Acórdão nº 2506/13.2TBGMR-G.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório B…veio intentar a presente acção de verificação ulterior de créditos, nos termos do disposto no artigo 146º do C.I.R.E., contra ainsolvente C…, SA., a massa insolvente e os demais credores, alegando ser detentora de um crédito no valor global de € 48.180,60 sobre a insolvente, garantido por direito de retenção.

O credor Banco…, SA, apresentou contestação, tendo invocado a extemporaneidade da acção, a inexistência do direito de retenção, e a invalidade do contrato promessa, pugnando pela improcedência da acção.

Realizou-se audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo ainda sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, julgou reconhecido o crédito da Autora sobre a insolvente C…, SA, no valor de € 47.349,20 (quarenta e sete mil trezentos e quarenta e nove euros e vinte cêntimos), por força do incumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a A. e a insolvente, a fim de ser graduado, como crédito garantido por direito de retenção relativamente ao imóvel aludido no ponto 1. dos factos provados, no lugar que lhe competir.

O credor Banco…, S.A. não se conformou e interpôs o presente recurso que concluiu do seguinte modo: I – A acção de verificação ulterior de créditos, instaurada pela ora Recorrida, é manifestamente extemporânea, pois deu entrada no dia 18/02/2016, quase dois anos após o prazo legalmente previsto, 17/03/2014.

II - O Meritíssimo Juiz a quo considera que a acção é tempestiva porque entendeu que o crédito da Recorrente só se constituiu no dia 29/12/2015, com uma carta do AI na qual alegadamente se pronunciava nos termos do artigo 102.º do CIRE, o que não faz qualquer sentido.

III - A verdade é que a missiva enviada pelo AI não configurou nenhuma comunicação nos termos do artigo 102.º do CIRE, mas apenas uma resposta à missiva que a Recorrida lhe enviou no dia 23/12/2015.

IV - A Recorrida que tinha ficado em total silêncio durante todo o processo, que teve início em agosto de 2013, muito convenientemente, enviou no dia 23/12/2015, uma carta ao AI a perguntar-lhe se este iria notificá-la nos termos do artigo 102.º do CIRE.

V - Esta conduta é claramente reveladora de uma má fé processual da Recorrida que obviamente não pode retirar vantagens da sua total inércia e ficar numa situação mais favorecida em relação aos outros credores que, em tempo e sem subterfúgios, reclamaram devidamente os seus créditos! VI - A verdade é que foi numa fase embrionária do processo que o Administrador de Insolvência decidiu que não iria cumprir este contratopromessa mas não o transmitiu, por escrito, à promitente-compradora, nem tinha que o fazer! VII – Quando foi entregue uma cópia do contrato promessa ao AI, logo no início do processo, este foi interpelado tacitamente, dessa forma, e, por sua vez, decidiu não cumprir o contrato, quando optou por não incluir qualquer crédito da promitente compradora na lista definitiva de créditos.

VIII - Aliás, foi provado na tentativa de conciliação realizada, no dia 17 de junho de 2014, no âmbito do incidente de reclamação de créditos que segue os seus termos pelo apenso D – vide primeiro parágrafo na décima terceira página da sentença recorrida – o seguinte: “Quanto a B…, trata-se também de credora que não figura entre os credores reconhecidos ou não reconhecidos, e, como confirmado pelo Sr. AI nesta diligência, a mesma não reclamou a verificação de qualquer crédito.” IX – Em suma, o crédito da Recorrida não foi reclamado, nem foi reconhecido, nos termos do artigo 129.º do CIRE, ou seja, era inexistente, neste processo de insolvência.

X – Do que se depreende que o facto de o AI não ter graduado o crédito da promitente-compradora, ora Recorrida, tal significa uma manifestação tácita de recusa do contrato-promessa.

