Acórdão nº 279/12.5TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução16 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório B…, C…e mulher, D…, E…, e marido, F…,e mulher G…, H… e mulher I…, J… e marido, K… intentaram contra L… e mulher, M… e N…e mulher, O…, acção sob a forma de processo ordinário, alegando que lhes pertence um prédio rústico identificado no artigo 1º da petição inicial, prédio esse que adquiriram por sucessão, mas também por via da usucapião, que confronta, a poente, com o prédio do réu L…, prédio rústico esse que é encravado e cujo acesso é realizado através do campo dos autores, desde tempos imemoriais, por um trilho de passagem melhor descrito no artigo 18º da petição inicial. Mais alegam a aquisição de tal servidão pela via da usucapião. O 1º réu vendeu tal prédio aos 2ºs réus sem lhes comunicar tal venda ou projecto de venda, sendo que os autores pretendem exercer o direito de preferência na alienação pela quantia de € 1.000,00. Terminam, peticionando que se coloque os autores no lugar dos 2ºs réus no negócio de compra e venda realizado entre estes e os 1ºs réus, transferindo-se para eles o direito de propriedade sobre o imóvel descrito nos autos pelo valor de € 1.000,00 e se proceda ao cancelamento de todos os registos de transacção e oneração posteriores à data da alienação incompatíveis com o direito de propriedade ora a adquirir pelos autores.

Subsidiariamente, peticionam que se declare a extinção da servidão legal de passagem para a parcela rústica nº 265, que onera a parcela rústica nº 266.

Contestaram os réus N… e mulher, O…, alegando que inexiste direito de preferência por parte dos autores, uma vez que a alegada servidão de passagem constituída por usucapião não é subsumível no conceito de servidão legal. Alegam ainda que os réus são proprietários de um prédio que confronta com o prédio em causa nos autos, sendo prédios contíguos entre si, o prédio em causa nos autos estava, à data da outorga da escritura pública, a ser cultivado pelos 2ºs réus, desde 30.11.2003, ao abrigo de um contrato de arrendamento rural celebrado em 30 de Outubro desse ano com os 1ºs réus e desde essa altura o acesso ao prédio arrendado passou a ser efectuado pelos 1ºs réus pelo seu prédio, que dispunha de acessos próprios pela via pública, sendo que após o negócio em causa nos autos os réus efectuaram obras e os prédios apresentam-se como um só. Mais alegam que se verifica a caducidade do exercício do direito de preferência, uma vez que os autores foram informados de todo o negócio, mas, no mínimo, tiveram conhecimento do mesmo em 10.06.2011 e só intentaram a acção em 25.01.2012. Em reconvenção, para a eventualidade de ser julgado procedente o pedido principal, alegaram que o preço real do negócio foi de € 25.000,00, e pediram a condenação dos A. no pagamento do valor real da venda, IMT e imposto de selo, no total de € 26.450,00, Os autores replicaram, impugnando os factos alegados pelo réu, contestando a factualidade alegada na reconvenção e peticionando a condenação dos réus como litigantes de má fé.

Foi proferido despacho saneador, onde se indeferiu a excepção dilatória inominada de não depósito do preço devido, se relegou para a sentença o conhecimento das demais excepções invocadas e se seleccionou a matéria assente e a base instrutória.

Atento o falecimento do co-autor H… e do co-réu N…, foram habilitados os seus herdeiros.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e a final foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido principal e procedente o pedido subsidiário e, consequentemente, declarou extinta a servidão legal de passagem para a parcela rústica nº 265, que onera a parcela rústica nº 266, absolvendo os réus dos demais pedidos.

A A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, onde conclui as suas alegações do seguinte modo: 1- B…e OUTROS, vêm interpor recurso de apelação (art. 644°, n.º 1 do CPC) para o Tribunal da Relação de Guimarães, a subir nos próprios autos (art. 645°, n.º 1 CPC), com efeito meramente devolutivo (art. 647° CPC) da sentença a quo que julgou improcedente o seu pedido de colocação no lugar dos segundos réus no negócio que estes celebraram com os primeiros (os recorridos) de compra e venda de imóvel descrito nos autos, venda essa na qual os autores têm o direito de preferir.

2- A sentença a quo é nula na medida em que o juiz pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, condenando em quantidade superior ao pedido - art. 615°, n." 1, als. d e e) CPC.

3- Com efeito, os segundos réus, aqui segundos recorridos, nunca peticionaram, declararam ou alegaram a existência do seu direito de preferência.

4- O exercício de direito de preferência está na disponibilidade do preferente e depende da sua declaração constitutiva. Na ausência de declaração nesse sentido, não há exercício de direito de preferência.

