Acórdão nº 263/12.9TBCBT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução18 de Maio de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1 –Relatório.

Vieram BBe mulherAA(AA) instaurarcontra Junta de Freguesia de CC, DDe mulherEE(RR) acção declarativa sob a forma de processo ordinário pedindo a condenação: I- dos RR a: a) reconhecerem o seu direito de propriedade sobre os prédios melhor identificados no artigo 1.º e com a configuração e confrontações melhor descritas nos artigos 11º e 12º; b) absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o seu direito de propriedade sobre os identificados prédios e com a configuração e confrontações melhor descritas nos artigos 11º e 12º; c) entregarem-lhes os referidos prédios livres e devolutos e reposto no estado anterior à ocupação indevida, assim cessando a violação do seu direito de propriedade; d) pagarem-lhes uma indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de € 2.000, acrescida dos juros que sobre esse montante, à taxa legal, desde a citação até ao integral pagamento; II - dos segundos RR: e) no pagamento, a título de cláusula pecuniária compulsória, da quantia de € 100 diários por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de proceder à retirada do contador da luz.

Alegam, em síntese, que por escritura de justificação e compras e vendas outorgada no Cartório Notarial de Celorico de Basto, a 31 de Julho de 2004, adquiriram a FFa e GG os prédios rústicos denominados “HH” com 1.800 m2 e “II” com 150 m2, sitos, respetivamente, nos lugares de Lamelas de Cima e Lamelas, freguesia de CC, inscritos na matriz sob os artigos xxxxºe yyyy e na Conservatória do Registo Predial de Celorico de Basto sob os nºs xxxx e yyyy e metade indiviso àquele e outra metade a JJ e mulher KK do prédio urbano com a área de 128 m2 sito no segundo referido lugar, inscrito na matriz sob o artigo XXX e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX.

Tais prédios encontram-se registados a seu favor, acrescendo que, por si e antepossuidores, vêm arroteando e agricultando os prédios rústicos, em tudo fazendo obras e melhoramentos, usufruindo de todas as utilidades, bem como dos seus frutos e rendimentos, zelando pela sua conservação e pagando as contribuições devidas, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição, designadamente dos Réus, na convicção de exercerem direito próprio e sem lesar direitos de terceiros.

Referem que esses prédios formam uma unidade confrontando a norte, nascente e sul com estrada e poente com DD, tendo sofrido alterações em face das modificações introduzidas pela primeira Ré e pela Câmara Municipal na rede rodoviária aí existente, mas mantendo a configuração identificada na planta a laranja e confrontações há mais de 20 anos aí praticando os referidos atos, concretamente, usufruindo a totalidade da área de terreno envolvente às casas e que vai desde a estrada municipal com que confrontam e os prédios dos segundos Réus.

Os RR vêm pondo em causa esses direitos afirmando que tal parcela de terreno corresponde ao leito de um caminho, o que é falso, além de que os segundos procederam à instalação de um contador da luz no muro que lhes pertente, confinante com os referidos prédios e a deitar diretamente para estes, contra a sua vontade, tendo resultado infrutíferas as interpelações que lhes dirigiram. A segunda R, por sua vez, em dia e hora não concretamente determinadas do ano de 2012, usando máquinas de elevado porte, procedeu à invasão da sua propriedade e derrubou muros, ocupando o terreno com escombros, mais uma vez contra a sua vontade.

Com a actuação descrita, os RR provocaram-lhes incómodos, preocupações e desgostos pelo que pretendem a compensação de € 2.000,00.

Os RR contestaram, invocando a incompetência do Tribunal em razão da matéria por competir aos tribunais de jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público.

Contrapuseram que não só afirmaram mas também reclamam que naqueles prédios existe desde tempos imemoriais um caminho público de acesso ao lugar de Lamelas e até com ligações a outros lugares, designadamente, ao lugar de Lameiras, freguesia do Rego, e que os AA, desde há 3 anos, têm vindo a destruir e a ocupar, inicialmente com um muro, tapando esse caminho a nascente, depois escavaram o caminho na sua parte superior, a poente e no ramo que dá acesso à Lameira, há cerca de meio ano, ocuparam com pedras e lenha o troço do caminho que assinalaram a azul; depois de a primeira os ter instado a que procedessem à restituição do caminho à situação anterior, por não terem acatado o seu pedido, desobstruiu esse troço do caminho retirando do seu leito as referidas pedras e lenha; por sua vez, os segundos limitaram-se a colocar no seu muro que deita directamente para o aludido caminho, caixas para instalação dos contadores da energia eléctrica e da água.

Os AA replicaram, argumentando que a competência pertence aos tribunais comuns e que deve aferir-se pelos termos em que, na petição, é expressa a pretensão e os fundamentos em que se alicerça, sendo inócuas as observações que os RR fazem quanto ao trato de terreno reivindicado.

