servidão de passagem a favor dos Réus, tendo os Réus, em Novembro último, construído uma vedação em Ferro, “portão”, sobre o tranqueiro em pedra colocada pelos Réus na faixa de terreno cedida a título de servidão de passagem, mormente na sua extremidade sul, confinante com caminho público. Mais alegam que os Autores se sentiram humilhados com a atitude dos Réus, encontrando-se impedidos de aceder, de forma livre, ao seu prédio, pela mencionada via, e impossibilitados de vigiar e limpar o seu prédio.

    Os Réus contestaram alegando, que no âmbito das transacções supra referidas, os Autores cederam aos Réus uma faixa de terreno, com 4 metros de largura, na extremidade norte do seu prédio, desde o caminho público até ao prédio dos Réus, ficando consignada a constituição de uma servidão de passagem, por aquela faixa de terreno cedida, para o prédio dos Autores. Mais alegam que os Réus vedaram o seu prédio, não ocupando o prédio dos Autores, não tendo os Réus fechado o portão, antes de enviarem uma cópia das chaves aos Autores, que não receberam a carta, não tendo os Réus fechado à chave o referido portão, pelo que os Autores têm livre acesso ao seu prédio. Peticionam ainda a condenação dos Autores como litigantes de má fé.

    Os Autores exerceram o contraditório e alegaram que nas transacções em causa nos autos não se transmitiu a propriedade da parcela em questão, que sempre seria inválida, por falta de forma legal e porque consubstanciaria uma desanexação de uma faixa de terreno integrante do prédio dos Autores sem autorização prévia da entidade competente.

    * Convocada uma Audiência prévia, onde se frustrou a conciliação das partes, foi determinado por despacho que os autos fossem concluídos “ a fim de ser proferido despacho saneador”.

    * Na sequência, foi proferida o seguinte despacho saneador sentença: “O Direito Como vimos, os Autores peticionam que se condene os Réus a demolir as obras elencadas na petição inicial, a deixarem de invadir e se absterem de edificar obras, esbulhar ou turbar o prédio dos Autores e a pagar aos Autores a quantia de € 1.000,00, a título de dano não patrimoniais sofridos.

    Sustentam os Autores que no âmbito da transacção celebrada no processo nº 373/2001, que correu termos no extinto 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, os Autores acordaram constituir uma servidão de passagem a favor do prédio dos Réus, onerando dessa forma o prédio de sua propriedade.

    Assim, na tese dos Autores, nessa transacção os Autores acordaram constituir uma servidão de passagem a favor do prédio dos Réus.

    Contrariamente, entendem os Réus que no âmbito de tal transacção, os Autores cederam aos Réus uma faixa de terreno, tendo sido constituída uma servidão de passagem por aquela faixa de terreno a favor do prédio dos Autores, onerando o prédio dos Réus, uma vez que tal faixa de terreno passou a fazer parte do prédio dos Réus, que pagaram pela sua aquisição a quantia de € 5.000,00.

    Pode aqui suscitar-se a questão de tal transacção ter sido divergentemente entendida pelas partes.

    Em matéria de interpretação e integração das declarações negociais dispõe o artigo 236º, do Código Civil, no seu nº 1 que "A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele", acrescentando o nº2 que "Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida." O mencionado artigo 236º formula duas regras: a da interpretação objectivista ou normativa da declaração negocial, nos termos da chamada “doutrina da impressão do destinatário” (nº 1), e a da interpretação, segundo a vontade real do declarante quando o declaratário tenha conhecido essa vontade (nº 2).

    O preceito consignado no nº 2 do citado preceito legal é o do recurso à da vontade real das partes: a declaração vale de harmonia com a vontade real do declarante sempre que esta seja conhecida do declaratário. Mesmo que a declaração negocial seja equívoca e aponte até para um outro sentido, quando objectivamente considerada, é de acordo com a vontade real do declarante que ela valerá, sempre que o declaratário a conheça, ou devesse conhecê-la agindo com a diligência requerida.

    O segundo critério é o fixado no nº 1 do artigo 236º: não conhecendo o declaratário nem devendo razoavelmente conhecer, a vontade real do declarante, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do declaratário real puder deduzir do comportamento do declarante.