5- Daí que na ausência de invocação do direito potestativo de preferir por parte dos segundos recorridos e na impossibilidade do seu conhecimento oficioso por ausência de disposição legal nesse sentido, não poderia a sentença a quo ter tomado conhecimento do mesmo e levado o dito à ponderação das soluções a dar ao presente litígio, o que motiva a sua nulidade que expressamente se invoca.

6- Subsidiariamente, a sentença a quo afirma que o objectivo do regime do Decreto-Lei n." 385/88, antecessor do Decreto-Lei n.? 294/2009, era o de recolocar o regime legal em linha com a versão originária da preferência do arrendatário rural vigente no Decreto-Lei n.º 201/75.

7- Não é correcto porque o momento legislativo de 1975 visa, no âmbito da Reforma Agrária pós Revolução de Abril, devolver o poder ao cultivador da terra - tradicionalmente, o arrendatário. Tais motivações estão ausentes em 1988 e muito mais em 2009, visando o regime consagrado favorecer o emparcelamento rural e a concentração de propriedades na mão do menor número de proprietários possíveis com o fito de promover a exploração eficiente da terra - como resulta dos preâmbulos citados e legislação demais aprovada em 1988 (da qual é exemplo o Decreto-Lei n.º 184/2008).

8- Tal política é colocada em evidência pelo disposto no art. 18° do Decreto-Lei n." 384/88 que confere aos proprietários de terrenos confinantes o direito de preferência conferido no art. 1380° CCiv., ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura (regime especial face ao disposto no art. 1380°) n.º 1 CCiv.) que vem reforçar a preferência que o sistema legislativo conferia ao proprietário confinante).

9- É completamente ausente - porquanto eliminado propositadamente pelo legislador - qualquer referência a uma "prioridade superior" da preferência do arrendatário face ao proprietário de prédio confinante ou encravado. Foram eliminadas do texto legal expressões que denotavam prioridade da preferência do arrendatário rural em confronto com outras como ''por ordem de menção" (Decreto-Lei n.º 201/75) ou "em primeiro lugar" (Lei n.º 76/77). E onde o legislador não distingue, não poderá o intérprete distinguir.

10- Por outro lado, a norma de direito de preferência é uma norma de direito excepcional que não comporta aplicação analógica. Daí que que não se possa retirar de uma prioridade de preferência no confronto com o preferente comproprietário ou co-herdeiro, uma prioridade de preferência no confronto com preferentes por qualquer outra natureza.

11- Assim, não só o direito de preferência do arrendatário não prefere sobre o direito de preferência dos recorrentes, como se deve verificar precisamente o seu contrário na lógica do sistema: favorecendo o emparcelamento rural, o direito de preferência dos recorrentes tem prioridade sobre qualquer direito de preferência do arrendatário (que nem sequer foi invocado) - assim deveria ter sido feita aplicação aos autos do art. 1555°) nº 1 CCiv. e 1380°, n.º 1 CCiv., por se tratar da razão que permite aos recorrentes o gozo pleno dos seus direitos de propriedade em articulação com o interesse comunitário de melhor e mais eficiente exploração de terras.

12- No mesmo contexto, em local algum do Decreto-Lei n.º 129/2009 (em particular, no seu art, 31°) se vislumbra alguma ordem de prioridade por qualquer outro preferente que não o co-herdeiro ou comproprietário - não consagra a presente norma qualquer regime especial ou excepcional.

13- Os recorrentes dispõem de preferência por variadas razões: por serem onerados por servidão legal; por serem confinantes; porquanto o sistema legal do arrendamento rural pretende a concentração proprietária das explorações agrícolas com vista à sua melhor rentabilização. E essas preferências estão consagradas quer no art. 1380°, n.º 1 CCiv. quer no art. 1555°, n.º 1 CCiv ..

14- Mais sucede que a própria lei civil consagra, outrossim, um critério explícito de prioridade à preferência dos recorrentes, nos termos do disposto no art. 1380°, n.º 2 CCiv., que confere a prioridade ao exercício da preferência do proprietário onerado com a servidão de passagem.

15- Razões pelas quais conferindo aos recorrentes a preferência na compra da parcela em questão nos autos, teria a sentença a quo feito correcta aplicação e interpretação do art. 1555° e art. 1380°, n.º 2 CCiv ..

16- Subsidiariamente, e sem prescindir, haverá que considerar que mais erra a sentença a quo quando afirma, a p. 30, que ''podendo os réus invocar validamente a existência de um contrato de arrendamento rural, verifica-se que fica preterido o direito de preferir do proprietário do prédio onerado com a servidão de passagem, neste caso, os autores, atento o disposto no artigo 31º pelo que os...

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