Acórdão nº 663/15.2T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelALEXANDRA ROLIM MENDES
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1 – Não deve ser qualificado de concessão comercial um contrato em que uma empresa de panificação se obriga a fornecer diversas qualidades de pão a várias lojas de uma cadeia de supermercados, uma vez que não foi fixada obrigatoriedade de compra de quantidades mínimas de bens, nem qualquer outra obrigação típica desse contrato, como relativa à organização, política comercial ou assistência a clientes.

2 – Esse contrato deve antes ser qualificado como de fornecimentos, consistindo este no contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante pagamento de um preço, a executar, a favor de outra, prestações periódicas ou continuadas de coisas 3 - Uma vez que no caso o fornecedor se obrigou a transmitir a propriedade de coisas ao adquirente, o tipo contratual em causa aproxima-se da compra e venda.

4 – Sendo o contrato em causa de execução continuada ou duradoura e tendo sido celebrado por tempo indeterminado, qualquer dos contraentes pode denunciar livremente o contrato.

5 – O direito a indemnização no caso de cessação do contrato por denúncia ocorreria caso dos factos resultasse que a conduta da Ré (adquirente dos bens) em operar tal cessação, sem a fixação de um prazo de espera antes da produção dos efeitos da denúncia (pré-aviso), constituísse em concreto uma clara injustiça, um abuso de direito.

6 – Tal direito não existe quando a cessação do contrato ocorre após vários meses sem que tivesse havido qualquer encomenda de pão por parte da Ré e sem que tenha ficado demonstrada qualquer comunicação da Autora à Ré demonstrando o seu inconformismo com a situação e/ou interpelando-a para que voltasse a encomendar-lhe pão, ou seja, na altura em que a Ré comunicou à Autora a cessação do contrato, o mesmo já se encontrava moribundo, não se podendo dizer que a Autora tinha expectativas na manutenção do contrato.

7 - Neste caso é dispensável a fixação de um prazo antes da extinção do contrato, pois tal prazo visa dar à parte contrária tempo para se preparar para tal extinção.

Relatório: M, com sede no lugar de Portela de Meia, nº …, freguesia da Portela das Cabras, … Vila Verde, intentou a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra L, com sede na rua Pé de Mouro, nº … Linhó, … Sintra, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €297.000,00 euros a título de indemnização pelos danos sofridos em virtude da resolução contratual sem justa causa e ainda a quantia de €50.000,00 euros a título de indemnização pela ofensa ao crédito e bom nome da autora, tudo acrescido de juros à taxa legal contados a partir da citação.

Alega como fundamento da sua pretensão que as partes celebraram um contrato de fornecimento de pão, tendo a ré solicitado à autora que investisse em equipamentos de modo a satisfazer o aumento previsível de encomendas e impôs que levasse a cabo nas suas instalações industriais uma profunda remodelação, garantindo que a autora seria a única fornecedora do pão que comercializava em dez dos seus estabelecimentos. A autora adquiriu equipamento, contratou trabalhadores e remodelou as suas instalações e a ré a determinada altura, sem qualquer aviso ou justificação, deixou de encomendar pão à autora, vindo posteriormente a declarar resolvido o contrato, propalando publicamente que a autora não satisfazia o grau de qualidade exigível nem respeitava no seu fabrico as regras de higiene. Esta conduta da ré causou à autora avultados prejuízos.

Contestou a ré dizendo que apenas foi exigido à autora, à semelhança do que é exigido a todos os seus fornecedores, que fossem observados e cumpridos, quer no fabrico do pão, quer na sua distribuição, todos os requisitos e garantias exigíveis em termos de qualidade e de higiene, todavia na sequência de uma auditoria efetuada foram detetadas graves não conformidades que determinaram a ré a suspender o fornecimento de pão e, posteriormente, a resolver o contrato, dado que não foram comunicadas as medidas adotadas para eliminar as não conformidades.

* Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos: “Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente por não provada, a presente ação e, em consequência, absolve-se a ré dos pedidos formulados pela autora.

Custas a cargo da autora. Registe e notifique.

”* Inconformada veio a A. recorrer formulando as seguintes conclusões: I - A apelante intentou a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra L, pedindo a condenação desta ré no pagamento de €297.000,00 a título de indemnização pelos danos sofridos em virtude da resolução contratual sem justa causa e, ainda, a quantia de €50.000,00 a título de indemnização pela ofensa ao crédito e bom nome da autora, tudo acrescido de juros à taxa legal contados a partir da citação.

II - Em 2007, o representante legal da ré para os seus estabelecimentos comerciais sitos em Vila Verde, Braga (dois hipermercados), Valença do Minho, Esposende, Viana do Castelo, Póvoa do Lanhoso, Barcelos, Arcos de Valdevez, Ponte de Lima, Vieira do Minho, dirigiu-se à autora no sentido desta fornecer à ré pão de várias qualidades que a ré comercializaria nessas lojas, por conhecimento da boa qualidade dos produtos de panificação e pastelaria que esta fabricava.