    Seguindo o Prof. Mota Pinto, in Teoria Geral, 3ª ed., pág. 447 "Segundo o nº 1 do artigo 236º releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde podia conhecer".

    Posto isto, e retomando o caso que nos ocupa, concluímos que a interpretação de uma declaração negocial, quando se esteja face a declarações receptícias de vontade em que as partes não tenham entendido do mesmo modo a declaração, desconhecendo os contraentes a vontade real do declarante, a interpretação do negócio jurídico deve fazer-se no sentido em que o declaratário normal colocado na sua posição, podia e devia entender.

    Entre os elementos a tomar em conta para a interpretação destacam-se os posteriores ao negócio, elementos estes que são “os modos de conduta porque posteriormente se prestou observância ao negócio concluído” (Rui Alarcão, BMJ, nº 84, pág. 334). O Prof. Manuel de Andrade refere a título exemplificativo, “os termos do negócio, os usos de outra natureza que possa interessar, a finalidade prosseguida pelo declarante” (Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1960, pág. 313, nota 1).

    Assim, considerando todos os elementos apurados, verificamos que, desde logo, o elemento literal, não suporta a interpretação dada pelos Autores, sendo mais consentânea, com a versão dos Réus.

    Com efeito, basta considerar que no âmbito da transacção efectuada no processo 373/2001, os ali Réus (que são os Autores dos presentes autos) declararam ceder uma faixa de terreno na extremidade norte do seu prédio, com a largura de 4 metros, desde o caminho público até ao prédio dos Autores (os aqui Réus), dando autorização a estes para procederem à abertura de um caminho, naquela faixa de terreno, ficando os Réus (os aqui Autores) com o direito de se utilizarem daquele caminho para acesso ao seu prédio, sendo que pela cedência daquela faixa de terreno os Autores (aqui Réus) pagaram aos Réus (aqui Autores) a importância de € 5.000,00.

    Mais acordaram que “os Autores (aqui Réus) obrigam-se a fazer o muro de vedação em betão aramado em toda a extensão do caminho, deixando uma abertura de 4 metros livres para entrada do prédio dos Réus (aqui Autores) no local a indicar por estes”.

    Assim sendo, constata-se facilmente que na referida transacção, os Autores não constituíram uma servidão de passagem a favor do prédio dos Réus, ocorrendo exactamente o inverso, ou seja, os Autores venderam a faixa de terreno em questão aos Réus, que por sua vez, constituíram uma servidão de passagem através de tal faixa de terreno a favor do prédio dos aqui Autores.

    Mas, para além do já referido, também de mostra de particular importância o teor da cláusula sexta da referida transacção, em que as partes acordaram que “Por via daquela cedência o prédio dos Réus (aqui Autores) fica a confrontar pelo lado norte com o referido prédio dos Autores”.

    Ora, considerando o acabado de expor, verificamos que o texto constante da transacção vinda a referir não corrobora minimamente a tese dos Autores.

    Por outro lado, resulta do teor da cláusula primeira da transacção celebrada no processo 1267/10.1TBBCL, que “os Réus (aqui Autores) reconhecem os Autores como proprietários exclusivos do muro construído por estes, sito na extremidade norte do prédio dos Réus”.

    Por outro lado, nenhum outro elemento lateral às transacções efectuadas e cláusulas assumidas, corrobora a tese dos Autores. Na verdade, muito embora resulte do teor da petição inicial do processo nº 373/2001, que os Autores (ora Réus) pretendiam a constituição de uma servidão legal de passagem como resulta do factualismo apurado, o certo é que na transacção do referido processo foi alienada a faixa de terreno, não se compreendendo como era possível as partes terem acordado a alteração da confrontação pelo lado norte do prédio dos Réus (aqui Autores), sem terem pretendido alienar a referida faixa de terreno.

    Saliente-se que, não lograram os Autores demonstrar (nem o alegaram) que quando acordaram com os Réus as cláusulas respeitante à transacção celebrada no processo 373/2001 estavam convencidos que estavam a...

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