Acórdão nº 97/12.0TBVRM.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução02 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Comarca de Braga - Instância Central de Vieira do Minho - Secção de Competência Genérica (J1) * Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1ª Adjunta - Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente; 2º Adjunto - Heitor Pereira Carvalho Gonçalves.

I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. AA e mulher, BB, residentes em Braga (aqui Recorridos), propuseram a presente acção declarativa de condenação, então sob a forma de processo sumário, contra CC, residente em França (aqui Recorrentes), pedindo que o Réu fosse condenado a · reconhecer que eles próprios são os únicos, plenos e exclusivos proprietários de um prédio urbano (que identificaram); · reconhecer que eles próprios são os únicos e legítimos proprietários da água proveniente de uma mina (que identificaram); · abster-se de retirar o portão que foi colocado por eles próprios na boca da mina de água, de nela entrar, e de praticar quaisquer actos que os impeça, de usufruírem dela em condições normais de caudal, segurança, e salubridade ou higiene; · abster-se de praticar qualquer acto que os impeça de acederem à mina de água, para procederem a trabalhos de manutenção e limpeza da mesma; · e pagar-lhes quantia nunca inferior a € 5.000,00 (a título de indemnização de danos não patrimoniais).

Alegaram para o efeito, em síntese, que, sendo proprietários de um prédio urbano (por o terem adquirido em 7 de Maio de 1996, por partilha de acervo hereditário de AA, de que fazia parte, encontrando-se o mesmo registado em seu nome), mostra-se aquele abastecido por um mina de água situada em prédio adjacente, cujo subsolo foi adquirido para o efeito pelo referido AA, em 18 de Janeiro de 1951, por meio de escritura pública de compra e venda.

Mais alegaram que, encontrando-se a mesma mina de água devidamente assinalada e marcada na sua origem, e vedada por um portão de acesso devidamente fechado à chave - por forma a impedir a sua contaminação por pessoas e animais -, o Réu: no início de Agosto de 2010, arrancou o dito portão, e utilizou a mina para refrescar bebidas (permanecendo a mesma desde então a céu aberto, face às suas contínuas ameaças de destruir novo portão que ali fosse colocado); e, no dia 8 de Junho de 2011, entrou sem autorização na dita mina, e destruiu a represa de água que eles próprios tinham construído (impedindo a sua captação e condução pelo curso normal).

Alegaram ainda os Autores que, explorando um turismo de habitação no seu prédio, para abastecimento do qual a rede pública de água é insuficiente, viram-se prejudicados no seu negócio (para o qual tinham realizado avultado investimento), suportando o cancelamento de reservas de clientes habituais, o custo acrescido do consumo de água da rede pública, o custo da reposição do portão e da reconstrução da represa na mina, e ainda tristeza, abalo e desgosto com o facto de se terem visto forçados a recusar hospedagens, reclamando para indemnização destes últimos danos - não patrimoniais - quantia não inferior a € 5.000,00.

1.1.2.

Regularmente citado, o Réu (CC) contestou, pedindo que a acção fosse julgada totalmente improcedente; e deduzindo reconvenção, na mesma impetrando a condenação dos Autores a: · reconhecerem o seu direito à água que sai da mina em causa, para gastos domésticos e para o seu próprio prédio urbano, sem qualquer restrição de quantidade, tempo ou forma de recolha; · reconstituírem a situação anterior às obras que realizaram, nomeadamente retirando do interior da mina a parede em tijolo que construíram para represamento da água e retirando o tubo que colocaram desde o represamento até ao limite do seu prédio; · retirarem o portão que colocaram na mina, ou a entregarem-lhe uma chave (que lhe permita aceder ao seu interior); · absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam o seu direito de recolher a água da mina, nos termos em que sempre o fez; · e pagarem-lhe a quantia de € 2.500,00 (a título de indemnização pela privação da água).

Alegou para o efeito, em síntese, nascer a água em causa em prédio distinto do identificado pelos Autores, e sair à superfície em prédio dele próprio, onde - há mais de vinte anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, e na convicção de que exercia um direito sobre coisa própria - sempre a recolheu, utilizando-a em benefício próprio.

Mais alegou que as obras de represamento da água realizadas pelos Autores em 2010, aproveitando a sua ausência de emigrante, o privaram da respectiva utilização, bom como a demais Contitulares desse direito; e serem também ilícitos o prolongamento do tubo de condução da água até ao limite do seu prédio (por violar o seu direito de propriedade), e a colocação de um portão, vedando o aceso à mesma (por alteração de eventual direito de servidão e aqueduto).

