Acórdão nº 1136/14.6T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelALEXANDRA ROLIM MENDES
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1 – A transmissão de um crédito sobre terceiro no âmbito da transmissão da totalidade do património de uma instituição bancária para outra instituição bancária (trespasse), não deve ser qualificada como cessão da posição contratual mas como cessão de créditos.

2 – A transmissão do crédito apenas estaria vedada caso a sua realização agravasse desmesuradamente a posição do devedor, sendo que a alegação e prova dos factos integrantes desse impedimento caberia ao ora Embargante, uma vez que se trata de um facto extintivo do seu direito.

3 – A transmissão, operou, pois por mero efeito do contrato mas só produz efeitos relativamente ao devedor após a notificação ou a aceitação, não sendo necessário que o devedor consinta nessa transmissão.

4 - A transmissão verifica-se com todas as garantias do contrato, nos termos do disposto no art. 582º, nº 1 do C. P. Civil, desde que as mesmas não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (v. art. 727º do C. Civil), como é o caso. Assim, com o crédito, transmitiu-se também a hipoteca que o garantia.

5 – Não tendo havido notificação prévia à citação do devedor para a ação executiva, a transmissão do crédito considera-se eficaz com essa citação.

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: B, S.A., com a sua sede social em Avenida da República, Estoril Office, escritório …, Alcabideche veio deduzir embargos de executado contra C alegando, em síntese e com interesse para o presente recurso, o seguinte: Refere a embargante que consta dos autos um contrato "Título de Hipoteca" celebrado entre si e o F, em 23.03.2010, e um contrato de trespasse celebrado em 04.04.2011 entre o F e a aqui embargada. Do referido contrato "Título de Hipoteca" resulta que foi constituída uma hipoteca a favor do F, para garantia do bom e pontual pagamento assumidas ou a assumir pela sociedade comercial W, perante o F, até ao limite global de cento e sessenta e cinco mil euros do imóvel penhorado nos presentes autos. Uma vulgarmente denominada hipoteca genérica, ou seja, hipoteca para garantia do bom e pontual pagamento "de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade comercial W".

Diz ainda a ora embargante que constituiu uma hipoteca do prédio ora penhorado a favor do F, facto esse que resulta do contrato junto ao requerimento executivo.

Em 04.04.2011, F e ora Embargada outorgaram contrato de trespasse em que, entre outros, segundo resulta do documento junto ao Requerimento Executivo, o F trespassou à aqui Embargada contratos de mútuo, contratos de depósito, créditos sobre mutuários, devedores e restante clientela, ou seja, uma cessão da posição contratual.

Ora, nos casos de cessão de posição contratual, por aplicação analógica, é necessário, para a manutenção das garantias prestadas por terceiro, o seu consentimento, nos termos do nº 2 do artigo 599.° do Código Civil. A embargada, não prestou qualquer consentimento à transmissão do crédito e consequente transmissão do beneficiário da hipoteca.

Além disso, a embargante impugna desde logo o contrato de trespasse, por desconhecer se nele está incluído o crédito em causa na presente lide.

Diz ainda a Embargante que a hipoteca em causa não subsistiu à cessão contratual, pelo que a exequente não é parte legítima quanto ao contrato de hipoteca celebrado entre a ora embargante e o F devendo ser a execução extinta, quanto à Embargante, nos termos do nº 3 do artigo 576.° do CPC.

Por fim, a Embargante defende que a penhora efetuada é claramente inadmissível. A exequente não dispõe de posição contratual no contrato de hipoteca pelo que, não poderá proceder à penhora sendo parte ilegítima e desprovida de qualquer título executivo. Nessa medida e nos termos da alínea a) e c) do n." 1 do artigo 784.° do CPC, deve a mesma ser de imediato cancelada.

* A Exequente contestou os embargos alegando, em relação aos requisitos do requerimento executivo, que a livrança é por si só titulo executivo, líquido, vencido e exigível quanto à divida a ela subjacente, não sendo necessário alegar nada que fosse a esse respeito: líquido porque nele se encontra descrito o valor em dívida; vencido porque também nele está aposta a sua data de vencimento; exigível, dado o seu vencimento. Sendo a mesma um título de crédito caracterizado pela autonomia, literalidade e abstração. Assim sendo, entende a exequente que não tinha de alegar quaisquer outros factos para além dos alegados, nem tão pouco alegar qualquer outra causa no Requerimento Executivo que deu origem aos presentes autos, face aos títulos executivos apresentados.

Diz ainda a exequente que por Escritura Pública exarada de fls. 433 a 38 do Livro nº 130-B do Cartório Notarial de Lisboa da Sr.ª Dr.ª…, no dia 04.04.2011, o F, trespassou à exequente embargada o estabelecimento comercial que constitui universalidade de ativos (tangíveis e fixos intangíveis) e passivos nomeadamente ( ... ) e de forma geral, a totalidade dos direitos e obrigações de que é titular o trespassante no âmbito da sua atividade bancária. Ora, tal contrato, não se confunde, como quer fazer crer a embargante com uma cessão de posição contratual, que nem configura como uma forma de transmissão de crédito. Quanto muito, entende a exequente que o regime de trespasse configuraria melhor o regime da cessão de créditos e neste não é exigível o consentimento, mas tão só a notificação. Porém, esta notificação deve considerar-se feita pela presente execução e face aos documentos juntos.

À exequente/embargada foram pois cedidos os créditos aqui executados e com todas as garantias a ele inerentes.

Tal transmissão de crédito já se encontra registada em definitivo no imóvel, conforme apresentação 287 de 2010/03/23 e que pode verificar pela certidão predial permanente com o código …. Pelo que a Embargada tem legitimidade bastante para executar os créditos em questão.

* * Foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos: Em face do exposto, decide-se: - julgar improcedentes, por não provados, os embargos deduzidos pela executada…, absolvendo a exequente integralmente do pedido.

Fixa-se à causa o valor de 246.555,37 €.

Custas pela embargante.

* Inconformada veio a Embargante recorrer formulando as seguintes Conclusões: Da cessão da posição contratual

  1. Não pode a Recorrente concordar com a fundamentação e consequente decisão do Tribunal a quo, na medida em documento designado por trespasse, outorgado entre C e F resulta, em concreto na alínea h), o seguinte excerto referente ao que está incluído no contrato de trespasse celebrado “h) O restante ativo do estabelecimento, incluindo nomeadamente os créditos sobre mutuários, devedores e restante clientela a ele afeta, acompanhados de todas as respetivas garantias e acessórios, mediante a cessão da posição contratual da sociedade trespassante”.

  2. Da letra e espírito do contrato resulta-nos que, o F, mediante a cessão da posição contratual, transmitiu os créditos sobre mutuários, acompanhados de todas as respetivas garantias e acessórios.

  3. E assim o é, quando num negócio de Duzentos e dezasseis milhões de euros sensivelmente, a expressão “mediante cessão da posição contratual” signifique, de facto, por imperativo da razão, isso mesmo.

  4. Não nos podemos olvidar que, um negócio desta dimensão é certamente acompanhado pelos altos quadros de Juristas nacionais, acrescido da análise e formação de outros contratos complementares.

  5. A expressão “mediante cessão da posição contratual” por imperativo da razão, foi concretizada, planeada e premeditada pelos intervenientes e idealizadores do contrato em causa.

  6. O Homem Médio, que aqui tão pouco poderá considerar-se tendo em conta o elevado saber daqueles que certamente acompanharam e disciplinaram a formação do contrato entre F e C...

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