III - Após várias reuniões havidas entre o representante legal da autora e o representante da ré para aqueles supermercados, no início do mês de Maio de 2008, acordaram e contrataram entre si, em nome das suas representadas, verbalmente, o seguinte: - A autora comprometia-se a fabricar para a ré várias espécies de pão e a entregá-las nos hipermercados da ré sitos nas localidades mencionadas no número anterior desta petição inicial; - As espécies pão a fornecer pela autora seriam constituídas por baguetes, pão biju, pão de avó pequeno, pão biju integral, pão especial da casa, pão da avó de 400grs, pão da avó fatiado e pão de milho de 500grs; - A autora comprometia-se a fabricar e a entregar à ré as quantidades de pão que ela previsse comercializar diariamente em cada hipermercado; - A ré comprometia-se a requisitar à autora as espécies e quantidades de pão com a antecedência necessária de modo a dar a esta o tempo necessário ao fabrico, à embalagem e ao transporte e entrega nos respetivos hipermercados.

IV- Em 15.04.2011 foi efetuada, a pedido da ré, por uma empresa externa, uma auditoria às instalações da autora.

V - Essa auditoria foi, exclusivamente, efetuada por uma senhora, nunca a autora tendo acompanhado essa senhora aquando da vistoria.

VI - Aliás, as vistorias eram feitas, pelo menos, de 3 em 3 meses. Uma vez, até foi feita uma vistoria de noite – depoimento prestado em julgamento pela testemunha Maria Elisa Correia Pinto, ouvida a 05.04.2016, entre as 9h56m20s e as 11h25m04s. Refere, também, nesse depoimento, que tudo era tratado pelo Sr. Moisés Rodrigues, representante da ré, e com o representante da autora, o Sr. Francisco José Gomes Sousa.

VII- Em síntese, do relatório dessa auditoria consta, globalmente, o seguinte: - Nota-se alguma falha ao nível das boas práticas; - Destaca-se a presença de pragas e a ausência de uma separação efetiva de materiais de embalagens/produtos alimentares; - Na zona de produtos não conformes, observou-se a acumulação de muitos mosquitos; - A empresa necessita de verificar todas as entradas, tubagens e vedações de portas; - Algumas zonas necessitam de arrumação e limpeza, por exemplo, em cima dos fornos, para evitar a acumulação de pragas; - Faltam insetos caçadores nas diferentes zonas, meios para lavar as mãos e caixotes do lixo com tampa e pedal; - Assim, verificam-se diversas condições possíveis de ser causa do aparecimento de um inseto dentro de uma embalagem de pão.

VIII - Logo que a ré foi notificada do relatório, contactou, de imediato a autora, solicitando que esta se pronunciasse com urgência e de forma escrita sobre o mesmo e ainda que indicasse quais as medidas corretivas que pretendia implementar para eliminar/corrigir todas as desconformidades detetadas.

A ré informou a autora que todas as entregas programadas ficariam suspensas até à eliminação das não conformidades detetadas.

X - A autora respondeu, passados dois dias, que “já foram tomadas medidas corretivas para eliminar/corrigir as não conformidades detetadas”.

XI - No final do mês de Novembro de 2011, a ré comunicou à autora, verbalmente, que considerava o contrato de fornecimento de pão como resolvido.

XII - Contudo, as irregularidades detetadas foram-no, a corresponder o relatório à realidade, na zona de fabrico de bolos e não na do pão, que era o único produto fornecido pela autora à ré.

XIII - Também, como se referiu, tal vistoria não foi acompanhada pelo legal representante da autora, que, nesse momento, não pôde exercer o contraditório.

XIV- A ré não enviou cópia à autora do resultado da vistoria, tal como costumava fazer aquando das outras vistorias (trimestrais) que fazia às instalações da autora e de que nunca reclamou.

XV - Aliás, como se depreende dos depoimentos das testemunhas M ME, muitas das não conformidades detetadas eram naturais – ver o depoimento dessas testemunhas transcrito nos artigos 25º, 26º, 27º e 28º destas alegações.

XVI - O certo é que a ré apenas suspendeu as entregas programadas até à eliminação das não conformidades detetadas.

XVII - Por isso, a autora comunicou à ré que “já foram tomadas as medidas corretivas para eliminar/corrigir as não conformidades detetadas”.

XVIII - Apesar disso, a ré nunca mais se deslocou às instalações da autora para verificar se haviam ou não sido corrigidas as não conformidades.

XIX - Aliás, essas não conformidades são naturais, conforme o depoimento prestado em julgamento do já referido M.

XX - Por isso, a autora ficou à espera que a ré viesse verificar essas correções para lhe retomar o fornecimento do pão.

XXI - A última vistoria às instalações da autora foi efetuada em 15.04.2011.

XXII - A douta sentença recorrida decidiu, apesar dos factos dados como provados, julgar...

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