Acórdão nº 142/12.0TBPCR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução11 de Maio de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

V e mulher A, melhor identificados nos autos, intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de J, representada pelos seus únicos herdeiros, AD, JA, M, MT e ML, pedindo que se:

  1. Declare os AA donos e legítimos possuidores da água referida no art. 5º da petição inicial, por a terem adquirido por usucapião e reconhecida em sentença judicial decretada em 14/09/2010 no âmbito do processo n.º 172/09.9TBPCR do Tribunal Judicial de Paredes de Coura; b) Condene os RR a restituírem aos AA a água que beneficia o seu prédio e que ilicitamente foi captada (…), na situação em que se encontrava anteriormente, ou seja, antes de levarem a efeito as obras e trabalhos realizados a partir de 10 de Julho e a canalização ali colocada, demolindo o óculo construído e retirando o respectivo motor de captação; c) Condene os réus a procederem à imediata abertura da porta de acesso à mina e à entrega de uma chave de acesso aos AA.; d) Condene os RR a pagar aos AA uma indemnização no total de €5.500,00, a título de danos patrimoniais e morais e, pelo facto de, abusivamente, terem privado e captado a água, propriedade dos AA e ali efectuado construções; e) Condene os RR. ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por casa dia de atraso no (in) cumprimento da obrigação, no montante de €250,00 diários, a favor dos AA., por forma a que a obrigação dos RR. seja efectivamente cumprida, desde a citação até que os RR retirem todas as obras efectuadas, nos termos do art. 829-A n.º 1 do CC.; f) Condene os RR em custas, procuradoria condigna e o mais que for de lei; g) Condene os RR. a absterem-se da prática de quaisquer actos que ofendam o direito de propriedade dos AA., em particular daqueles que impliquem uma diminuição da água.

    * Alegam, em síntese, que são legítimos proprietários do prédio identificado no artigo 1º da p.i., o qual é abastecido por uma nascente de água situada no prédio dos réus, identificado no artigo 3.º da p.i.; que o prédio de que são proprietários pertencia ao pai do autor, que há mais de 30 anos efectuou várias obras de captação e canalização subterrânea da referida água, desde a nascente até chegar a um tanque situado no prédio que hoje lhes pertence; que desde há mais de 20/30 anos que os autores por si e seus antecessores vêm usando aquela água, destinando-a à rega das suas culturas, à vista de toda a gente, designadamente da ré, sem oposição, ininterruptamente, e no ânimo de quem é dono e exerce um direito de propriedade; que no ano de 2008 intentaram contra os réus um procedimento cautelar e a acção ordinária nº 172/09.9TBPCR, que terminou com a prolação de sentença homologatória de transacção, no âmbito da qual a ré reconheceu aos autores o direito à serventia «ao caneco» das águas da referida mina e o direito de servidão de aqueduto sobre as águas sobrantes da mesma mina.

    Acontece que no dia 11 de Julho de 2012 os réus construíram no seu prédio um poço equipado de motor eléctrico de captação de águas, situado perpendicularmente ao veio da mina e a cerca de 10 metros da respectiva entrada, e retiraram a porta de madeira daquela entrada, da qual os autores tinham chave, e colocaram no seu lugar uma porta em ferro, não entregando cópia da chave aos autores.

    Assim, desde essa data os autores ficaram impedidos de aceder à mina e privados do uso da água no seu terreno, que desapareceu, em consequência das obras efectuadas pelos réus.

    Continuam, assim, os RR, de modo abusivo, a impedir e a denegar o direito que por sentença homologada pelo tribunal foi proferida, obrigando os AA a recorrer, uma vez mais, a tribunal e a suportar os inerentes custos, designadamente custas judiciais, honorários à sua mandatária e demais despesas, como deslocações ao Tribunal e ao escritório dos seus advogados, valores esses que ultrapassam os € 2.500,00.

    Acresce que com a conduta dos RR ficaram os AA decepcionados, tristes e desgostosos com aqueles, pois são vizinhos e conhecidos de longos anos, o que consubstancia um dano não patrimonial elevado, tutelado juridicamente, e que se avalia no montante mínimo de € 3.000,00.

    Estavam, além disso, os RR obrigados a se absterem de quaisquer actos que ofendam o direito de propriedade da água, em particular daqueles que impliquem uma diminuição daquela, pelo que devem os RR ser condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória aos AA por cada dia de atraso no (in) cumprimento da obrigação, no montante diário de €250,00, por forma a que a obrigação dos RR seja efectivamente cumprida, desde a citação até que eles retirem todas as obras efectuadas e respetivo motor, nos termos do art. 829-A n.º 1 do CC.

    * A ré contestou, impugnando os factos alegados na p.i., dizendo que na acção anterior se limitou a reconhecer que os autores têm direito à serventia ao «caneco» das águas da mina e o direito de servidão de aqueduto sobre as águas sobrantes da mesma mina, adquirido por usucapião, mas não o direito de propriedade sobre as mesmas águas.