Referem que, ainda que o caminho por si reclamado pudesse em tempos remotos ter integrado um caminho, a verdade é que, há mais de 30 anos que se encontra desafectado do domínio público pelo desuso, visto que já não é utilizado pelo público desde a data da construção da nova estrada que veio encurtar distâncias e satisfazer com vantagens o interesse público, pois as pessoas passaram a utilizar essa via no dia-a-dia, a maior parte fazendo-o de automóvel, por ser mais larga e melhor; concluem que os prédios que adquiriram compreendem o trato de terreno em causa acrescentando que, por si e antepossuidores, há mais de 40 anos, o vêm ocupando, limpando, nele guardando e recolhendo madeiras, lenhas e arbustos, agindo como seus donos.

Os RR treplicaram, argumentando que não decorreu o prazo da usucapião e que o caminho continua a estar afecto ao uso directo e imediato do público.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de incompetência material e se pronunciou pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais, estado em que, aliás, se mantêm.

Seleccionaram-se os factos assentes e controvertidos, elaborando-se base instrutória, sem reclamações.

Procedeu-se a julgamento.

Constatada a existência de uma ampliação da causa de pedir constante da réplica, realizou-se um aditamento da base instrutória e, na sequência de requerimento probatório apresentado pelos RR, reabriu-se a audiência final.

Veio a ser proferida sentença, que julgou parcialmente procedente, por provada a acção e, em consequência: A) condenou os RR: a) a reconhecer o direito de propriedade dos AA sobre os prédios identificados no ponto 1) da fundamentação de facto, com a configuração e confrontações descritas nos pontos 10), 12) e 13); b) absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade dos AA sobre os prédios identificados em a); c) entregarem-lhes os referidos prédios livres e devolutos e repostos no estado anterior à ocupação indevida; B) condenou os RRDDe mulher EEa pagar aos AA e ao Estado, na proporção de metade, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 100,00 por cada dia de atraso na remoção do contador identificado no ponto 20) da fundamentação de facto, que exceda o prazo de trinta dias contado a partir do trânsito em julgado da presente sentença.

  1. absolveu os RR do pedido de indemnização formulado pelos AA.

Inconformados com a sentença, pelos RRfoi interposto recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): “1.Ao abrigo dos art.os 596.º, n.º 3 e 644.º, n.º 1, al. a), do CPC, vem a presente apelação interposta do douto despacho de 26/06/2015, que indeferiu a reclamação dos RR. ao douto despacho de fls. 204, e da douta sentença de fls., que julgou a acção parcialmente procedente; 2. A usucapião de imóveis integrados no domínio privado do Estado, ou deuma pessoa colectiva de direito público, semregisto de aquisição e nem da mera posse, só pode dar-se decorridos22 anos e 6 meses ou 30 anos, conforme a posse seja de boa-fé ou de má-fé; 3. Tendo os AA.alegado e mostrando-se provado, em singelo, que há mais de 20 anos estão na posse, uso e fruição da parcela de terreno supra descrita sob o ponto 5 da fundamentação de facto, mesmo que se considere que esta passou a integrar o domínio privado da 1.ª Ré, não pode dar-se a usucapião; 4. Ao abrigo do art.º 596.º, n.º 3 do CPC, os RR. impugnam o douto despacho de 26/06/2015, que indeferiu a reclamação dos RR. apresentada ao douto despacho de fls. 204 (de 20/04/2015); 5. Os factos alegados pelos AA. sob os artigos 52.º, 60.º, 61.º e 62.º da Réplica não foram acompanhados de qualquer alteração ou ampliação do pedido; 6. Ainda assim, aqueles factos não têm o condão de permitir a aquisição, por usucapião, da parcela de terreno descrita em 5) da fundamentação de facto, uma vez que os AA. apenas alegaram a desafectação tácita há mais de 30 anos, não tendo contudo alegado estar na posse uso e fruição da dita parcela há mais de 22 anos e 6 meses ou 30 anos; 7. Não bastando a posse pelo período de mais de 20 anos para que a parcela de terreno descrita em 5) da fundamentação de facto seja prescritível, mister é concluir o Juiz que proferiu o despacho saneador e fixou a base instrutória não se “esqueceu” de “seleccionar” os factos alegados pelos AA. na Réplica, mas antes tomou uma opção deliberada em não o fazer, tomando em consideração apenas as soluções de direito plausíveis; 8. Também os AA. não formularam qualquer reclamação à selecção da matéria de facto, com fundamento em deficiência, nos termos do art.º 511.º, n.º 2 do CPC1961; 9. O princípio da adequação formal não legitima o Julgador a afastar-se danovadisciplinados...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT