Acórdão nº 360/12.0TAVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães Nos autos de inquérito n.º 360/12.0TAVNF, a correr termos no Ministério Público de Vila Nova de Famalicão, Comarca de Braga, em que eram arguidos F. C., R, J. e …, Lda, foi proferido despacho pelo Juiz de Instrução Criminal, em 2 de Setembro de 2016, indeferindo liminarmente um requerimento apresentado por esta última, manifestando, substancialmente, a pretensão de restituição de bens apreendidos em tal inquérito. O Sr. Juiz fundamentou essa decisão na exclusiva competência do Órgão (Ministério Público) titular da acção penal para tratar da matéria em questão, estando vedado ao juiz de instrução o seu conhecimento e devendo a reação deduzida ter sido dirigida ao magistrado do Ministério Público titular do inquérito, com possibilidade de subsequente reclamação para o respectivo superior hierárquico.

*Inconformado com o referido despacho, a requerente… Unipessoal, Lda, interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões: «1.º Sobe o presente recurso da decisão (conclusão de 02-09-2016) que não conheceu das nulidades invocadas pela arguida …Lda, e bem assim da pretensão formulada por esta de que lhe fossem restituídos os bens que lhe foram apreendidos em sede de inquérito porquanto tal fase processual terminou com o arquivamento dos autos não tendo sido requerida a abertura da instrução.

  1. A recorrente apresentou nos autos em 31/05/2016 o requerimento constante dos mesmos, que por motivos de economia processual aqui se dá por integralmente reproduzido, em que requereu lhe fossem entregues/devolvidas os bens que lhe foram apreendidos em sede de inquérito, porquanto o inquérito estava já findo e não foi requerida a abertura da instrução.

  2. Tal requerimento (31/05/2016) foi dirigido ao Digníssimo Procurador do MP, por ser o mesmo o titular do inquérito, e por o processo correr termos naquele MP, não obstante, o que se pretendia era ver a questão que foi suscitada perante o JIC relativa à devolução das paletes apreendidas a esta - sendo que esta sempre se arrogou legítima proprietária das mesmas. Conforme resulta inclusivamente das declarações prestadas em juízo pela legal representante da recorrente (cfr fls 169), em que a mesma reclamou a propriedade dos bens que lhe foram apreendidos e requereu expressamente lhe fossem oportunamente devolvidos.

  3. Por despacho do MP, foi indeferido o requerido pela recorrente. Designadamente que a questão suscitada pela recorrente relativa à devolução dos bens que lhe foram apreendidos fosse apreciada pelo JIC competente, para que as questões levantadas nos mesmos fossem alvo de decisão judicial por aquele (JIC).

  4. E tal despacho do MP indeferiu o requerido pela aqui recorrente com o fundamento que os bens apreendidos haviam sido já entregues à denunciada aquando da apreensão.

  5. Nos termos do disposto no art. 17.º do CPP, é ao JIC que compete exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento. Ou como é o caso dos autos, após o despacho de arquivamento e decorrido o prazo para requerer a abertura da instrução.

  6. Até porque, é apenas aos Meritíssimos Juízes que compete julgar. Não sendo essa a competência do MP nos termos do previsto no art, 53.º do CPP. O que expressamente se invoca.

  7. Verificando-se assim desde logo que o despacho recorrido violou o art. 53.º do CPP, pois pretendeu exercer competências e poderes para além das atribuições que lhe estão legalmente previstas.

  8. Nem é legítimo o MP negar que um requerimento dirigido ao JIC seja por este apreciado. Pois tal consubstanciará no caso concreto, uma violação do direito de acesso à justiça que assiste à recorrente, na medida em que nega a esta o cabal exercício da função jurisdicional atribuída ao JIC nesta fase do processo penal, e bem assim a decisão de uma questão jurídica levantada pela recorrente, e cuja única competência para a decidir assiste ao JIC.