    Mais alega que embora a água da nascente lhe pertença há mais de 100 anos, toleraram que os AA. a extraíssem, única e exclusivamente ao caneco para gastos domésticos, isto porque há 30, 40, 50 anos não existia distribuição de água por rede pública.

    Mais alega que quando a água da mina atingia a abertura existente a 40 cm de altura do seu fundo, saía por esta e ia cair num aqueduto em pedra, capeado, que seguia a céu aberto pelo eido do prédio dos autores e caía numa leira do mesmo prédio, mais a baixo e depois numa quelha, numa das escadas de pedra e ia dar à «Poça de Sueidos», sendo que na maioria dos Verões, entre Junho e finais de Novembro, o volume da água represada na mina era diminuto, quase desaparecendo e raramente atingia a abertura de saída.

    Alega ainda que atenta a avançada idade da ré AD, em Julho de 2012, os demais herdeiros decidiram construir um poço para lhe facilitar a rega das culturas e o enchimento do bebedouro dos seus animais, o qual, no entanto, em nada prejudica o caudal da mina, pois não o reduz, sendo que a sua existência levou mesmo a que a ré AD deixasse de utilizar a água da mina, libertando mais águas sobrantes para os autores.

    De resto, os autores há já mais de 1, 2, 5 e mais anos que não utilizam a água da mina ao caneco, motivo pelo qual os réus não lhes entregaram a chave da mina.

    Deduziu ainda a Ré reconvenção, peticionando a extinção das servidões de água ao caneco e de aqueduto das águas sobrantes, por desnecessidade, e a remição judicial dessas servidões.

    * Os AA. vieram responder à contestação, mantendo o alegado na p.i. e pugnando pela improcedência da reconvenção.

    * Tramitados regularmente os autos, foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a. Declaro os AA. possuidores da água referida no artigo 5º da p.i., nos exactos termos que constam da sentença homologatória aludida no ponto F) dos factos provados.

  2. Condeno os Réus a restituírem aos autores o uso e posse da água, designadamente procedendo à imediata abertura da porta de acesso à mina e à entrega de uma chave de acesso aos Autores.

  3. Condeno os réus a pagarem aos autores a título de indemnização pelas deslocações ao tribunal e ao escritório dos mandatários, no âmbito da presente acção, a quantia que se apurar em posterior liquidação, e a título de danos não patrimoniais a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros).

  4. Condeno os réus a pagarem a título de sanção pecuniária compulsória a quantia diária de €150,00 (cento e cinquenta euros) até que se mostre integralmente cumprida a obrigação estipulada em b).

  5. Condeno os réus a absterem-se da prática de quaisquer actos que ofendam o direito aludido em a).

    Absolvo os réus do mais peticionado pelos autores.

    Julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos réus e dele absolvo os autores…”.

    * Não se conformando com a decisão proferida, vieram os AA dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “1. Os recorrentes entendem, com todo o respeito por opinião contrária, que a decisão em causa, ao não condenar os RR relativamente à alínea b) do pedido, enferma de omissão quanto às circunstâncias em que a água é represada e conduzida para o prédio dos AA, nomeadamente quanto à existência do motor de captação, o que entra em manifesta contradição com o doutamente decidido na alínea a) e e) da decisão da sentença.

    Existe assim contradição entre a matéria dada como provada e a decisão 2. De acordo com a alínea a) da decisão da sentença resulta que os AA. são possuidores da água referida no artº 5º, nos exactos termos que constam da sentença homologatória aludida no ponto F) dos factos provados.

    Ora, daquela sentença homologatória retira-se, sem margem para dúvida que toda a serventia da água é “ao caneco”, ou seja, encher o caneco na água da mina quando a sua profundidade o permita, e não prevê qualquer outra forma de captação, como também resulta daquela mesma sentença homologatória, que os aqui AA têm também o direito de servidão de aqueduto sobre as águas sobrantes da mesma mina (…) 3. O caudal de retirada de água da mina por outro meio que não ao caneco, por motor elétrico, (que se alimenta da mesma água como resulta do relatório pericial e da alínea S) dos factos dados como provados na douta sentença recorrida), não só impede que a água atinja em superfície o local de saída para o aqueduto dos AA, como também o direito de servidão da mesma água para rega do prédio dos AA fica na completa discricionariedade e disponibilidade das RR (o motor é ligado ou desligado a belo prazer de quaisquer herdeiros das RR) logo a superfície desta sobe ou desce conforme a vontade dos RR.

    1. Face a este circunstancialismo, não resta aos AA mais do que uma expectativa de serventia de água, uma vez que os RR., podendo utilizar motor eléctrico, podem nunca permitir a serventia dos AA “ao caneco” e de...

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