XI - Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no dia 21/05/2013, processo n.º 3307/08.5TBVCT-M.G1 – “A recusa de cumprimento dos contratos a que se refere o artigo 102, n.º 1 do CIRE não exige declaração expressa, nem forma especial, aplicando-se-lhe os princípios dos arts. 217.º 219.º doC.Civil, pelo que a inclusão pelo Administrador de Insolvência dos créditos dos promitentes compradores no elenco dos créditos reconhecidos, sem o subordinar a qualquer condição, deve corresponder à declaração de recusa de cumprimento dos invocados contratos promessa” (sublinhado nosso) e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/02/2011, processo n.º 1548/06.9TBEPS-D.G1.S1 que decidiu exactamente da mesma maneira.

XII - A jurisprudência é unânime ao entender que a declaração que o AI tem que fazer, nos termos do artigo 102.º do CIRE, é no contexto da liquidação, ou seja, depois de já ter recebido as competentes reclamações de crédito e saber exactamente o montante que o alegado promitente-comprador pagou, averiguar o valor do imóvel prometido comprar e à luz de todas essas informações, analisar o que será mais benéfico para a massa insolvente.

XIII - Contudo, a Recorrida apresenta a tese peregrina, em toda a jurisprudência, de acordo com a qual, a declaração nos termos do artigo 102.º é requisito constitutivo do seu crédito! Nada mais falacioso, sob pena de violação do princípio da igualdade dos credores, ínsito no artigo 128.º do CIRE, que exige que todos os credores têm que reclamar no processo de insolvência o seu crédito, acompanhado de todos os documentos comprovativos da sua existência, mesmo que tenham o seu crédito reconhecido por sentença! XIV - A Recorrida, numa ostensiva postura de litigante de má fé, ousa alegar que o seu crédito foi constituído com a carta de 29/12/2015 do AI, quando foi a própria que provocou o envio da referida carta, talvez para tentar ter uma base de sustentação para a acção de verificação ulterior de créditos.

XV - Na hipótese meramente teórica, mas que não se concede, de ainda assim se considerar que a acção foi tempestiva, o crédito da Recorrida nunca poderia gozar de direito de retenção, por dois motivos que a seguir se exporão.

XVI - Por um lado, “os promitentes compradores que vêem a celebração do contrato prometido ser recusada pelo administrador de insolvência, na pendência do respectivo processo, não beneficiam do direito de retenção sobre o imóvel objecto desse contrato e apenas têm direito à restituição do sinal em singelo”.

– neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no dia 13-12-2012, processo n.º 1092/10.0TBLSD-G.P1.

XVII - Esta conclusão alicerça-se no facto do direito de resolução nos termos do artigo 102.º do CIRE pelo AI estar condicionado à inexistência, na data da declaração da insolvência, de cumprimento total pela contra parte.

XVIII - Na verdade, a alínea f) do n.º 1 do referido artigo apenas é aplicável quando estejamos perante “(...) o não cumprimento imputável à outra parte nos termos do artigo 442.º”, o que, conforme já foi dito, aqui não se verifica, uma vez que o AI actua no exercício de um direito potestativo, que não reveste carácter ilícito.

XIX - Assumindo este entendimento – sufragado por Catarina Serra, in” Novo Regime Português de Insolvência, 4.º edição, Almedina, Coimbra – concluiu-se que os promitentes compradores que vêm a celebração do contrato recusada na pendência do processo de insolvência não beneficiam do direito de retenção sobre o objecto do contrato e apenas têm direito à restituição do sinal em singelo.

XX - Por outro lado, no que diz respeito ao conceito de consumidor, entendemos que o tribunal fez uma interpretação demasiado restritiva da qualidade de consumidor, tal como vem definida no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96 de 31/07, como a seguir se demonstrará.

XXI - A promitente compradora, ora Recorrida, é uma pessoa singular que alegadamente pretendia adquirir o imóvel para segunda habitação.

XXII - Isto posto, cremos que é importante analisar devidamente a aplicação da supra referida Lei, ao caso em apreço, segundo o acórdão...

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