Defendeu, assim, o Réu que os prejuízos invocados pelos Autores, a serem verdadeiros, dever-se-iam apenas à sua actuação violadora de direitos alheios, sendo ainda excessivo o montante da indemnização reclamada.

Já em sede de reconvenção, o Réu defendeu a existência do seu direito a água da mina em causa, pedindo que se declarasse o mesmo; e que os Autores fossem obrigados, não só a reconhecê-lo, como a adoptarem todas as condutas necessárias a torná-lo efectivo, e bem assim a indemnizá-lo pela privação de água que lhe impuseram, estimando o seu prejuízo em € 2.500,00.

1.1.3.

Os Autores replicaram, reiterando o bem fundado da sua petição inicial, e pedindo que a reconvenção fosse julgada totalmente improcedente.

Alegaram para o efeito, em síntese, não ter o Reu qualquer direito à água proveniente da mina em causa nos autos, que sempre foi propriedade exclusiva deles próprios, o que nunca lhes foi contestado até aquele ter iniciado as obras de reconstrução do seu próprio prédio urbano.

1.1.4.

Foi proferido despacho: admitindo a reconvenção; saneador (certificando a validade e a regularidade da instância); e dispensado a fixação a base instrutória (por alegada manifesta simplicidade da causa).

1.1.5.

Apreciados os requerimentos probatórios das partes, e iniciada a audiência de julgamento, foi deferida e realizada a perícia singular requerida no seu início por ambas (de comum acordo).

Posteriormente, foi realizada uma inspecção ao local pelo Tribunal a quo, na presença do Perito antes nomeado.

1.1.6.

Concluída audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou parcialmente procedente a acção, e totalmente improcedente a reconvenção, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Pelos fundamentos expostos, decide-se: § Julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência: a) Declarar e condenar o réu CC a reconhecer que os autores AA e esposa BB são os únicos, plenos e exclusivos proprietários do prédio urbano identificado nos factos provados n.º3 [prédio urbano, composto por casa sobradada de 1º e 2º andar e logradouro, sito no concelho de Vieira do Minho, com a área coberta de 192m2 e descoberta de 600m2, a confrontar do norte com caminho público, sul, nascente e poente com AA, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo XXXº].

b) Declarar e condenar o réu CC a reconhecer que os autores AA e esposa BB são os únicos e legítimos proprietários da água proveniente da mina identificada nos factos provados n.ºs 5 a 9.

c) Condenar o réu CC a abster-se de no futuro retirar o portão que foi colocado na boca da mina, de nela entrar e praticar quaisquer atos que impeçam os autores AA e esposa BB de usufruírem da água da mina identificada na alínea b), em condições normais de caudal, segurança e salubridade ou higiene.

d) Condenar o réu CC a abster-se de praticar qualquer ato que impeça os autores AA e esposa BB de acederem à referida mina para proceder a trabalhos de manutenção e limpeza da mesma.

e) Condenar o réu CC a pagar aos autores AA e esposa BB a quantia de €781,98 (setecentos oitenta um euros e noventa e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida da quantia de €1.000,00 (mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

f) Absolver o réu CC do demais peticionado.

*§ Julgar totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção deduzida e, consequentemente absolver os autores AA e esposa BB dos pedidos reconvencionais (…)»*1.2. Recurso (do Réu) 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o Réu (CC) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra (em que ele próprio fosse absolvido de todos os pedidos formulados contra si, e em que se julgasse procedente o pedido reconvencional por ele deduzido).

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais): 1ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitia dar como demonstrados os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob a alínea d) («A água saía por um tubo em ferro existente na boca da mina, caindo num espaço com fundo e lados de pedra»), sob a alínea e) («No local onde a água saía pelo referido tubo em ferro, o Réu e Terceiros, servindo-se de jarros, cântaros e outro tipo de vasilhame, recolhiam a quantidade de água que bem entendiam, para consumo nos seus prédios e consumo doméstico, à vista de toda a gente, dia a dia e ano a ano, sem oposição de quem quer que fosse e na convicção de que exerciam poderes sobre a coisa que também lhes pertencia»), sob a alínea f) («Ao actuar do modo descrito no facto provado enunciado sob o número 26, o Pai do Réu agiu, dia a dia e ano a ano, sem oposição de quem quer que fosse e na convicção de que exercia poderes sobre a água que também lhe pertencia»), sob a alínea h) («Ao colocarem os tijolos no interior da referida mina, represando a água, bem como o tubo de pvc no interior da represa e o portão na boca da mina, os Autores impedem que a água...

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