Acórdão nº 536/11.8TBPTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO 1- A causa de pedir na ação de reivindicação é constituída não apenas pela titularidade do direito de propriedade, mas também, necessariamente, pela situação de desconformidade na relação do proprietário com a coisa, a que a entrega deve pôr termo.

2- Neste enquadramento, se o reivindicante se limitar a invocar, por exemplo, factos consubstanciadores da detenção contrária à sua propriedade, não se pode concluir, liminarmente, que haja falta de causa de pedir. O que pode vir a revelar-se é a insuficiência dessa mesma causa de pedir.

3- Detetando essa insuficiência no final da fase dos articulados, o tribunal deve convidar a parte que incorreu nesse vício de substanciação a supri-lo, mediante o aperfeiçoamento da exposição ou concretização da matéria de facto já alegada.

4- Mas, não o fazendo nessa fase, pode, ainda assim, formular esse convite posteriormente, sob pena de vir a revelar-se contraditório o juízo do tribunal que julgue improcedente a ação tendo por fundamento, justamente, a ausência de factos cuja alegação deveria ter sugerido.

*Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório 1- J, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra F e M, alegando, em breve resumo, que, ele e o seu irmão, L, são donos de dois prédios, um misto e outro rústico, que identifica, em virtude de os terem adquirido por óbito do pai de ambos.

Sucede que, no ano de 1999, prometeram vendê-los ao R., o qual passou a ocupá-los a partir do ano seguinte. Todavia, não cumpriu este contrato, ocasionando-lhe, com isso, danos que enumera.

Daí que peça para: “a) Ser declarado o direito de propriedade do Autor e de L sobre os prédios, melhor identificados no artigo 1º deste articulado; b) Serem os Réus condenados a reconhecer o direito de propriedade do Autor e de L, sobre os prédios identificado no artigo 1º deste articulado e que estão a usufruir do mesmo de forma ilegítima e ilegal; c) Serem os Réus condenados a restituir ao Autor, devolutos de pessoas e bens os prédios referido na alínea a); d) Pagar aos Autores a título de indemnização por dano de privação do uso a quantia mensal de 1 000,00 € correspondente ao valor locativo, desde Janeiro de 2000 e até efectiva entrega, perfazendo nesta data a quantia de 136 000, 00 € (cento e trinta e seis mil euros), correspondente a 136 meses de ocupação”.

2- Contestaram os RR. refutando esta pretensão, porquanto, e além do mais que não tem interesse para o presente recurso, dono dos citados prédios é o R. por já o ter adquirido por usucapião, como consta de escritura de justificação notarial que celebrou para o efeito.

Pede, por isso, em sede reconvencional, que lhe seja reconhecido o referido direito de propriedade e o A. condenado a abster-se de praticar quaisquer atos que perturbem este direito.

3- O A. replicou refutando também esta pretensão, já que não reconhece o direito de propriedade invocado pelo R.

4- Entretanto, o A. veio também em requerimento autónomo chamar à ação a sociedade M e, em simultâneo, ampliar o pedido e causa de pedir, sustentando, em resumo, que os factos relatados na escritura de justificação indicada pelo R. são falsos.

Daí que peça, além do mais, a declaração dessa falsidade, bem como a falsidade e nulidade de tal escritura e que se ordene o cancelamento de todos os registos nela baseados.

5- Admitida o referido chamamento e a mencionada ampliação, a sociedade, M, contestou, no que foi contraditada pelo A. e pelo R., este no que toca à admissibilidade do pedido reconvencional por aquela deduzido.

6- Terminados os articulados, foi realizada a audiência prévia, na qual, além do mais, se afirmou a validade do processo, se conferiram os pressupostos processuais, se fixou o objeto do litígio e se definiram os temas da prova, entre eles figurando a questão de saber se os “autores são donos e legítimos proprietários do prédio referido no artigo 1 da Petição Inicial por o haverem adquirido pelo inventário obrigatório referido no artigo 3º do mesmo articulado”.

7- Posteriormente, no âmbito de uma tentativa de conciliação realizada no dia 15/03/2016, foi proferido o seguinte despacho: “a) … atendendo aos pedidos formulados na presente ação verifica-se que a petição inicial é inepta por faltarem factos essenciais na sua causa de pedir, sendo que o único facto relativo ao direito de propriedade invocado e reivindicado reporta-se a uma aquisição derivada por virtude de partilha em sede de inventário, facto esse (de natureza conclusiva) que se encontra vertido no ponto 1º da base instrutória.

Na verdade, nos termos do art. 1311 º do Cód. Civil, o proprietário tem a faculdade de exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição daquilo que lhe pertence.

São, assim, dois os pedidos que integram e caracterizam a acção de reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado; e a restituição da coisa (condemnatio), por outro.

Trata-se, pois, de uma acção que deve ser proposta pelo proprietário não possuidor contra quem estiver a possuir a coisa, ou pelo proprietário possuidor contra o mero detentor.

Trata-se, pois de uma acção que deve ser proposta pelo proprietário não possuidor contra quem estiver a possuir a coisa, ou pelo proprietário possuidor contra o mero detentor.

Nas acções reais (como é a acção de reivindicação) a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade.

Competindo ao autor alegar e provar a sua propriedade sobre a coisa objecto de reivindicação (cf. art. 342º, nº1 do Cód. Civil), terá de demonstrar os factos de que emerge o seu alegado direito.

Deverá, então, demonstrar os necessários elementos que levem à conclusão de que adquiriu um direito sobre a coisa por ocupação, usucapião, etc, se invocar uma forma originária de aquisição da propriedade; ou que o direito já existia no transmitente, se invocar uma forma de aquisição derivada, já que a compra e venda, doação, etc, não se podem considerar constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Cód. Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., pág. 115).

Pelo que, face à extrema dificuldade da prova (principalmente nalguns casos em que é invocada uma forma de aquisição originária), assumam particular importância as presunções legais, desde logo as resultantes do registo (cf. arts.1268º, nº1 do Cód. Civil e 7º do Cód. Reg. Predial).

No caso em apreço, não alegou o A. os necessários factos relativos e conducentes à invocada aquisição derivada, ou seja, repete-se: que o direito já existia no transmitente e passou para si na qualidade de adquirente.

A fase processual em que se encontra acção já não permite qualquer despacho de aperfeiçoamento, se se entender que o mesmo deve ter lugar para factos essenciais que caracterizam a causa de pedir. Nestes termos, estaremos em face de uma ineptidão da p.i., por falta de causa de pedir.

Sucede, contudo, que o A. veio ampliar o pedido, impugnando a escritura de justificação realizada pelos Réus, ocorrendo então inversão do ónus da prova, competindo aos RR provar a aquisição do direito de propriedade por via da usucapião.

Pelo que o prosseguimento dos autos impõe-se para este efeito, e procedendo a uma adequação processual ao “novo objectivo do processo” determina-se que o julgamento se inicie com a prova indicada pelos Réus Fernando Pimenta.

Para realização da audiência de discussão e julgamento...

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