  9. O inquérito findou com a prolação do despacho de arquivamento pelos motivos constantes do mesmo, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Importando no entanto, ainda, salientar a seguinte factualidade e conclusões constantes daquele despacho de arquivamento no sentido em que: "Assim, na ausência de elementos que indiciem de que forma a ...Lda entrou na posse das paletes" não nos é possível configurar a mera detenção com a prática de qualquer ilícito criminal." 11.° Não só não se verificou a prática de qualquer ilícito criminal, como os objectos apreendidos que estavam na posse da ...Lda (aqui recorrente) aquando da sua apreensão, nos termos do previsto no art. 186.º do CPP teriam de ser restituídos a esta. Não o tendo sido foi violado tal normativo.

  10. Nos termos do previsto no n.º 2 do art. 178.º do CPP "Os objectos apreendidos são juntos ao processo, quando possível, e, quando não, confiados à guarda do funcionário de justiça adstrito ao processo ou de um depositário, de tudo se fazendo menção no auto.”. (O negrito e sublinhado são nossos).

  11. A lei apenas prevê que na sequência de apreensão de bens em processo penal em situações como é o caso dos presentes autos, os bens ou são juntos aos autos, ou se tal não for possível, são confiados à guarda de funcionário judicial ou de depositário.

  12. Em momento algum está prevista na sequência de apreensão em processo penal a imediata entrega dos bens apreendidos, a título definitivo, a quem quer que seja.

  13. Prevê sim o no 6 do citado art. 178.° que "Os titulares de bens ou direitos objecto de apreensão podem requerer ao juiz de instrução a modificação ou revogação da medida. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 68.º.". (o negrito e bold são nossos).

  14. O que no caso dos autos não veio a suceder.

  15. Na sequência do despacho de arquivamento e decorrido o prazo legal para abertura da instrução, e porque aquele era omisso relativamente à restituição dos bens apreendidos, a ...Lda requereu ao JIC a restituição dos bens que lhe foram apreendidos.

  16. Tendo em conta o poder jurisdicional que apenas ao mesmo cabe para decidir, e as garantias de que dispõem os arguidos, previstas desde logo, e entre outras, nos arts. 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), art. 61 n.º 1 alínea b) do CPP, art. 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do homem.

  17. Semelhante entendimento foi defendido no mui douto Acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa, de 24-09-2015 Relator Antero Luís, processo 208/13.9TEL5B-B.Ll-9, disponível em www.dgsi.pt.. Cujos excertos da respectiva fundamentação foram transcritos na motivação do presente recurso.

  18. Em que se conclui que "O princípio do acusatório não implica, nem exige estanquicidade nas várias fases do processo no que respeita à intervenção dos vários órgãos com competência em sede processo criminal. O que exige, por força do julgamento justo e equitativo que resulta das várias normas constitucionais em matéria de processo criminal e de direitos liberdades e garantias, é que a apreciação de todas as questões em que os mesmos estejam em causa, seja feita por um órgão jurisdicional, neste caso o juiz de instrução, atenta as suas garantias de independência e imparcialidade.", 21.° E semelhante entendimento se encontra no recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ 11/2016 de 23-06-2016, e em decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Cujos excertos da respectiva fundamentação foram transcritos na motivação do presente recurso.

  19. Estando em causa um direito constitucionalmente protegido (direito de propriedade), e perante a "silêncio" quanto ao destino dos bens apreendidos no despacho de arquivamento, sendo certo que nunca foi pedida a modificação ou revogação da medida de apreensão (art. 178.º n.º 6 do CPP), e não existe na lei a possibilidade de apreensão e entrega imediata a título definitivo dos bens apreendidos (cfr art. 178.º n.º 2 do CPP), resulta que é ao JIC que compete conhecer do pedido de restituição formulado pela recorrente no seu requerimento.

  20. Tal entendimento igualmente decorre do previsto no art. 178.º n.º 6 do CPP. Uma vez que a competência para a modificação ou revogação da medida de apreensão tem de ser formulada perante o JIC - o que bem se compreende atentas as garantias e direitos supra referenciados no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência - igualmente por maioria de razão tem igualmente de ser o JIC a conhecer do pedido de restituição formulado pela recorrente.

  21. Não se entende o alcance da decisão recorrida ao referir "Concordamos assim com a posição assumida pelo Ministério Público na promoção antecedente, ou seja, estando em causa um acto da exclusiva competência do...

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